OS FAVORES DA LEI
João Eichbaum
A gente tenta fazer poesia, mas não consegue. Nessa
turbulência institucional por que passa o país, com reflexos em cada um de nós,
não há romantismo que resista. Nossos sonhos não encontram saída. É impossível
encontrar rimas. Por exemplo, justiça não rima com corrupção, sabedoria não
rima com petulância, inteligência não rima com imoralidade.
O Supremo Tribunal Federal, que deveria ser o guardião de
todas as instituições, a sombra tutelar da justiça, é, no momento, quem mais
alimenta a crise. Ao invés de transmitir confiança, que é alma do organismo
social, ele desvia as esperanças do povo para o caminho do descontentamento, da
revolta, da convulsão, da generalizada ideia de que o Judiciário não presta.
Nos bastidores secretos do Poder Legislativo foi construída
uma forma de alimentar o crime, a Lei 12.403/11. Temos agora um Código de
Processo Penal alheio à realidade brasileira e surdo aos clamores do povo,
atormentado pelo delírio sem remédio da insegurança. Contemplado com os favores dessa nova
lei, José Dirceu obteve “habeas corpus” no STF, para sair da prisão.
Essa decisão, que desatou a ira popular, porém, não se deve exclusivamente
a Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes. A culpa maior recai sobre o Tribunal
Federal da quarta região, sediado – sabem onde? – em Porto Alegre. Condenado,
Dirceu recorreu, mas seu recurso ainda não foi julgado pelo referido tribunal.
Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal não tem virtudes que
lhe autorizem a posar de vestal. Gilmar Mendes afrontou o art. 35 da Lei
Orgânica da Magistratura Nacional, ao se referir com menoscabo à propositura de
nova ação penal contra José Dirceu, tachando de “brincadeira juvenil”, a
atitude dos procuradores da República. Além disso, estufou o peito, para dizer
que o Supremo estava dando uma “lição ao Brasil”.
Solto, pelos mesmo motivos que sustentaram o “habeas corpus”
deferido a José Dirceu, o goleiro Bruno voltou para a prisão, dias atrás: dois
pesos e duas medidas. Sendo assim, pode-se, verdadeiramente, confiar na justiça
brasileira?
Quantos, como José Dirceu e Bruno, estão na mesma situação? Por
que tratar a maioria esmagadora como joguetes de um destino indecifrável e a
uns poucos como prediletos da lei? Por que fechar os olhos diante da miséria
humana dos cárceres do país, justamente na hora de libertar um homem que, para
o povo, representa um sistema político repudiado?
Não nos venha Gilmar Mendes, com petulância, proclamar que
seu voto foi “histórico”. Foi histórico, sim, mas no pior sentido. No sentido
de revelar que o Supremo Tribunal Federal não cumpre o mínimo de sua missão,
que é resguardar a Constituição Federal. Não é lá que está escrito que “todos
são iguais perante a lei”?
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