segunda-feira, 25 de junho de 2018

É TUDO CULPA DA EVA – CRÔNICA DE MARILÉIA SELL
Mariléia Sell
Que Eva é a responsável pela expulsão da humanidade do paraíso não é novidade para ninguém. O que passa batido, porém, é que sua insubordinação continua causando inconvenientes até os dias de hoje. Por causa dela precisei fazer um curso de batismo na última sexta-feira. Isso porque a desobediência de Eva desencadearia uma eterna relação de desconfiança de Deus para com as suas criaturas. Para não deixar Deus inseguro sobre o nosso amor, nós, os cristãos, reafirmamos, de tempos em tempos, os votos através dos sacramentos. O primeiro sacramento, o batismo, lava o pecado original, esse da maçã que Eva comeu nos jardins do Éden no início dos tempos. Depois, reafirmamos nosso amor pelo sacramento da confirmação e do crisma. Se Eva não tivesse pecado e induzido Adão a pecar também, não precisaríamos do batismo. Eu não precisaria ter feito o curso.
No curso, aprendi uma série de coisas. Conceitos fundantes da igreja foram repassados em uma hora e quinze minutos, em coloridas lâminas de power point. Na agradável apresentação, temperada com comentários bem-humorados, porque ninguém mais aguenta cursos chatos, a ministrante e seu companheiro nos relembraram das nossas obrigações cristãs. Rapidamente, repassaram o compromisso que assumiríamos perante Deus, ao batizar uma criança. Frisaram também que a mulher tem um papel determinante no seio da família cristã. Ao aprofundar-se nas atribuições, a ministrante mencionou a natural submissão da mulher ao homem. Imediatamente, um burburinho de inconformidade espalhou-se pelo salão. Mas foi só o tempo de a mulher puxar o fôlego e explicar o conceito de submissão, sempre tão mal interpretado. Certos conceitos, quando mal compreendidos, podem causar revoluções desnecessárias. É uma submissão que coloca a mulher em posição “privilegiada”, explicou. “A mulher é o grande pilar das famílias. Ela é que dá sustentação ao homem e a todos os integrantes do núcleo familiar”. A tensão se desfez. Respiramos aliviadas. Quem não gosta de desempenhar um papel privilegiado, não é mesmo? Por isso é bom fazer cursos, atualizar-se sempre.
Eva também deve ter interpretado mal o seu papel de submissão ao homem, como tão bem explica o livro do Gênesis, no capítulo 2, versículo 18. Eva veio para ser a “ajudante” de Adão. Inicialmente, Deus nem havia pensado em criar a mulher. Foi em uma revisão de sua obra que o criador perceberia que a sua criatura perfeita precisava de um “complemento”. Da costela mesmo, rapidinho, fez a mulher. Bem, mas estávamos falando da possível incompreensão de Eva sobre o seu papel. Se ela tivesse se inscrito em um curso, a humanidade, provavelmente, estaria vivendo dias melhores. Se ela tivesse perguntado a Adão ou a Deus sobre o fruto proibido, eles a teriam advertido. Ao invés de confiar em Deus e no seu marido, preferiu dar ouvidos a uma serpente desconhecida e mal-intencionada. Bastava ter feito uma consulta, porque o papel do homem é esse: fazer as leis, advertir, orientar. Por isso Deus é um homem e não uma mulher. Por isso os homens são padres e as mulheres são freiras. Elas, as freiras, têm a função privilegiada de dar suporte ao sacerdócio masculino. Isso porque eles, sabidamente, têm essa capacidade ampliada de discernimento. Eva achou que tinha discernimento também, que podia decidir por si mesma. Algumas mulheres herdaram essa mania de Eva e continuam achando isso até hoje.
Mesmo sem nunca termos cruzado com Eva, as consequências de seus atos nos afetam diretamente. A sua desobediência condenou as mulheres do mundo todo a dores de parto terríveis. Sua insubordinação condenou-nos também à dominação masculina. Mas isso ainda não é tudo. Por causa da vulnerabilidade de Eva, todos nós precisamos trabalhar. Nós mulheres, por óbvio, bem mais. Por causa de Eva levantamos em dias frios como os que correm para receber salários sempre aquém das benesses que um paraíso poderia nos proporcionar. Todos temos motivos concretos para odiar a primeira mulher do mundo, da qual viriam todas as outras.
Mariléia Sell é Professora Doutora dos Cursos de Letras e Comunicação da Unisinos

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