INOCÊNCIA
PRESUMIDA
João
Eichbaum
O
grande mal que afeta a cultura é o “analfabetismo funcional”. Pessoas conhecem
as letras, juntam-nas e formam uma palavra. Juntam outras palavras e formam uma
frase. Pronto: já sabem ler. Mas, ler é uma coisa, outra coisa é interpretar,
atinar com o sentido da palavra na frase, e com o sentido da frase no contexto.
Se a pessoa não souber interpretar, de nada lhe adiantará saber juntar letras e
palavras.
Observe-se
o que está escrito no inc. LVII, do art. 5º da Constituição Federal: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”...
Dias atrás uma menina de oito anos foi violentada
e morta por um homem, em Caxias do Sul. Investigações policiais levaram a um
suspeito, que acabou confessando a barbárie, inclusive mostrando à polícia o
local onde deixara o cadáver da infeliz criança.
Pergunta: então, diante da Constituição, esse
homem (ninguém se atreva a chamá-lo de bandido) não poderá ser preso, porque
viverá em estado de pueril inocência, enquanto não for julgado em todas as
instâncias, incluindo um possível julgamento no STF, daqui a uns vinte anos?
Que
a revolta das pessoas, causada pela ignomínia, as leve a considerar “preso”,
como sinônimo de “culpado”, se admite, é perfeitamente natural, em tais
circunstâncias. Causa, porém, estupefação que bacharéis, doutores, professores,
mestres em Direito não saibam fazer distinção entre os dois vocábulos.
O
que enche a cabeça desses doutores não se sabe. O que se sabe é que a
Constituição permite a supressão da liberdade de pessoas não culpadas, (sem
culpa formada) autorizando a prisão preventiva, por exemplo. Mas ela só
considera culpado quem como tal for declarado, por sentença transitada em
julgado. Será isso metáfora ou estúpida contradição?
Ou
a Constituição está mal escrita, ou seus intérpretes não a sabem ler. Ou as duas coisas. “Ninguém será considerado culpado” só terá
o mesmo sentido de “ninguém poderá ser preso” para pessoas a quem não acodem
rudimentares lições da língua portuguesa. Quem conhece o vernáculo sabe
que “preso” não é sinônimo de “culpado”: nem todo o preso é culpado, e nem todo
o culpado é preso.