UM REINO ENCANTADO EM BRASÍLIA
João Eichbaum
Hélio
Schwartsman, da Folha de São Paulo, em crônica intitulada “Abaixo a Monarquia”,
não esconde sua perplexidade diante da existência da monarquia ainda nos dias
de hoje. “Não vejo aqui nenhum raciocínio para justificar que um grupo de
pessoas, apenas por ter nascido numa família, goze de um estatuto jurídico diferente
daquele conferido ao restante dos cidadãos” -
diz ele.
Mas, o Hélio não se deu conta de que no deserto da miséria, do
desemprego, da violência, das mortes por omissão do Estado, nessa republiqueta
chamada Brasil, de longe se avista um oásis. De lá, uma Corte, que não pertence
a esse mundo, projeta sua magnificência.
Nessa Corte vivem- ou flutuam - onze ministros, que não são reis,
nem príncipes e não têm sangue azul, mas se apuram como se majestades fossem e
se comportam como deuses.
O mundo deles é outro. Eles se enclausuram na “turris eburnea”, a
torre de marfim que os separa do mundo e os preserva de todas as maldades e
misérias que assolam as demais criaturas desse país.
Do orçamento da União, no ano passado, suas majestades, ops, suas
excelências abiscoitaram uma quantia digna de qualquer reino, com todas as
pompas e circunstâncias: quinhentos e cinquenta e quatro milhões, setecentos e
cinquenta mil, quatrocentos e dez reais. Para quem não sabe: é dinheiro do trabalhador tosquiado pela Fazenda.
Não é para menos. Poucos são os reinos que contam com tantos
pajens. Certamente porque, para a arte de viver, seus valores são outros, as
onze excelências têm a servi-los: 306 estagiários, 25 bombeiros, 85
secretárias, 293 vigilantes, 194 recepcionistas, 29 encadernadores, 116
serventes de limpeza, 24 copeiros, 27 garçons, 8 auxiliares bucais, 12
auxiliares de desenvolvimento infantil, 58 motoristas, 7 jardineiros, 6
marceneiros, 10 carregadores de bens, 5 publicitários, 19 jornalistas. A tudo
isso se somam assistência médica e odontológica, cursos de joga, massagem e
oficina de respiração (?), auxílio-funeral e auxílio-natalidade.
Essa folclórica diversidade de funções monta um mundo de fantasia
construído sobre as ruínas dos princípios estabelecidos no artigo 37 da
Constituição Federal. Nesse mundo se abrigam o desdém pela miséria, o deboche
da pobreza e as consciências ofuscadas pelo esplendor da vaidade. Sua
ostentação afronta a inteligência do contribuinte, mas atiça a devoção dos
impávidos e eternos aduladores da toga.
Nenhum
autor de histórias de fantasia conseguiu reunir tanta quimera em obras
literárias. Mas, o Supremo Tribunal Federal, por obra de um gênio qualquer, chegou lá. Um gênio insensato, descomprometido com a ética
e a responsabilidade social. Enroscado em tais predicados, ele não poderia ser
juiz em lugar nenhum do mundo. Mas sua obra
assumiu a hierarquia dos encantos que se eternizam: ninguém, até hoje,
teve força moral, peito ou bigode, para destruí-la.
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