QUANDO A JURISPRUDÊNCIA SE SUBMETE AOS RÉUS
João Eichbaum
Hoje, o Supremo Tribunal Federal é um tema inesgotável. Nunca, em toda sua história, a Corte, que
pontifica na hierarquia do Poder Judiciário, foi alvo de tanta polêmica, de tão
ácidas críticas. Nunca proporcionou tanto vexame. Nunca se ouviu coro de vozes
tão numerosas e distantes, xingando a justiça, destroçando pundonores.
A discrição, que deveria ser a virtude inerente a qualquer
juiz, é a qualidade que menos aparece naquele tribunal. Pelo contrário: o que
mais lá se vê é ostentação. Ostentação no cerimonial, no discurso rebuscado, na
empáfia, no ar de superioridade, nos privilégios materiais e econômicos de que
se servem os togados.
É o verdadeiro Tribunal acima da lei, despido de
sensibilidade, de apego aos anseios por justiça. Volta e meia se tem notícia de
processos prescritos, de pedidos de vista que se eternizam, de ilegalidades
abafadas pelo descaso para com os prazos previstos em lei. O que se exige de um
juiz concursado de primeiro grau, ninguém exige de um ministro apadrinhado por
políticos.
Como se isso não bastasse, o Tribunal que deveria ser o
guardião dos direitos fundamentais, entre os quais a Constituição inclui a
igualdade de todos perante a lei, começa a dar sinais de volubilidade. A
volubilidade é o vício que mais compromete a justiça: o que ontem valia, hoje
já não vale, a regra mudou durante o jogo, pois a interpretação da lei não
passa de um caniço agitado pelo vento das conveniências.
Até que prendessem a mulher de Sérgio Cabral, ninguém se
importava com as mulheres presas. Ninguém se lembrava de que, sendo mulheres,
elas podem ser mães e, sendo mães, lei nenhuma lhes tira o direito de amamentar
seus rebentos. A mulher de Sérgio Cabral não fornecia leite materno. Mas tinha
dois filhos e isso bastou para lhe concederem liberdade.
Por conta dos benefícios concedidos à dita mulher, criou-se
uma jurisprudência de que ninguém havia cogitado, desde a promulgação da
Constituição vigente, há quarenta anos: mãe que amamenta não pode ser
trancafiada. Mulheres pobres mofaram na cadeia até semana passada, quando o STF
se deu conta de que pobre também tem direitos.
Mas, tem mais. Agora, por conta do Lula, que contratou um
advogado a peso de ouro só para deitar argumentos que nunca foram usados em
favor dos pobres nos ouvidos dos ministros do STF, aquele tribunal terá a
chance de mostrar mais uma vez que jurisprudência é uma coisa volúvel, ditada
pelas conveniências dos réus do andar de cima da sociedade.
Sim, senhores. Por se tratar de um pobre que deixou de ser
pobre, o Supremo Tribunal Federal, através de um de seus ministros, vai ter a
oportunidade de se desdizer, modificando sua jurisprudência, segundo a qual o
juízo condenatório de segundo grau autoriza o cumprimento da pena.
Se voltar atrás,
estará sepultando a segurança jurídica, estará alimentando o desprezo que
parcela significativa da sociedade, movida pelo desencanto, já lhe vota. Pior
ainda: estará dando curso de trânsito em julgado a um juízo do próprio Lula
sobre a instituição: “um tribunal acovardado”.
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