A DEUSA
João Eichbaum
Dizem que a natureza é sábia. Sábia, coisa nenhuma.
Ela é louca, sujeita a surtos que vão da ternura - como a gestação de uma flor
- a tsunamis assassinos, que dilaceram o que lhes vai pelo caminho, e matam
indiscriminadamente.
Mais: a natureza, com suas loucuras e ternuras, não
faz distinção entre pobres e ricos. E não respeita direitos humanos. Para ela,
tudo o que se move, pulando, se arrastando, voando, nadando, andando em cima de
duas ou de quatro patas, é igual.
Ah, sim. E, como todos os deuses inventados pelos
homens, a natureza é vingativa. O furacão devastador, que deixou a população de
Porto Alegre de cabelos em pé, na sexta-feira passada, foi um desses surtos de
vingança. Nesse, ela mostrou que não respeita direitos humanos e que trata todo
mundo igual.
O homem, que foi feito para viver em cavernas, como
muitos outros animais, quis ser diferente. Inventou cidades, edifícios,
asfalto, ar condicionado e um monte de outras coisas, com a pretensão de se
sobrepor à natureza. Para isso, roubou o espaço dela, impediu o crescimento de
árvores, poluiu o ar, acinzentou a cor do céu, sufocou-se a si próprio.
Em Porto Alegre, além da força vingativa, a natureza
mostrou seu senso de equidade. Enquanto pobres se divertiam, ensaiando carnaval
na rua, ricos se encastelavam em suas coberturas, debaixo do ar condicionado. O
tsunami com asas não poupou a ninguém: fez pobres correrem sem rumo, e deixou
ricos, sem luz, trancados entre quatro paredes, nas alturas.
Atingida pela fúria luminosa de um raio, uma cobertura
pegou fogo. Presos em sua gaiola de
ouro, o dono, sua filha com piercing no nariz, e seu cachorrinho, foram salvos
por um pobre. Um bombeiro, mal pago pelo Sartori, morador de aluguel ou dono
dum arremedo de casa, num fim de mundo qualquer, foi o personagem usado pela
natureza, para dar uma lição de moral nos homens.
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