ENSAIO
PARA O APOCALIPSE
João
Eichbaum
Foi
aquele deus-nos-acuda! Uns correram para os postos de gasolina, preocupados com
o seu status: à humilhação das 36 parcelas da compra do carro jamais juntariam
essa outra, a de andar de ônibus no meio dos pobres assumidos. Mais ainda: longe
deles a ideia de submeter suas mulheres à bolinação no trem.
Outros
preferiram a luta pela sobrevivência entre as gôndolas dos supermercados. E lá,
enquanto alguns disputavam espaços de estacionamento, outros esvaziavam as
prateleiras.
E
houve quem, enxergando a cada passo a poeira do fim do mundo, tratou de ficar
bem servido à espera do juízo final. Como aquela velhinha que empurrava com
dificuldade três carrinhos, na direção do caixa. Num deles, tinha metade arroz,
metade papel higiênico. No outro, verduras e frutas maltratadas, além de
caixas de leite e garrafas de azeite. No terceiro, se esparramavam incontáveis
e variados produtos de limpeza.
Depois
de alguma hesitação, boa parte do povo foi para a rua. Os dias estavam lindos,
metidos numa tépida temperatura de outono, e o apelo dos caminhoneiros, órfãos
da Sula Miranda, seduzia.
A
partir daí, sem pauta organizada, tudo se tornou válido para justificar a
paralisação dos caminhoneiros. Então foi entoado um clamor pela intervenção
militar, embalado na esperança de dias melhores, com a defenestração dos
corruptos. A maioria, porém, ignorava o estado deplorável do comandante do
Exército, preso a uma cadeira sobre rodas e se degenerando em vida.
Foram
7 dias sem manchetes sobre o Lula, sobre a Dilma, sobre a Gleisi Hoffman. As
páginas policiais ficaram sem assunto, desapareceram delas as notícias de
assaltos, seqüestros, explosões de banco, etc. E nem o Gilmar Mendes, nesse
tempo todo, teve a quem soltar.
Então,
no oitavo dia do apocalipse apareceu o comandante do Exército anunciando, com a
voz enrouquecida de quem já treina para falar do outro mundo, que as forças
armadas só cumprem a Constituição. E aí o povo entendeu que, para cumprir a
Constituição, basta desfilar no 7 de setembro.
Nem
uma hora depois, o Gilmar Mendes mandava soltar mais um. E tudo voltava a ser o
que era antes, com uma pitada de fel: pouca gasolina. O exército, a serviço do
Temer, tinha transformado o ensaio para o apocalipse em melodrama sem final
feliz.
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