A PROCISSÃO DE NAVEGANTES
João Eichbaum
A jovem
mulher, com belos traços apagados pela pobreza e o olhar envelhecido antes do
tempo, estava com um menino no colo, grotescamente fantasiado de anjo. Não
pensou muito, para responder à pergunta do repórter: “tive uma gravidez
complicada e prometi vestir ele de anjo, se tudo desse certo”.
O
arcebispo de Porto Alegre, metido numa sotaina vermelha e mostrando um sorriso
sem graça, ao invés do sorriso benfazejo de pastor, respondeu assim ao abelhudo
repórter: “tivemos uma tempestade feia, com muitos danos patrimoniais,
materiais. Mas isso se supera. O importante é que não houve vítimas. Viemos
agradecer, por não ter havido vítimas...
Essas
manifestações foram transmitidas durante o noticiário sobre a procissão de Navegantes,
realizada quando Porto Alegre ainda sofria os efeitos do furacão da sexta-feira
passada: gente ainda enxugando o suor do medo, presa em apartamentos, sem água,
sem luz, ruas atravancadas de árvores destroçadas e enroladas num emaranhado de
fios e cabos transmissores de telefone e energia.
Que a
mulher, pobre, ignorante, com a racionalidade dominada pela superstição, viesse
para a procissão com estranha forma de agradecer, fazendo uma terceira pessoa
(seu filho) cumprir uma “promessa” assumida por ela, vá lá.
Mas a um
arcebispo, supostamente versado em filosofia, não se pode perdoar tal disparate.
Ora, ora, agradecer por não ter havido vítimas...Isso quer dizer que o deus
judaico-cristão só se guia pela regra sinistra da morte. Se ele, mesmo fazendo
desfilar o terror pela cidade, não matou ninguém, então se agradece à Virgem de
Navegantes. Há alguma lógica nisso? Há um pingo de racionalidade nesse sofisma?
A que
ponto chega o homem, mesmo letrado, quando prensado contra a irracionalidade da
sua crença. Como não há nada para agradecer aos deuses e suas mulheres, então
se agradece, porque eles não mataram ninguém. Qualquer coisa serve para enrolar
o povo e garantir o lucro da festa. Me poupem!
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