sexta-feira, 26 de maio de 2017

O PORÃO
João Eichbaum

O porão gaúcho serve para estocar queijo e vinho, pendurar linguiça, salame, presunto e copa, refrescar a cachaça e ouvir a chaleira chiar em cima do fogão a lenha. Nada parecido com aqueles porões cujo escurinho é usado para conversas às escondidas, escândalos e sacanagens, ou por onde se esgueiram ratos, baratas zanzam e centopeias rastejam.

Os porões em Brasília certamente não foram construídos para os mesmos fins a que se prestam os da colônia gaúcha. Lá não há frio, nem umidade. A letargia provocada pelo calor e pelo ar seco, que sufocam a capital federal, não pede o aconchego dos costumes gaúchos: chimarrão, queijo, vinho, salame, o pinhão estalando na chapa do fogão, e o papo rolando.

Então, se não servem como aconchego, nem para aquele bate-papo descontraído que enriquece a convivência em torno da mesa gaúcha, os porões de Brasília não são lugares recomendáveis para receber visitas. Salvo visitas secretas, que não possam ser testemunhadas, visitas suspeitas, que entram e saem se esqueirando, como os ratos nos porões sujos.  

Pois foi no porão do palácio Jaburu que o senhor Temer se encontrou com o ex-açougueiro Joesley Batista. De certo, não é um porão onde se escondem bichinhos peçonhentos. Mas é um porão que pode muito bem acolher a peçonha de humanos sem escrúpulos, para desembaraçar pendências em malfeitos combinados.

Só mesmo num porão de Brasília, um corruptor alardearia suas façanhas, se gabando de que conseguira segurar dois juízes para evitar a denúncia do Ministério Público e de ter sob seu domínio um procurador que o informava de tudo. E lá ouviria do Presidente da República um abrasivo aplauso por esse crime: ótimo, ótimo.

No cenário que escolheu para se encontrar com um corruptor, onde desempenhou o papel de presidente escondido, Temer comprometeu não só sua pessoa, mas a dignidade do cargo: tratou de assuntos que eram comuns a ambos mas, senão deletérios, de total impertinência para os destinos da pátria.

 Servindo de sinal para romper com os princípios assinalados no art. 37 da Constituição Federal, a conversa cheia de reticências e subentendidos, entre o doutor, professor de Direito Constitucional, e um semianalfabeto aproveitador dos dinheiros públicos, não permite que Michel Temer permaneça à testa do Executivo.


Agora todo mundo sabe. Descendo ao nível de seu ladino interlocutor, o presidente, sem querer, acabou por  revelar a odiosa verdade, de que se desconfiava há muito tempo: das transas, no escurinho dos porões da República, nasce a miséria do Brasil.

Nenhum comentário: