SOUS
LE CIEL DE PARIS
João Eichbaum
Com uma canetada, ops, com uma “assinatura
digital”, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, diretamente de Paris,
comovida pelo argumento de que se tratava da mãe de um menino de 11anos, mandou
tirar da cadeia a Adriana Ancelmo.
Sim, a ministra estava sob o céu de Paris, em
“missão de cooperação internacional”, segundo a assessoria do STJ. E de lá
despachou “habeas corpus”, mandando a Adriana para casa. Pode? Claro, tudo a
ver. Na capital mais chique do mundo, como é que uma mulher rica, chique,
bonita e com todos os dentes, não iria conseguir “habeas corpus”?
Dona
Maria Thereza, ao que parece, não tinha a Constituição na mão, para ler o art.
105, inc. I, letra “c’, que atribui ao STJ o julgamento de “habeas corpus”,
quando o coator “for tribunal” sujeito à sua jurisdição. E a decisão tinha sido
de um desembargador e não de um Tribunal.
Ela não tinha a Súmula 691 do STF, que recusa
HC contra decisão liminar de relator. Também não dispunha das decisões do
próprio Superior Tribunal de Justiça, no qual angariou o cargo de ministra pela
mão do Lula. Essas decisões, todo o mundo jurídico sabe, consolidaram a tese de
que somente em casos de ilegalidade flagrante e de teratologia jurídica, se
permite “habeas corpus”, independentemente da competência.
Por fim ela não tinha à mão o Código de
Processo Penal, em cujo art.318 se lê: “poderá o juiz substituir a prisão
preventiva pela domiciliar quando o agente for ...mulher com filho de até 12
(doze) anos de idade incompletos”. “Poderá o juiz”. Isso significa que a prisão
domiciliar é medida facultativa e não obrigatória. Ou seja, se o juiz negar
essa regalia, ele não comete ilegalidade alguma. E se no ato dele não há
ilegalidade, o tema é para recurso e não para “habeas corpus”. Principalmente
em medida liminar – apelido processual que se empresta à decisão nas coxas.
Pelo visto, o deslumbre sob o céu de Paris
também provoca esquecimento de princípios gerais do Direito. O servidor público
federal, lotado no país, tem como limite de suas funções o território nacional.
Se não estiver em férias, necessita de licença para se ausentar do país, já que,
fora do território nacional não poderá exercer suas funções. A imoralidade do
afastamento “sem prejuízo dos vencimentos” não suprime a necessidade de
licença.
Ora, se o Presidente do Brasil, para se
ausentar, necessita de licença e será substituído em suas funções, em nome de
que direito um juiz continua juiz, no outro lado do Atlântico? Das duas, uma:
ou a ministra estava em licença e, portanto, sem jurisdição, ou a tal de
“missão de cooperação internacional”, sem licença, fica despida da moralidade
exigida no art. 37 da Constituição. E o ato administrativo que não é moral,
imoral é.
Enfim, sob o céu de Paris, onde a felicidade
se constrói, onde tudo se arranja (sous le ciel de Paris, où le bonheur se
construit, où tout peut s’arranger), Sua Excelência não precisou se debater nas
trevas da incerteza para beneficiar uma mulher rica. Muito longe de seus olhos
estavam as mulheres pobres do Brasil, que amamentam os filhos através das
portas gradeadas do cárcere.
Ou lhe passaram lições de Direito
distorcidas, dessas que permitem maus pensamentos, tipo ricos têm direitos e
privilégios de nascença ou, diante da Constituição Federal, os estragos da vida
não são iguais para pobres e ricos, porque a lei caminha só para um lado.
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