segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A DEUSA

João Eichbaum

Dizem que a natureza é sábia. Sábia, coisa nenhuma. Ela é louca, sujeita a surtos que vão da ternura - como a gestação de uma flor - a tsunamis assassinos, que dilaceram o que lhes vai pelo caminho, e matam indiscriminadamente.

Mais: a natureza, com suas loucuras e ternuras, não faz distinção entre pobres e ricos. E não respeita direitos humanos. Para ela, tudo o que se move, pulando, se arrastando, voando, nadando, andando em cima de duas ou de quatro patas, é igual.

Ah, sim. E, como todos os deuses inventados pelos homens, a natureza é vingativa. O furacão devastador, que deixou a população de Porto Alegre de cabelos em pé, na sexta-feira passada, foi um desses surtos de vingança. Nesse, ela mostrou que não respeita direitos humanos e que trata todo mundo igual.

O homem, que foi feito para viver em cavernas, como muitos outros animais, quis ser diferente. Inventou cidades, edifícios, asfalto, ar condicionado e um monte de outras coisas, com a pretensão de se sobrepor à natureza. Para isso, roubou o espaço dela, impediu o crescimento de árvores, poluiu o ar, acinzentou a cor do céu, sufocou-se a si próprio.

Em Porto Alegre, além da força vingativa, a natureza mostrou seu senso de equidade. Enquanto pobres se divertiam, ensaiando carnaval na rua, ricos se encastelavam em suas coberturas, debaixo do ar condicionado. O tsunami com asas não poupou a ninguém: fez pobres correrem sem rumo, e deixou ricos, sem luz, trancados entre quatro paredes, nas alturas.

Atingida pela fúria luminosa de um raio, uma cobertura pegou fogo.  Presos em sua gaiola de ouro, o dono, sua filha com piercing no nariz, e seu cachorrinho, foram salvos por um pobre. Um bombeiro, mal pago pelo Sartori, morador de aluguel ou dono dum arremedo de casa, num fim de mundo qualquer, foi o personagem usado pela natureza, para dar uma lição de moral nos homens.


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