quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A PASSARELA E O TATAME

João Eichbaum

Os cremes e as pomadas, a noite e a luminosidade cambiante, provocada pelo jogo de luzes à distância, tornam as pernas da mulher - de qualquer mulher - uma das sete maravilhas do mundo, e seus cabelos loiros, esvoaçantes, fazem dela uma deusa parida por estrelas.

Colocada num cenário desses, uma modelo com muitas horas de voo e já aposentada das passarelas, pode enganar perfeitamente a quem está mais propenso à superficialidade do que ao conteúdo, mais dominado pela ilusão do que pela realidade.

O mesmo brilho, o mesmo encanto, a mesma ilusão de beleza não tem uma negrinha pobre, criada na Cidade de Deus no Rio de Janeiro: para quem não nasce belo, nem em berço de ouro, a vida é um tatame, um lugar de luta, e não uma passarela de exibição de privilégios, que a natureza fornece de graça.

A modelo, que só comeu alface e só bebeu água para ter um corpo à altura da ganância das multinacionais da propaganda, mesmo que esteja longe de ser a mulher mais bela do mundo, só deixa babando na gravata a quem não tem a mais puta ideia do que seja a dureza da vida para conquistar alguma coisa. Mas, não engana a quem cultiva os verdadeiros valores.

Rafaela da Silva, medalha de ouro nas Olimpíadas, além de não ter sobrenome estrangeiro, não tem encanto nas pernas, no corpo e no cabelo pixaim. Seu valor provém dela mesma e não do jogo de luzes, nem de fotos retocadas com arte e química, que enchem de fantasia a cabeça dos machos.

Rafaela não foi contemplada pela sorte, nem firmou contratos de alcova. Nunca teve dinheiro para comprar ouro. Mas teve garra e disciplina para vencer a natureza e os mal feitos da sorte. Não foi chutando bola, nem desfilando em passarelas, arrastada pela fama, que mostrou a que veio: conquistou o ouro literalmente na luta, no tatame, com seu próprio valor.





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