O PORÃO
João Eichbaum
O porão gaúcho serve
para estocar queijo e vinho, pendurar linguiça, salame, presunto e copa,
refrescar a cachaça e ouvir a chaleira chiar em cima do fogão a lenha. Nada
parecido com aqueles porões cujo escurinho é usado para conversas às
escondidas, escândalos e sacanagens, ou por onde se esgueiram ratos, baratas
zanzam e centopeias rastejam.
Os porões em
Brasília certamente não foram construídos para os mesmos fins a que se prestam os
da colônia gaúcha. Lá não há frio, nem umidade. A letargia provocada pelo calor
e pelo ar seco, que sufocam a capital federal, não pede o aconchego dos
costumes gaúchos: chimarrão, queijo, vinho, salame, o pinhão estalando na chapa
do fogão, e o papo rolando.
Então, se não servem
como aconchego, nem para aquele bate-papo descontraído que enriquece a
convivência em torno da mesa gaúcha, os porões de Brasília não são lugares
recomendáveis para receber visitas. Salvo visitas secretas, que não possam ser
testemunhadas, visitas suspeitas, que entram e saem se esqueirando, como os
ratos nos porões sujos.
Pois foi no porão do
palácio Jaburu que o senhor Temer se encontrou com o ex-açougueiro Joesley
Batista. De certo, não é um porão onde se escondem bichinhos peçonhentos. Mas é
um porão que pode muito bem acolher a peçonha de humanos sem escrúpulos, para
desembaraçar pendências em malfeitos combinados.
Só mesmo num porão
de Brasília, um corruptor alardearia suas façanhas, se gabando de que
conseguira segurar dois juízes para evitar a denúncia do Ministério Público e
de ter sob seu domínio um procurador que o informava de tudo. E lá ouviria do
Presidente da República um abrasivo aplauso por esse crime: ótimo, ótimo.
No cenário que escolheu
para se encontrar com um corruptor, onde desempenhou o papel de presidente
escondido, Temer comprometeu não só sua pessoa, mas a dignidade do cargo:
tratou de assuntos que eram comuns a ambos mas, senão deletérios, de total
impertinência para os destinos da pátria.
Servindo de sinal para romper com os
princípios assinalados no art. 37 da Constituição Federal, a conversa cheia de
reticências e subentendidos, entre o doutor, professor de Direito
Constitucional, e um semianalfabeto aproveitador dos dinheiros públicos, não
permite que Michel Temer permaneça à testa do Executivo.
Agora todo mundo
sabe. Descendo ao nível de seu ladino interlocutor, o presidente, sem querer, acabou por revelar a
odiosa verdade, de que se desconfiava há muito tempo: das transas, no escurinho
dos porões da República, nasce a miséria do Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário