segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O DISCURSO VAZIO DA PREPOTÊNCIA

João Eichbaum

Colocaram um explosivo debaixo da espreguiçadeira dos juízes.
Por conta da decisão de um desembargador, que proibiu a Rede RBS de mencionar o nome de vereador flagrado em turismo com o dinheiro dos contribuintes, os juízes gaúchos estão sendo cobrados pelas entidades que congregam a imprensa, não só no país como no exterior.
Embaraçados, os magistrados, estão falando fora dos autos, dando explicações, para manterem a aparência de pessoas decentes e sinceras.
Primeiro foi a Ajuris, associação de classe deles, ao defender a inconstitucional decisão, afirmando que o vereador “provou sua inocência e não foi sequer denunciado”. Foi desmentida pelo Ministério Público.
Depois, em artigo encaminhado para publicação, exatamente na Zero Hora, o juiz Marco Aurélio M. Xavier demonstra que não tem noções primárias de dialética. É bem possível que nem saiba o que é dialética.
Olhem o que ele, comprazido na interpretação oxidada do preceito constitucional, diz: “tachar a decisão de ‘censura’ é tão absurdo quanto considerar a imprensa ‘imaculada’.
“Censura” e “imaculada” são vocábulos imprestáveis como termos de uma proposição comparativa: um é substantivo e o outro, adjetivo. “Censura” tem conceito exato e significação técnica do ponto de vista jurídico. “Imaculada” é um adjetivo que se pode atrelar a qualquer nome. Por ser adjetivo e por ser variável não tem conceito.
As heresias, do ponto de vista da dialética, são tantas, no artigo do juiz, que se não as pode comentar neste curto espaço. Mas fixemos só mais duas delas. A primeira é a que qualifica de “risível” a norma constitucional que autoriza a reparação de abusos gerados pela liberdade de expressão. Aí se escancara toda a pobreza intelectual do articulista. Sendo juiz, ele tem obrigação de fundamentar suas asserções. Mas, como não soube desmantelar cientificamente a norma constitucional, foi pelo caminho mais fácil, o caminho trilhado pelos néscios: a adjetivação.
A segunda é de estarrecer até os menos iletrados: “decisão judicial não é censura, mas sim instrumento de justiça”.
Ora, ora, qualquer ignorante sabe que muitas, muitas e muitas vezes é exatamente das decisões judiciais que provém a injustiça. Longe de adquirirem o “status” de dogma, as decisões judiciais jamais poderão ser tomadas como sinônimo de justiça.
Decisão judicial, senhor juiz Marco Aurélio, é o instrumento da realização do direito (juris dictio, origem etimológica de jurisdição) Mas o direito nem sempre representa a justiça. O direito vigente nos regimes totalitários, por exemplo, não deixa de ser direito. E mais: a justiça brasileira está longe de ser aquela vaca sagrada, imune ao esquartejamento e à exposição no açougue.
Outra coisa: continente não se confunde com conteúdo. A decisão judicial é ato processual (continente) que contém uma ordem (conteúdo). Enquanto continente, ela é um instrumento de realização do direito, mas, enquanto conteúdo, ela pode ser um instrumento de realização da injustiça, uma censura, uma aberração, uma patifaria, ou um atestado público de ignorância.
No caso da decisão do desembargador, não se pode falar, tecnicamente, de censura, porque é uma proeza muito pior: trata-se de mordaça.

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