sexta-feira, 11 de novembro de 2016

TRIBUTO À INCOMPETÊNCIA
João Eichbaum
“O dono correu atrás de sua branquinha, agarrou-a, lhe examinou os olhos...Estavam direitinhos, graças a Deus, e muito pretos...Soltou-a no terreiro e lhe atirou mais milho. A galinha continuou a bicar o chão desorientada. Atirou ainda mais, com paciência, até que ela se fartasse. Mas, não conseguiu com o gasto do milho, de que as outras se aproveitaram, atinar com a origem daquela desorientação...”
 Assim inicia o texto “Galinha Cega” destinado à interpretação, no exame do Enem. Um texto pobre, coleante, ambíguo, que já na primeira linha espanta qualquer leitor interessado em literatura. Nem como literatura infantil ele serve porque, nos dias de hoje, as crianças estão mais interessadas em joguinhos do celular do que em historinhas idiotas de galinhas cegas.
Do ponto de vista gramatical jamais poderia se prestar como modelo de redação: “agarrou-a, lhe examinou os olhos”. O emprego da próclise, na segunda oração, não diz a que veio. Nenhuma regra gramatical o autoriza. Além disso, engasga a frase, rouba-lhe a harmonia, ao se contrapor à ênclise, corretamente empregada, na primeira oração.
“Estavam direitinhos”. O vocábulo “direitinhos”, se referindo ao modo como estavam os olhos da galinha, é um adjetivo com função adverbial, porque modifica o verbo (estavam). Não poderia ser empregado no plural, porque o advérbio é invariável. “Soltou no terreiro e lhe atirou mais milho”. Ora, ora, porque o “dono”, ao invés de atirar milho para a galinha, o atirou “na galinha”?
 Esses são apenas alguns dos defeitos do texto, que oferecem flanco para uma análise. Outros, como a frase “mas, não conseguiu com o gasto do milho, de que as outras se aproveitaram, atinar com a origem daquela desorientação”, onde o objeto está separado do verbo por uma oração, nem merecem qualquer comentário, porque agridem os olhos e o bom ouvido do leitor.
Ora, se os examinadores escolheram, como texto para interpretação, um excerto deturpado pela pobreza de gramática, de estilo e de vocabulário, que se presta mais como escória do que como paradigma de redação, é porque eles, os examinadores, estão contaminados por essa baixa qualificação.
Perdidos, engasgados pela ambiguidade, que os impede de formular com clareza uma questão, perguntam, ao estilo de papagaios falantes que só sabem enfileirar palavras, se “o narrador explora um recurso que conduz a uma expressividade fundamentada... na fragmentação do conflito gerador, distendido como apoio à emotividade”.
Querem mais ou basta isso, para que se desça ao nível de cultura dos examinadores? E outra pergunta, que não pode ficar presa na garganta de quem conhece o vernáculo: o quê, ou quanto, alguém está ganhando para maltratar o nosso idioma, ao cavoucar, no lixo da literatura, textos que certamente reprovariam seu autor em concurso de redação?


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