sexta-feira, 18 de novembro de 2016

QUANDO O SABER PERDE O LUGAR

João Eichbaum

Sabe aquele provérbio “o saber não ocupa lugar”? Já era. Está fora de seu tempo. O saber tem que ocupar lugar, sim, no cérebro. Se isso não acontecer, poderão ocupá-lo os detritos ejetados pelos órgãos do andar de baixo.

Olha o caso do doutor Temer. Em entrevista de corpo presente para uma emissora de TV, na semana passada, perguntado sobre uma possível prisão do ex-metalúrgico Lula, o doutor destravou a língua, com os seguintes dizeres: “ a prisão do Lula eu acho que causa problemas para o país. Porque haverá movimentos sociais, e isso pode criar uma instabilidade. ”

Se isso fosse dito por um motorista de táxi, pertencente à classe mais opinativa sobre política que existe no país, ou pelo barbeiro do juiz Sérgio Moro, exatamente no momento em que raspava com a navalha alguns pelos no pescoço do meritíssimo, tudo bem.

Mas dita por um doutor e professor de Direito Constitucional, no exercício da Presidência da República, que até livros sobre Direito Constitucional já escreveu, a frase autoriza a conclusão de que a política ocupou, no cérebro do doutor Temer, o espaço antes destinado a seus saberes jurídicos.

O princípio da “independência e harmonia dos poderes” está escrito, no art. 2º da Constituição Federal. O Chefe do Poder Executivo não está autorizado a dar pitacos, e muito menos sugestões, sobre decisões do Poder Judiciário. Perguntado sobre uma possível prisão do Lula, deveria o presidente invocar a norma que garante a independência do Judiciário.

Mas, parece que também foge do conhecimento do doutor Temer o art. 142 da Constituição Federal. Esse dispositivo, que não tem vários prismas, nem muitos lados, estabelece que as Forças Armadas se destinam “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Em outras palavras: cumpre às Forças Armadas garantir o exercício das atividades de qualquer dos três Poderes. Portanto, se uma decisão do Judiciário (prisão do Lula, por exemplo) der margem à desordem ou ao desrespeito à lei, provocando a “instabilidade” do sistema, Exército Marinha e Aeronáutica poderão ser chamados a intervir.

Nem na metafísica de bar, desatada depois do décimo chope, alguém seria capaz de dizer, com espuma no bigode, que a democracia e o pleno exercício dos poderes constitucionais dependem da afinação, em dó menor, do coro dos descontentes e da permissão dos anarquistas profissionais, dos politicamente descornados, dos desocupados e dos cafetões da desordem, que atendem pelo apelido de “movimentos sociais”.



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