sexta-feira, 2 de março de 2018


QUANDO A JURISPRUDÊNCIA SE SUBMETE AOS RÉUS
João Eichbaum

Hoje, o Supremo Tribunal Federal é um tema inesgotável.  Nunca, em toda sua história, a Corte, que pontifica na hierarquia do Poder Judiciário, foi alvo de tanta polêmica, de tão ácidas críticas. Nunca proporcionou tanto vexame. Nunca se ouviu coro de vozes tão numerosas e distantes, xingando a justiça, destroçando pundonores.

A discrição, que deveria ser a virtude inerente a qualquer juiz, é a qualidade que menos aparece naquele tribunal. Pelo contrário: o que mais lá se vê é ostentação. Ostentação no cerimonial, no discurso rebuscado, na empáfia, no ar de superioridade, nos privilégios materiais e econômicos de que se servem os togados.

É o verdadeiro Tribunal acima da lei, despido de sensibilidade, de apego aos anseios por justiça. Volta e meia se tem notícia de processos prescritos, de pedidos de vista que se eternizam, de ilegalidades abafadas pelo descaso para com os prazos previstos em lei. O que se exige de um juiz concursado de primeiro grau, ninguém exige de um ministro apadrinhado por políticos.

Como se isso não bastasse, o Tribunal que deveria ser o guardião dos direitos fundamentais, entre os quais a Constituição inclui a igualdade de todos perante a lei, começa a dar sinais de volubilidade. A volubilidade é o vício que mais compromete a justiça: o que ontem valia, hoje já não vale, a regra mudou durante o jogo, pois a interpretação da lei não passa de um caniço agitado pelo vento das conveniências.

Até que prendessem a mulher de Sérgio Cabral, ninguém se importava com as mulheres presas. Ninguém se lembrava de que, sendo mulheres, elas podem ser mães e, sendo mães, lei nenhuma lhes tira o direito de amamentar seus rebentos. A mulher de Sérgio Cabral não fornecia leite materno. Mas tinha dois filhos e isso bastou para lhe concederem liberdade.

Por conta dos benefícios concedidos à dita mulher, criou-se uma jurisprudência de que ninguém havia cogitado, desde a promulgação da Constituição vigente, há quarenta anos: mãe que amamenta não pode ser trancafiada. Mulheres pobres mofaram na cadeia até semana passada, quando o STF se deu conta de que pobre também tem direitos.

Mas, tem mais. Agora, por conta do Lula, que contratou um advogado a peso de ouro só para deitar argumentos que nunca foram usados em favor dos pobres nos ouvidos dos ministros do STF, aquele tribunal terá a chance de mostrar mais uma vez que jurisprudência é uma coisa volúvel, ditada pelas conveniências dos réus do andar de cima da sociedade.

Sim, senhores. Por se tratar de um pobre que deixou de ser pobre, o Supremo Tribunal Federal, através de um de seus ministros, vai ter a oportunidade de se desdizer, modificando sua jurisprudência, segundo a qual o juízo condenatório de segundo grau autoriza o cumprimento da pena.

 Se voltar atrás, estará sepultando a segurança jurídica, estará alimentando o desprezo que parcela significativa da sociedade, movida pelo desencanto, já lhe vota. Pior ainda: estará dando curso de trânsito em julgado a um juízo do próprio Lula sobre a instituição: “um tribunal acovardado”.




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