A PASSARELA E O TATAME
João Eichbaum
Os cremes e as pomadas, a noite e a luminosidade cambiante,
provocada pelo jogo de luzes à distância, tornam as pernas da mulher - de
qualquer mulher - uma das sete maravilhas do mundo, e seus cabelos loiros, esvoaçantes,
fazem dela uma deusa parida por estrelas.
Colocada num cenário desses, uma modelo com muitas horas de voo e
já aposentada das passarelas, pode enganar perfeitamente a quem está mais
propenso à superficialidade do que ao conteúdo, mais dominado pela ilusão do
que pela realidade.
O mesmo brilho, o mesmo encanto, a mesma ilusão de beleza não tem
uma negrinha pobre, criada na Cidade de Deus no Rio de Janeiro: para quem não
nasce belo, nem em berço de ouro, a vida é um tatame, um lugar de luta, e não
uma passarela de exibição de privilégios, que a natureza fornece de graça.
A modelo, que só comeu alface e só bebeu água para ter um corpo à
altura da ganância das multinacionais da propaganda, mesmo que esteja longe de
ser a mulher mais bela do mundo, só deixa babando na gravata a quem não tem a
mais puta ideia do que seja a dureza da vida para conquistar alguma coisa. Mas,
não engana a quem cultiva os verdadeiros valores.
Rafaela da Silva, medalha de ouro nas Olimpíadas, além de não ter
sobrenome estrangeiro, não tem encanto nas pernas, no corpo e no cabelo pixaim.
Seu valor provém dela mesma e não do jogo de luzes, nem de fotos retocadas com
arte e química, que enchem de fantasia a cabeça dos machos.
Rafaela não foi contemplada pela sorte, nem firmou contratos de
alcova. Nunca teve dinheiro para comprar ouro. Mas teve garra e disciplina para
vencer a natureza e os mal feitos da sorte. Não foi chutando bola, nem desfilando
em passarelas, arrastada pela fama, que mostrou a que veio: conquistou o ouro
literalmente na luta, no tatame, com seu próprio valor.
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