sexta-feira, 1 de junho de 2018


ENSAIO PARA O APOCALIPSE
João Eichbaum
Foi aquele deus-nos-acuda! Uns correram para os postos de gasolina, preocupados com o seu status: à humilhação das 36 parcelas da compra do carro jamais juntariam essa outra, a de andar de ônibus no meio dos pobres assumidos. Mais ainda: longe deles a ideia de submeter suas mulheres à bolinação no trem.
Outros preferiram a luta pela sobrevivência entre as gôndolas dos supermercados. E lá, enquanto alguns disputavam espaços de estacionamento, outros esvaziavam as prateleiras.
E houve quem, enxergando a cada passo a poeira do fim do mundo, tratou de ficar bem servido à espera do juízo final. Como aquela velhinha que empurrava com dificuldade três carrinhos, na direção do caixa. Num deles, tinha metade arroz, metade papel higiênico. No outro,  verduras e frutas maltratadas, além de caixas de leite e garrafas de azeite. No terceiro, se esparramavam incontáveis e variados produtos de limpeza.
Depois de alguma hesitação, boa parte do povo foi para a rua. Os dias estavam lindos, metidos numa tépida temperatura de outono, e o apelo dos caminhoneiros, órfãos da Sula Miranda, seduzia.
A partir daí, sem pauta organizada, tudo se tornou válido para justificar a paralisação dos caminhoneiros. Então foi entoado um clamor pela intervenção militar, embalado na esperança de dias melhores, com a defenestração dos corruptos. A maioria, porém, ignorava o estado deplorável do comandante do Exército, preso a uma cadeira sobre rodas e se degenerando em vida.
Foram 7 dias sem manchetes sobre o Lula, sobre a Dilma, sobre a Gleisi Hoffman. As páginas policiais ficaram sem assunto, desapareceram delas as notícias de assaltos, seqüestros, explosões de banco, etc. E nem o Gilmar Mendes, nesse tempo todo, teve a quem soltar.
Então, no oitavo dia do apocalipse apareceu o comandante do Exército anunciando, com a voz enrouquecida de quem já treina para falar do outro mundo, que as forças armadas só cumprem a Constituição. E aí o povo entendeu que, para cumprir a Constituição, basta desfilar no 7 de setembro.
Nem uma hora depois, o Gilmar Mendes mandava soltar mais um. E tudo voltava a ser o que era antes, com uma pitada de fel: pouca gasolina. O exército, a serviço do Temer, tinha transformado o ensaio para o apocalipse em melodrama sem final feliz.



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