A VIRGULA
João Eichbaum
Não custa repetir: a maioria dos
bacharéis, mestres e doutores em Direito não tem pleno domínio sobre seu
principal instrumento de trabalho, que é o vernáculo. Ou não conhecem a
gramática, ou são vítimas da pobreza de vocabulário.
Do inc. LVII, do art. 5º da Constituição Federal,
onde está escrito que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”, muitos extraem a certeza de que Lula,
condenado em duas instâncias, não poderá ser preso.
Eles não só não se dão conta de que “preso” não é
sinônimo de “culpado”, como ignoram que o verbo “considerar”, na voz passiva
(ser considerado) não tem sentido imperativo, mas meramente indicativo, de
referência: ser reputado, ser tido, ser tomado como. Daí a “ser preso” vai um
abismo incomensurável.
O significado do verbo aliado à evidência de que
a Constituição permite, sim, expressamente, no inc. LXI do mesmo artigo, a
prisão de pessoas “não culpadas”, tolhe qualquer dúvida de quem, estando no
pleno uso da razão e sem cartas marcadas, conhece primárias lições de
vernáculo.
Dia desses, um bacharel, ou doutor, trouxe à
baila o art. 283 do Código de Processo Penal para sustentar a tese de que a
Constituição só permite a prisão, por força de sentença condenatória transitada
em julgado.
Assim está redigido o dito art. 283: “Ninguém
poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada
da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória
transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude
de prisão temporária ou prisão preventiva”.
O suposto doutor não conhece as funções da
vírgula. Ele simplesmente ignorou a vírgula aposta depois do adjetivo
“competente”. A vírgula, nesse texto, tem a função de separar os elementos da
enumeração, alternando tal função com a partícula “ou”.
São quatro as hipóteses enumeradas como exceção à
regra de que “ninguém poderá ser preso”: flagrante, ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária, sentença condenatória transitada em
julgado e prisão temporária ou preventiva. A “ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente” é uma hipótese distinta da “sentença
condenatória transitada em julgado”. Ela está prevista expressamente no inc.
LXI do art. 5º da Constituição Federal, sem qualquer outra restrição. Por isso,
a vírgula separa as duas hipóteses.
Erros de leitura empobrecem também os argumentos
dos juristas que querem a prisão do Lula. Invocando a capenga figura da
sentença “meio” transitada em julgado, porque aos tribunais superiores é vedada
a análise de provas e fatos, eles não leem
o inc. LIV do art. 5º da Constituição, sobre o império do devido processo legal.
É lícito supor que os constituintes tiveram uma ideia, mas lhes faltou vocabulário para defini-la. Se os legisladores soubessem escrever com clareza
e os intérpretes, respeitando pontos e vírgulas, dominassem o vernáculo como
instrumento da hermenêutica, a celeuma sobre a prisão do Lula seria abortada.
Um comentário:
Bom-dia
Meu caro, será que os confeiteiros da constituição tinham em mente esses nuances do vernáculo?
Parece-me que não.
Postar um comentário