terça-feira, 14 de março de 2017

TEMER E AS MULHERES

João Eichbaum

Não que seja difícil encontrar, nesse formigueiro humano do mundo, uma mulher “bela, recatada e do lar”. O difícil é partir desse modelo de fêmea e ter que fazer um panegírico sobre as todas mulheres, num país saturado de diferenças sociais.

Não se sabe se a Marcela Temer cozinha, lava as cuecas do marido e as estende no varal, ao lado das próprias calcinhas, como fazem muitas mulheres. Também se ignora se ela vai ao supermercado e fica lá, analisando preços e fazendo contas, para ver se o produto cabe no orçamento da família.

Mas, não há dúvida de que o Temer fez um discurso a partir daquilo que ele considera o ideal na mulher: recatada e do lar, cuidando dos filhos e das contas, para que essas não excedam o orçamento. Se a Marcela, mulher dele, se encaixa nesse figurino, ninguém sabe. Mas, que o discurso dele nada tem a ver com ideias feministas que tomaram conta do mundo, é uma constatação real.

As mulheres querem ser iguais aos homens: ter as mesmas oportunidades, os mesmos empregos, ganhar salários iguais. Isso de lar, de educação de filhos, é outra conversa. Maternidade inalienável é coisa do passado. Hoje, o foco é a igualdade: mano a mano.

Hoje, o macho tem que mudar fralda de bebê, cozinhar, lavar, enxaguar e secar louça, limpar a cozinha, cuidar das próprias cuecas e levar o cachorrinho a passear. A mulher tem o direito de, enquanto isso, tratar da própria vida, se lançar no mercado do trabalho com as próprias forças e concorrer, de igual para igual, com o macho, deixando para quando der no jeito os passatempos do amor caseiro.

Ao tratar de coisas comezinhas, desafinando do discurso que prega mudanças na posição social da mulher, Temer atraiu iradas e irônicas manifestações contrárias, ecos de vozes ofendidas e ressentidas, como se vivêssemos num país com paradigmas definidos para o papel da mulher e plenas condições de igualdade para a ascensão social de qualquer cidadão.

Temer mostrou que está em outro espaço, fora desse tempo em que a desagregação da família se tornou fato corriqueiro, fora desse tempo em que dois machos que dividem o mesmo leito podem ser, ao mesmo tempo, pai e mãe de uma menina, e duas mulheres, em idênticas condições, podem ser pai e mãe de um menino.

A reforma feita pelo Supremo Tribunal Federal, não só no artigo 226, § 3º da Constituição, como nas regras da natureza, eliminando as diferenças entre macho e fêmea e permitindo o acasalamento de animais humanos do mesmo sexo, não deixou margem para qualquer linha divisória entre os papéis do homem e da mulher.

Temer devia saber disso. Ao botar como figura central do seu discurso a ideia bolorenta de uma mulher trancada em casa, cuidando dos filhos, se deu mal. Além de ignorar as mudanças constitucionais, ele mostrou que nada sabe sobre falta de vaga em berçários e creches, onde as “tias” se encarregam de dar cobertura à independência das mulheres, cumprindo o papel de mães de aluguel.




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