terça-feira, 23 de agosto de 2016

O MENINO SÍRIO, JESUS, E O ATLETA BRASILEIRO

João Eichbaum

Lá estava o menino sírio, com o rosto ensopado de pó e sangue, e os olhos, sem lágrimas, petrificados por uma inacreditável indiferença ao que lhe acontecia em derredor. Pouco antes, tinha sido retirado do meio dos escombros a que a guerra havia reduzido sua casa.

Vítima do ódio, o pobre menino lembra as inocentes pombas que, segundo a mitologia judaica, eram sacrificadas para aplacar a ira de Javé. A foto que o mostrou para o mundo revela, mais do que uma criança em estado de choque, os passos retrógrados do homem na direção da animalidade.

No outro lado do mundo, um país com a economia arrasada pelo poder pervertido, e dominado pela violência e pela mortandade sem guerra, festejava, como heróis, atletas que conquistavam vitórias e levavam medalha de ouro pendurada no pescoço, por saberem nadar, derrubar adversários, correr, chutar bola, remar e dar saltos mortais.

Um desses heróis, ao entrar em campo para disputar ouro em partida de futebol, trazia em volta da cabeça uma faixa com os seguintes dizeres: “100% Jesus”. Esse herói, depois de fazer um gol, bateu os punhos cerrados contra o peito, exclamando, com os olhos chispados de raiva pelas críticas recebidas: “eu estou aqui”.  E agradeceu aos céus, quando acertou um pênalti.

Onde estaria o Jesus, por quem se vangloria o atleta brasileiro, quando uma bomba atingiu a casa do menino sírio e o cobriu de pó e sangue? Estaria tão preocupado em recompensar a doentia vaidade do enraivecido atleta e embriagar de felicidade o povo brasileiro com o ouro cujo brilho só veria pela TV?

Não só desses fatos isolados, mas do cotidiano das pessoas, do “graças a Deus” ou do “se Deus quiser”, se extrai a ideia de que cada um tem a proteção, a graça e as bênçãos exclusivas das divindades a quem presta homenagens, paga dízimos e rende cultos.


Poucos, muito poucos, só aqueles que não têm a racionalidade emaranhada nos fios da superstição sabem que os deuses estão fora dessas, tanto das alegrias, como das desgraças. A foto do menino sírio, melhor do que qualquer catecismo, ensina isso. Ou, se assim não for, será inevitável admitir a conivência dos deuses para com a maldade dos homens.

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