sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A MULHER DO CACHOEIRA (II)





João Eichbaum

O juiz Alderico Rocha deixou de prender a mulher do Cachoeira por uma só razão: não tinha certeza se ela estava cometendo crime, quando a bela mulher propôs a liberdade do marido, em troca de um suposto “dossier” que comprometeria a “conduta ilibada” do magistrado.
Observem o que diz o artigo 333 do Código Penal, ao tipificar o crime de corrupção ativa: oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.
Se aceitasse a proposta da mulher, o juiz estaria sendo beneficiado com a vantagem pessoal de não cair na boca do povo. Certo?
Então pergunto para vocês: essa vantagem pessoal seria “indevida”? Por acaso o juiz não tinha o direito de preservar sua imagem, sua honra, seus hábitos sexuais, seja lá o que for?
Outra hipótese. Digamos que o “dossier” comprometesse a honestidade funcional do juiz. Qual seria a vantagem dele? Os atos desonestos ou criminosos se apagariam, a partir do momento em que o magistrado se apoderasse do “dossier”?
Comparemos agora as duas hipóteses. Na primeira, o juiz obteria vantagem, mas essa vantagem não seria “indevida”. Na segunda hipótese, ele não lograria vantagem, porque o desaparecimento do “dossier” não impediria a investigação, por parte de seus superiores, da polícia ou do Ministério Público.
Então, quer por não haver vantagem, quer porque, em existindo, essa vantagem não fosse indevida (era um direito do juiz de preservar sua imagem) a proposta da mulher do Cachoeira não configura crime de corrupção ativa.
Poderia ter ocorrido o crime de ameaça, assim definido pelo art. 147 do Código Penal: ameaçar alguém, por meio de palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave.
Mas, tal configuração ainda dependeria do conteúdo do “dossier”. E mais, trata-se de delito de menor potencial ofensivo, que depende de representação do ofendido, hipótese incompatível com o flagrante.
Todas essas dúvidas devem ter assaltado o juiz Alderico, impedindo-o de dar voz de prisão à sedutora dona da proposta. Só que, em sendo evitado um mal menor, foi infligido àquela gata, que enche os olhos de qualquer macho, um mal maior: a exigência de pagamento de fiança no extorsivo valor de Cr$ 100.000,00, para livrá-la da prisão por um crime que não existiu.
Pronto. Fiz a defesa dela. Agora quero meus honorários: in natura!




Um comentário:

Gigi disse...

A bela é um belo tema para crônica e foi duas vezes bem aproveitado poe Eichbaum. As sutilezas jurídicas excedem minha alçada, mas fico intrigado é com o tal dossiê. Cumprimento o cronista e entro em litígio com ele na disputa anunciada no parágrafo do fim, ainda que eu não tenha crédito em cobrança.