O ÚLTIMO A SABER
João Eichbaum
O ministro Gorgolelino Barbosa
não escondia o peito empinado nem por dentro da toga, que vestira por
particular admiração do presidente da república. Falava arrotando sapiência com
sua voz de trovão, e levava a vida sempre montado no saber jurídico que
atribuía à sua distinta pessoa.
Sua excelência era metido a
botar leme na jurisprudência de juízos e tribunais e botava seu olho de
lobisomem na causa, quando era chamado a desenferrujar questões políticas, em
favor de amigos do peito. Jamais carecia de competência, quando se tratava de
desentalar o rabo de figurões que o tivessem.
Vai que, de certa feita,
borrifou com sua assinatura uns papeis de habeas corpus
com o poder de remover do banco do xilindró os fundilhos de uns senhores
possuídos de muitos haveres e
exorbitâncias, donos duma dinheirama capaz de corromper até Satanás,
caso fossem condenados ao quinto dos infernos.
O caso botou em alvoroço
jurídico a Procuradoria Criminal que, por sua vez, mandou a polícia no encalço
dos retrasados do caso, de não deixar uma repartição sem vistoria, não com
relação à pessoa de sua excelência, mas com vista aos beneficiários da soltura.
Daí apareceram, na caderneta de
endereços de um dos indigitados soltos, o nome e o telefone da excelentíssima
senhora consorte do ministro. E botou a cabeça de fora também o caso de haver o
mesmo indigitado expedido um ramalhete de flores em favor do distinto casal, o
excelentíssimo senhor doutor Gorgolelino Barbosa e digna esposa, doutora
Semiríade Temístocles Barbosa.
Acusado de favorecer amigos, o
impoluto ministro empastelou a denúncia com o argumento de que macho não recebe
flores: eu nunca recebi flores desse sujeito.
Mal sabia ele que as flores
eram destinadas exclusivamente à sua excelentíssima e induvidosa consorte, a
qual ele desatrelara dos deveres de virgindade, mediante o santo sacramento do
matrimônio. Seu nome constava como destinatário das belas flores apenas como
salvo-conduto de ocasião, para que não calhasse em sua pessoa uma suspeita pública
e notória de cornice, coisa mal vista debaixo de toga.
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