O
ESTADO ANIMAL
João
Eichbaum
O
homem é aquela espécie de animal que perdeu o pelo e o rabo, aprendeu a andar
sobre duas pernas e descobriu que podia articular palavras para substituir os
grunhidos. A partir daí, inventou a linguagem como instrumento de comunicação.
A
linguagem, que poderia servir para harmonizar diferenças, uniu o grupo contra
outras comunidades, mas não resolveu o conflito entre os indivíduos do mesmo
grupo. Resultado: a facilidade de comunicação, através da linguagem, tanto pode
servir ao entendimento, como pode aguçar os desentendimentos.
O
binômio contraditório, que marca o homem como animal egoísta, enroscado em si
mesmo, mas também gregário, é, no fundo, o responsável pelos conflitos, tanto
individuais como coletivos. E não houve, até hoje, filosofia ou religião capaz
de eliminar esses impulsos agressivos, gerados pela incapacidade de resistir ao
desespero, no fio esticado dessa trama, que é a vida.
O
Brasil vive um tempo de aguçadas dissensões sociais e políticas, com picos de
alta tensão. A paralisação dos caminhoneiros, que deu margem a arbitrariedades
e uso desmedido da força, tanto de parte dos baderneiros como de parte da
polícia, mostra que a criatura humana ainda está a léguas de distância daquilo
a que muitos sonhadores almejam: atenuar a agressividade desse animal bípede,
com a chamada civilização.
Enquanto
houver desigualdade social, o homem não abandonará sua agressividade. E a
responsável pelas misérias e desilusões que cavam essa diferença é a hierarquia
sem escrúpulos, que se vale de subterfúgios, de cinismo e de hipocrisia, para
manter o desnível entre privilegiados e oprimidos.
A
democracia, que os gregos inventaram para amenizar as diferenças entre as
classes privilegiadas e o povo, hoje não
passa de engodo. Para pretensamente defendê-la, usa-se a repressão, o arbítrio policial.
A última palavra que se ouve é “quem manda sou eu”, realçando a força do poder
armado: é a volta do animal às próprias origens, usando, em vez da linguagem, o
grunhido.
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