quinta-feira, 14 de setembro de 2017

VIRTUDE E NÃO VIRTUDE

Renato Sant’Ana

Um dos personagens mais instigantes da literatura universal é o Príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin: asceta e quixotesco, ele personifica o que pode haver de mais virtuoso num homem. Mas sua retidão de caráter, pureza de sentimentos e a desconcertante sinceridade, virtudes de um ser superior, colocam-no em conflito com a corrompida sociedade de Petersburgo (séc. XIX). Míchkin é personagem central do romance "O idiota", do magnífico Fiódor Dostoiévski, obra cujo título é uma ironia do autor. Como não pensar em Dostoiévski?

Depois do depoimento de Antonio Palocci, que dedurou Lula e Dilma, José Dirceu atacou: "É melhor morrer do que perder a dignidade e se tornar delator." Como quem diz: "é moralmente exigível que o criminoso tenha dignidade para não delatar seus companheiros". Mas os delatores da Lava Jato só praticaram os crimes processados precisamente por falta de dignidade... Aliás, Dilma Rousseff, antes de ser desmascarada, também censurava quem fazia a "delação premiada".

Palocci não traiu uma causa, mas ajudou a desvendar crimes. Se deixou mal os seus cúmplices, à Pátria fez bem. Logo, seu ato foi virtuoso, não indigno. O que não conta para Zé Dirceu, que, tendo de escolher entre o Brasil e os companheiros, elege a pandilha. E é de sua ideologia desprezar a verdade para favorecer o crime, se for conveniente ao partido. (É a lógica da esquerda revolucionária.)

Zé Dirceu é personagem paradoxal de sua própria ficção - dona de bordel pregando castidade. Ex-presidente nacional do PT e ex-ministro de Lula, sempre bajulando os pobres, ele ficou rico no governo. Condenado no mensalão, seguiu praticando delitos e ganhando muito dinheiro (inclusive na cadeia). Cumpre pena atualmente por condenação na Lava Jato. No discurso, ele incorpora as virtudes de Míchkin, enquanto sua vida dissoluta, numa comparação, faz a Petersburgo retratada por Dostoievski parecer uma sociedade angélica.

Agora acusa Palocci de haver sempre batalhado "pelos próprios interesses, não por uma causa coletiva", como se ele fizesse diferente. É que acusar o outro é um jeito de gravar no chip da militância: "eu sou o honesto que não trai o PT". O recado tem, pois, endereço certo: a lobotomizada raia miúda do PT, que necessita de crenças para seguir servindo e cuja cegueira de consciência ele fomenta com mistificações, fazendo-a acreditar em que Lula e Dilma, como os outros bandidos, não passam de vítimas, de perseguidos políticos, cordeiros inocentes.

Alejo Carpentier, precursor do "realismo fantástico", inquieta-se na eternidade: "Como foi que não imaginei um Zé Dirceu nem um PT?", pensa ele. É que a ficção petista e sua incrível capacidade de torcer os fatos supera a imaginação de qualquer romancista.


Renato Sant'Ana é Psicólogo e Bacharel em Direito.


Fonte: Alerta Total

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