UMA
LEI DE CONTOS DE FADA
João
Eichbaum
Os
tiros encontraram eco no edifício ondulado da estação do trem, multiplicando os
estampidos, como se fosse uma rajada de metralhadora. Apanhadas de surpresa na
manhã ainda escura e chuvosa, as pessoas que se dirigiam para a estação, foram
tomadas de pânico. Algumas correram desesperadas, em busca de refúgio. Outras simplesmente
correram, porque viam todo mundo correndo. Um tormento invisível as dominou a
todas.
Aos
tiros, seguiu-se o silêncio que encobria a manhã. Ao pavor das pessoas
seguiu-se a curiosidade. Meu Deus, o que foi isso? O que teria provocado tal
surto de maldade àquela hora da manhã, quando grande parte da cidade ainda
dormia e os poucos que estavam na rua se dirigiam ao trabalho?
No
corredor que leva a uma das entradas da estação jazia um corpo semeado de
balas. Só com a chegada da polícia, os mais curiosos tomaram coragem para se
aproximar. Tinham sido dez tiros de pistola automática e não uma rajada de
metralhadora.
E não levou muito tempo para que corresse, de
boca em boca, a biografia da vítima: apenado do regime semiaberto, com
condenações por porte ilegal de arma, lesões corporais, roubo e tráfico de drogas.
É
assim que agem as facções criminosas, em suas funções de Estado paralelo:
traçam destinos infames, sem direito a defesa, nem a explicações. Ao passar do
regime fechado para o regime semiaberto, o condenado deixa o presídio,
carregando o peso de missões a cumprir. Se não as cumpre, o poder criminoso o
elimina.
E
isso acontece quando o Estado não consegue distinguir o direito do avesso das
leis e se entrega à preguiçosa tarefa de copiá-las de países desenvolvidos.
Então, transplantes legislativos são feitos com ignorância de idiossincrasias,
como se as leis pudessem, por si mesmas, mudar a índole de um povo e dos
Estados porosos à corrupção.
A
Lei das Execuções Penais do Brasil é uma delas. A progressão de regime, nela
prevista, não passa de um aborto legislativo. O Estado, que não educa, entrega
o condenado a um sistema que só ensina o revés da vida. Depois o retira daquela
miserável realidade e o devolve ao meio social. As leis paralelas do sistema
criminoso fazem o resto.
E isso acontece quando
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