sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

MISSA DO GALO
Maria Lucia Victor Barbosa*

Dia destes ouvi muito ao longe, ecoando num sonho assombrado por reminiscências da infância, o cantar de um galo. Contraste com o urbano de asfalto e prédios, de trânsito e violência, aquela sonoridade foi acalanto que momentaneamente amorteceu os impactos da vida sofridos entre uma esperança e outra.

Percebi, então, com a nitidez que só os olhos do espírito possuem, que o canto do galo é evocação de algum momento do passado. Vem envolto em brumas do amanhecer para anunciar o dia, onde nunca sabemos o que sucederá. Tem uma intimidade esse som com quintais cheios de ciscares, de romãs pendendo de galhos para oferecer sua beleza rubra e apetitosa, de jabuticabeiras que serpenteiam em troncos retorcidos os negrores adocicados de suas uvas tropicais!

De novo cantou o galo em lonjuras que minhas sensações alcançaram. No sol que se elevava do horizonte aquela melodia combinou com uma expectativa alegre, um desabrochar de esperança desenhada nos labirintos do existir. Reconforto. Aconchego. Rede balançando. Risos perdidos no tempo das travessuras. Renascimento. Era isso que vinha marulhando pelo vento da aurora. Uma ternura estridente se expandia naquele ondear sonoro. Um chamamento para o mundo acordar. O galo, pensei, é o arauto da existência.

Nesta véspera de Natal, onde o verdadeiro conteúdo da comemoração se esvai, veio-me também, numa associação de ideias a Missa do Galo. Qual bispo teria batizado desse modo a missa, que no passado era celebrada à meia-noite com a solenidade de um ritual falado em latim? Naquele tempo que nem tão longe está, as mulheres cobriam a cabeça com véus rendados, o que as tornava bonitas e vaporosas para combinar com os mistérios do ritual. As casadas usavam mantilhas pretas, e as solteiras, brancas. Era um sinal de respeito ao local sagrado. Em algumas catedrais a música que vinha do órgão com toda a pompa do instrumento, intercalava-se com a angelical melodia dos corais que subia aos céus em espirais para louvar a Deus.

Depois da Missa do Galo, a ceia, a sobremesa da esplendorosa torta de frutas, o abrir dos presentes, a confraternização familiar. No presépio, o nascimento do Menino Jesus finalmente colocado na manjedoura entre Maria e José, em meio aos pastores e aos bichinhos de massa que olhavam espantados a estrela de papel dourado equilibrada por sobre a gruta.

*Escritora

FONTE: Alerta Total

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