PROMISCUIDADE
João Eichbaum
Foi um silêncio encharcado de cumplicidade que
tirou Michel Temer de seu falso estado de graça, e não o que a Globo espalhou,
na primeira hora. Nasceu de um açodamento irresponsável a notícia de que ele
havia avalizado a compra do silêncio de Eduardo Cunha.
Joesley, o açougueiro que não concluiu o ensino
médio, nunca leu um livro e outra coisa não aprendeu na vida a não ser cortar e
vender carne, acabou se doutorando em corrupção. Para isso lhe bastam seu
vocabulário pobre e sua incapacidade de exprimir um pensamento.
“Isso. O negócio dos vazamentos. O telefone lá do
Eduardo com o com Geddel, volta e meia citava alguma coisa meio tangenciando a
nós e não sei o quê, e eu tô lá me defendendo. Como é que eu… o que eu mais ou
menos dei conta de fazer até agora? Eu tô de bem com o Eduardo”. A esse
hieróglifo verbal seguiu-se a frase de Michel Temer: “tem que manter isso,
viu?”
Ora, só alguém menos alfabetizado do que Joesley
será capaz de interpretar isso como “aval de Temer à compra do silêncio de
Eduardo Cunha”. Mas foi daí, dessa coisa, que a Globo extraiu o escândalo que
petrificou o país, deu um golpe na economia e passou a impressão de que um
analfabeto pode ter mais poder de destruição do que um monte de doutores reunidos.
Não. A verdade está mais em baixo. “Todo mês,
também, e tô segurando as pontas, tô indo. Nesses processos eu tô meio enrolado
aqui, né, no processo assim…”- disse Joesley. E Temer: “Você está sendo
investigado”.
Prosseguiu o açougueiro: “Isso, é, investigado, eu
não tenho ainda denúncia. Aqui eu dei conta de um lado do juiz, dá uma
segurada, do outro lado o juiz substituto, que é um cara que fica…” Temer
pergunta: “Está segurando os dois”? Resposta do Joesley: “to”. E aí Temer dá a
primeira escorregada na direção do crime, incentivando o criminoso: “ótimo,
ótimo”.
Foi o que bastou, para gabar-se o açougueiro:
“Segurando os dois. E eu consegui um procurador, dentro da força tarefa, que
está também me dando informação, e eu lá que eu tô pra dar conta de trocar o
procurador que está atrás de mim.”
A partir daí, o silêncio permissivo e os
monossílabos ambíguos do Temer construíram sua desgraça. A confissão de
corrupção de juízes e procuradores da República não abalou o presidente, que
jurou defender a Constituição e devia conhecer o Código de Processo Penal. Nem
um pio de reprovação saiu da boca do Temer.
Quem com farelo se mistura, porcos o comem – diz um
velho provérbio. Joesley é figura conhecidíssima do Lula, da Dilma, do Aécio e
de todos os que fazem da política um meio de enriquecer. Sua intimidade com o
poder foi o que lhe permitiu chegar na residência oficial do presidente em
exercício, como quem chega na casa de um compadre. A pergunta que fica no ar:
terá sido essa mesma intimidade que lhe permitiu deixar o país impunemente? Tem
Joesley condições morais para receber “perdão da Justiça”, nos termos do art.
4º, § 1º da Lei 12.850/13?
Nenhum comentário:
Postar um comentário