terça-feira, 20 de março de 2018


A HEROÍNA
João Eichbaum
Para recuperar o sentido verdadeiro do martírio e do heroísmo, é bom falar nela. Chamava-se Helley de Abreu Silva Batista e, por duas vezes, foi vítima das tocaias do destino. A primeira, quando perdeu o filhinho de 4 anos, afogado numa piscina. Buscando reaver o valor da vida, que lhe havia sido subtraído pela desgraça, ela procurou a superação da dor na doação de si mesma, para salvar outras crianças.
Pedagoga, fez pós-graduação em Educação Especial Inclusiva e ingressou, por concurso, como professora, no Centro de Educação Municipal Gente Grande, uma creche em Janaúba, uma pequena cidade com 71 mil habitantes,  em Minas Gerais.
Movida pelo idealismo, sua preocupação era motivar os alunos na busca do melhor rendimento, principalmente se tratando de crianças com alguma deficiência: a essas dedicava maior atenção, para lhes proporcionar um aproveitamento de criaturas ativas no contexto social.
Na preparação das comemorações do Dia da Criança, se ocupava em despertar os alunos para os espetáculos mágicos do cinema, com pipocas e doces, quando irrompeu um incêndio na escola. Sem pestanejar, se entregou à tarefa de pôr a salvo as crianças, enfrentando o fogo, expondo a própria vida.
O incêndio fora provocado pelo vigia  da escola. Depois de atear fogo em si mesmo, o homem começou a fazê-lo também nas crianças. Além de salvar alguns alunos, alcançando-os pela janela para outras pessoas, Helley travou luta corporal com o incendiário, para conter sua loucura. Nesse ato heróico, muito acima de suas forças, a vida se lhe esvaiu. Seu corpo foi encontrado ao lado do corpo do algoz.
A história desse país, que agora parou na página da corrupção, nunca fora enaltecida com tal grau de heroísmo de uma mulher. Mas, apesar de sua grandeza, ela foi lembrada apenas como pauta de notícia passageira. Não houve mobilização de multidões, não houve cobranças movidas a ódio. Ao que se saiba, ninguém deixou seu trabalho, seu lazer, seus afazeres cotidianos, sua preguiça assistida por verbas governamentais, para ir à rua gritar palavras de ordem, exigir justiça ou, pelo menos, para engrandecer a memória da professora Helley: sua morte não serviu de repasto para energúmenos, nem de instrumento para a política suja dos demagogos.


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