VIRTUDE E NÃO VIRTUDE
Renato Sant’Ana
Um dos personagens mais instigantes
da literatura universal é o Príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin: asceta e
quixotesco, ele personifica o que pode haver de mais virtuoso num homem. Mas
sua retidão de caráter, pureza de sentimentos e a desconcertante sinceridade,
virtudes de um ser superior, colocam-no em conflito com a corrompida sociedade
de Petersburgo (séc. XIX). Míchkin é personagem central do romance "O
idiota", do magnífico Fiódor Dostoiévski, obra cujo título é uma ironia do
autor. Como não pensar em Dostoiévski?
Depois do depoimento de Antonio
Palocci, que dedurou Lula e Dilma, José Dirceu atacou: "É melhor morrer do
que perder a dignidade e se tornar delator." Como quem diz: "é
moralmente exigível que o criminoso tenha dignidade para não delatar seus
companheiros". Mas os delatores da Lava Jato só praticaram os crimes
processados precisamente por falta de dignidade... Aliás, Dilma Rousseff, antes
de ser desmascarada, também censurava quem fazia a "delação
premiada".
Palocci não traiu uma causa, mas
ajudou a desvendar crimes. Se deixou mal os seus cúmplices, à Pátria fez bem.
Logo, seu ato foi virtuoso, não indigno. O que não conta para Zé Dirceu, que,
tendo de escolher entre o Brasil e os companheiros, elege a pandilha. E é de
sua ideologia desprezar a verdade para favorecer o crime, se for conveniente ao
partido. (É a lógica da esquerda revolucionária.)
Zé Dirceu é personagem paradoxal de
sua própria ficção - dona de bordel pregando castidade. Ex-presidente nacional
do PT e ex-ministro de Lula, sempre bajulando os pobres, ele ficou rico no
governo. Condenado no mensalão, seguiu praticando delitos e ganhando muito
dinheiro (inclusive na cadeia). Cumpre pena atualmente por condenação na Lava
Jato. No discurso, ele incorpora as virtudes de Míchkin, enquanto sua vida
dissoluta, numa comparação, faz a Petersburgo retratada por Dostoievski parecer
uma sociedade angélica.
Agora acusa Palocci de haver sempre
batalhado "pelos próprios interesses, não por uma causa coletiva",
como se ele fizesse diferente. É que acusar o outro é um jeito de gravar no
chip da militância: "eu sou o honesto que não trai o PT". O recado
tem, pois, endereço certo: a lobotomizada raia miúda do PT, que necessita de
crenças para seguir servindo e cuja cegueira de consciência ele fomenta com
mistificações, fazendo-a acreditar em que Lula e Dilma, como os outros
bandidos, não passam de vítimas, de perseguidos políticos, cordeiros inocentes.
Alejo Carpentier, precursor do
"realismo fantástico", inquieta-se na eternidade: "Como foi que
não imaginei um Zé Dirceu nem um PT?", pensa ele. É que a ficção petista e
sua incrível capacidade de torcer os fatos supera a imaginação de qualquer
romancista.
Renato Sant'Ana é Psicólogo e
Bacharel em Direito.
Fonte: Alerta Total
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