TRIBUTO À INCOMPETÊNCIA
João Eichbaum
Os problemas que se atravessaram na
realização do Enem não representam senão a síntese da incompetência e de outras
indecências da administração pública, alimentadas desde o tempo em que as
margens do Ipiranga eram plácidas.
Vamos por partes. A distribuição dos
locais para a realização dos exames é a mais burra, a mais irracional que se
possa imaginar. Os candidatos são agrupados segundo a ordem alfabética. Nas
grandes cidades, isso representa um transtorno para as famílias.
Separados do local da prova por distâncias
consideráveis, os candidatos mais pobres, que dependem do deficiente transporte
público, necessitam, muitas vezes, de um tempo quadruplicado, em relação aos
demais, para cumprir a exigência da pontualidade. Muito mais fácil e menos traumatizante
para eles seria a utilização do CEP, ao invés da ordem alfabética. Assim,
seriam agrupados, a partir de suas residências, nas escolas mais próximas. Mas,
só a burrice explica a insensatez.
Se esse dado antigo nunca foi resolvido,
imaginem-se os imprevistos, como a criminosa invasão das escolas, ocorrida
poucas semanas antes da realização dos exames. Para alegria dos prosélitos do
rebuliço institucional, da violência, do caos e da desordem, autoridade nenhuma
tomou providência. O patrimônio público foi entregue aos vândalos, negando-se,
aos bem-intencionados, o direito à educação.
Nem o assassinato de um adolescente,
dentro dum desses antros em que se transformaram as escolas sob o domínio de
energúmenos, conseguiu tirar do marasmo a administração pública. A partir
disso, aconteceram tumultos piores que briga de cachorros, sem tréguas: alunos
e pais brigando contra alunos e pais, medidas de coação medievais autorizadas
pelo Judiciário, depredações e recrudescimento da intolerância e do ódio.
E para culminar, chamado a botar ordem
nas coisas, para que os inocentes não pagassem pelos energúmenos, e sobretudo para
fazer prevalecer o princípio constitucional da isonomia, o Judiciário se
desquitou do problema, com um esquálido conceito de isonomia relativa: negou o pedido
de suspensão da realização do Enem, formulado pelo Ministério Público. Assim, esfacelou
a confiança nas instituições e incrementou a certeza de que pagamos impostos para
nos submeter à incompetência desses que dispõem sobre a sorte da pátria e do
povo.
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