terça-feira, 5 de junho de 2018


O ESTADO ANIMAL
João Eichbaum
O homem é aquela espécie de animal que perdeu o pelo e o rabo, aprendeu a andar sobre duas pernas e descobriu que podia articular palavras para substituir os grunhidos. A partir daí, inventou a linguagem como instrumento de comunicação.
A linguagem, que poderia servir para harmonizar diferenças, uniu o grupo contra outras comunidades, mas não resolveu o conflito entre os indivíduos do mesmo grupo. Resultado: a facilidade de comunicação, através da linguagem, tanto pode servir ao entendimento, como pode aguçar os desentendimentos.
O binômio contraditório, que marca o homem como animal egoísta, enroscado em si mesmo, mas também gregário, é, no fundo, o responsável pelos conflitos, tanto individuais como coletivos. E não houve, até hoje, filosofia ou religião capaz de eliminar esses impulsos agressivos, gerados pela incapacidade de resistir ao desespero, no fio esticado dessa trama, que é a vida.
O Brasil vive um tempo de aguçadas dissensões sociais e políticas, com picos de alta tensão. A paralisação dos caminhoneiros, que deu margem a arbitrariedades e uso desmedido da força, tanto de parte dos baderneiros como de parte da polícia, mostra que a criatura humana ainda está a léguas de distância daquilo a que muitos sonhadores almejam: atenuar a agressividade desse animal bípede, com a chamada civilização.
Enquanto houver desigualdade social, o homem não abandonará sua agressividade. E a responsável pelas misérias e desilusões que cavam essa diferença é a hierarquia sem escrúpulos, que se vale de subterfúgios, de cinismo e de hipocrisia, para manter o desnível entre privilegiados e oprimidos.
A democracia, que os gregos inventaram para amenizar as diferenças entre as classes privilegiadas e o povo,  hoje não passa de engodo. Para pretensamente defendê-la, usa-se a repressão, o arbítrio policial. A última palavra que se ouve é “quem manda sou eu”, realçando a força do poder armado: é a volta do animal às próprias origens, usando, em vez da linguagem, o grunhido.

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