QUANDO O SABER
PERDE O LUGAR
João Eichbaum
Sabe aquele
provérbio “o saber não ocupa lugar”? Já era. Está fora de seu tempo. O saber
tem que ocupar lugar, sim, no cérebro. Se isso não acontecer, poderão ocupá-lo
os detritos ejetados pelos órgãos do andar de baixo.
Olha o caso do
doutor Temer. Em entrevista de corpo presente para uma emissora de TV, na
semana passada, perguntado sobre uma possível prisão do ex-metalúrgico Lula, o
doutor destravou a língua, com os seguintes dizeres: “ a prisão do Lula eu acho
que causa problemas para o país. Porque haverá movimentos sociais, e isso pode
criar uma instabilidade. ”
Se isso fosse
dito por um motorista de táxi, pertencente à classe mais opinativa sobre
política que existe no país, ou pelo barbeiro do juiz Sérgio Moro, exatamente
no momento em que raspava com a navalha alguns pelos no pescoço do meritíssimo,
tudo bem.
Mas dita por um
doutor e professor de Direito Constitucional, no exercício da Presidência da
República, que até livros sobre Direito Constitucional já escreveu, a frase
autoriza a conclusão de que a política ocupou, no cérebro do doutor Temer, o
espaço antes destinado a seus saberes jurídicos.
O princípio da
“independência e harmonia dos poderes” está escrito, no art. 2º da Constituição
Federal. O Chefe do Poder Executivo não está autorizado a dar pitacos, e muito
menos sugestões, sobre decisões do Poder Judiciário. Perguntado sobre uma
possível prisão do Lula, deveria o presidente invocar a norma que garante a independência
do Judiciário.
Mas, parece que
também foge do conhecimento do doutor Temer o art. 142 da Constituição Federal.
Esse dispositivo, que não tem vários prismas, nem muitos lados, estabelece que
as Forças Armadas se destinam “à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem”.
Em
outras palavras: cumpre às Forças Armadas garantir o exercício das atividades
de qualquer dos três Poderes. Portanto, se uma decisão do Judiciário (prisão do
Lula, por exemplo) der margem à desordem ou ao desrespeito à lei, provocando a
“instabilidade” do sistema, Exército Marinha e Aeronáutica poderão ser chamados
a intervir.
Nem
na metafísica de bar, desatada depois do décimo chope, alguém seria capaz de
dizer, com espuma no bigode, que a democracia e o pleno exercício dos poderes
constitucionais dependem da afinação, em dó menor, do coro dos descontentes e
da permissão dos anarquistas profissionais, dos politicamente descornados, dos
desocupados e dos cafetões da desordem, que atendem pelo apelido de “movimentos
sociais”.
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