sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

A PROCISSÃO DE NAVEGANTES
João Eichbaum

A jovem mulher, com belos traços apagados pela pobreza e o olhar envelhecido antes do tempo, estava com um menino no colo, grotescamente fantasiado de anjo. Não pensou muito, para responder à pergunta do repórter: “tive uma gravidez complicada e prometi vestir ele de anjo, se tudo desse certo”.

O arcebispo de Porto Alegre, metido numa sotaina vermelha e mostrando um sorriso sem graça, ao invés do sorriso benfazejo de pastor, respondeu assim ao abelhudo repórter: “tivemos uma tempestade feia, com muitos danos patrimoniais, materiais. Mas isso se supera. O importante é que não houve vítimas. Viemos agradecer, por não ter havido vítimas...

Essas manifestações foram transmitidas durante o noticiário sobre a procissão de Navegantes, realizada quando Porto Alegre ainda sofria os efeitos do furacão da sexta-feira passada: gente ainda enxugando o suor do medo, presa em apartamentos, sem água, sem luz, ruas atravancadas de árvores destroçadas e enroladas num emaranhado de fios e cabos transmissores de telefone e energia.

Que a mulher, pobre, ignorante, com a racionalidade dominada pela superstição, viesse para a procissão com estranha forma de agradecer, fazendo uma terceira pessoa (seu filho) cumprir uma “promessa” assumida por ela, vá lá.

Mas a um arcebispo, supostamente versado em filosofia, não se pode perdoar tal disparate. Ora, ora, agradecer por não ter havido vítimas...Isso quer dizer que o deus judaico-cristão só se guia pela regra sinistra da morte. Se ele, mesmo fazendo desfilar o terror pela cidade, não matou ninguém, então se agradece à Virgem de Navegantes. Há alguma lógica nisso? Há um pingo de racionalidade nesse sofisma?

A que ponto chega o homem, mesmo letrado, quando prensado contra a irracionalidade da sua crença. Como não há nada para agradecer aos deuses e suas mulheres, então se agradece, porque eles não mataram ninguém. Qualquer coisa serve para enrolar o povo e garantir o lucro da festa. Me poupem!




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