Janer Cristaldo
Em março passado, comentei o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para as compras feitas em cartão de crédito no Exterior. Desde então, o estrangeiro ficou 4% mais caro para todo brasileiro. Se antes você pagava 2,38 reais por 100 reais gastos, hoje você passa a pagar 6,38. Em mil reais, pagará 63,80. Em dez mil, que é uma despesa viável em cartão de crédito para uma viagem, pagará 638 reais. Quase a metade de uma passagem de ida e volta a Paris.
A medida pretendia conter a evasão de divisas, em virtude da baixa cotação do dólar. Não conteve coisa nenhuma. Os brasileiros continuam viajando com entusiasmo. Bem que fazem. Mesmo com o aumento do IOF, viajar continua sendo convidativo. Com o que se paga por uma entrada em São Paulo, temos uma refeição completa em Paris ou Madri – entrada, prato principal, sobremesa e, conforme o restaurante, meia jarra de vinho.
O aumento só serviu para gerar receita ao governo, para financiar copa e corrupções outras. Porque ninguém duvide: a tal de copa vai ser um assalto colossal ao erário. Mas parece que o IOF para compras no exterior se revelou insuficiente. O leão continua faminto. Agora vai ser pago para compras feitas aqui mesmo.Leio nos jornais de hoje que pagar contas e boletos bancários no cartão de crédito deve ter tributação com IOF. O imposto é de 0,0082% ao dia de uso do crédito, limitado a 3% ao ano, mais 0,38% por operação. Quem vai a um caixa eletrônico com um boleto bancário e escolhe a opção de pagamento no cartão de crédito deve ser tributado. Essa regra vale, segundo a Receita, para contas de consumo, como luz, água e telefone, além de impostos, condomínios e mensalidades escolares, entre outros boletos.
A medida é um recado explícito do governo ao consumidor: pare de comprar, diz o vice-presidente da Anefac (Associação dos Executivos de Finanças), Miguel de Oliveira. "A medida não tem eficácia agora. O consumidor já paga os percentuais quando usa crédito rotativo do cartão para pagar contas. Serve só como alerta".
Será que ouvi bem? Este senhor estará dizendo que o consumidor pare de comprar luz, água e telefone? Que pare de pagar impostos, condomínios e mensalidades escolares no cartão? Vamos voltar ao tempo do dinheiro vivo, cada vez mais longe de nossos dias?
Seja como for, ao recomendar que o consumidor pare de comprar, o governo certamente não está falando comigo. Não compro quase nada. Na última década, comprei dois computadores, uma impressora, um televisor... e só. Ah, e um telefoninho celular. Me parece ser um consumo bastante comedido para uma década. Mas soa estranho o governo dizer ao consumidor que pare de comprar, quando as montadoras oferecem carros a serem pagos em cinco ou mais anos. Hoje, qualquer pessoa que não tem condições de ter um carro pode ter um carro.
Nada entendo de economia. Apenas a sofro. Mas entendo de lógica. Vivemos ou não em uma economia capitalista? Se a resposta é sim, quanto mais consumo melhor. Há bem mais de dez anos, tive uma experiência interessante em Madri. Era Natal, quando os madrilenhos se atiram com fúria às compras. A Puerta del Sol – hoje tomada pelos “indignados” – e adjacências, nestes dias é invadida por uma multidão sedenta de consumo. Eu buscava um singelo Rioja para o fim de noite no hotel quando tive de enfrentar aquela multidão furiosa, compacta, invasiva, imiscuindo-se em todo e qualquer lugar onde houvesse algo para comprar. Investi de ombros contra a massa e lutei bravamente por meu vinho. Até aí, nada demais. Lá pelas tantas, em plena Puerta del Sol, deparei-me com um grupo de católicos vestidos de andrajos – simulando pobreza, pois pobres não seriam – que protestavam com cartazes contra a sociedade de consumo e o consumismo. Se já não nutro muita simpatia por estes senhores, naquela noite meu sentimento foi de asco.
O que aqueles papistas pareciam não entender é que consumo, por estúpido que seja, gera trabalho e riqueza. Aquela histeria desmesurada dos madrilenhos beneficiava o último produtor de queijos, presunto ou vinhos, nos confins de uma vila na Espanha ou na Europa. Lubrificava a ampla capilaridade de distribuição e venda, os setores de transporte e comércio do país todo. O consumo quase irracional dos madrilenhos azeitava a economia da Espanha, demonstrava a eficiência plena do capitalismo. Claro que o sentido original do Natal fica empanado, para não dizer abolido. Mas melhor que o culto piegas de um deus obsoleto é contemplar o espetáculo de uma economia pujante.
Conquistada minha botellita de Rioja, fugi da massa e busquei uma bodega discreta para continuar minhas leituras. Não imagine o leitor que tais orgias de consumo me fascinem. Mas tenho de convir que são salutares para a economia das nações. Aqueles gatos pingados católicos, travestidos de pobres e humildes, eram, naqueles dias de festa, os piores inimigos da humanidade.
Em Pindorama, consumir está sendo visto como pecado social. Ou os papistas tomaram conta do governo, ou o governo quer mais grana para financiar a corrupção e já nem sabe o que alegar.
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