terça-feira, 5 de setembro de 2017

O ÚLTIMO A SABER
João Eichbaum

O ministro Gorgolelino  Barbosa  não escondia o peito empinado nem por dentro da toga, que vestira por particular admiração do presidente da república. Falava arrotando sapiência com sua voz de trovão, e levava a vida sempre montado no saber jurídico que atribuía à sua distinta pessoa.

Sua excelência era metido a botar leme na jurisprudência de juízos e tribunais e botava seu olho de lobisomem na causa, quando era chamado a desenferrujar questões políticas, em favor de amigos do peito. Jamais carecia de competência, quando se tratava de desentalar o rabo de figurões que o tivessem.

Vai que, de certa feita, borrifou com sua assinatura uns papeis de habeas corpus com o poder de remover do banco do xilindró os fundilhos de uns senhores possuídos de muitos haveres e  exorbitâncias, donos duma dinheirama capaz de corromper até Satanás, caso fossem condenados ao quinto dos infernos.

O caso botou em alvoroço jurídico a Procuradoria Criminal que, por sua vez, mandou a polícia no encalço dos retrasados do caso, de não deixar uma repartição sem vistoria, não com relação à pessoa de sua excelência, mas com vista aos beneficiários da soltura.

Daí apareceram, na caderneta de endereços de um dos indigitados soltos, o nome e o telefone da excelentíssima senhora consorte do ministro. E botou a cabeça de fora também o caso de haver o mesmo indigitado expedido um ramalhete de flores em favor do distinto casal, o excelentíssimo senhor doutor Gorgolelino Barbosa e digna esposa, doutora Semiríade Temístocles Barbosa.

Acusado de favorecer amigos, o impoluto ministro empastelou a denúncia com o argumento de que macho não recebe flores: eu nunca recebi flores desse sujeito.


Mal sabia ele que as flores eram destinadas exclusivamente à sua excelentíssima e induvidosa consorte, a qual ele desatrelara dos deveres de virgindade, mediante o santo sacramento do matrimônio. Seu nome constava como destinatário das belas flores apenas como salvo-conduto de ocasião, para que não calhasse em sua pessoa uma suspeita pública e notória de cornice, coisa mal vista debaixo de toga.

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