LERO-LERO, BLABLABLÁ E TITITI
Paulo Wainberg
Quanto mais conheço os homens, mais gosto das mulheres.
Calma, é só uma frase como tantas outras que me ocorrem porque como certa vez revelei à minha amiga Glenda Ávila, meus parietais vivem em chamas.
O que significa “parietais em chamas” também não sei e não importa, a imagem é mais importante do que o movimento ou não teríamos inventado a máquina fotográfica. Um - contestador por natureza - irá me contrariar dizendo que o movimento é mais importante do que a imagem ou não teríamos inventado a máquina de cinema.
Que seja.
Ouvi no rádio o anúncio de uma funerária oferecendo serviços de cremação com qualidade e segurança.
Estanquei: a quem esses atributos favorecem, no ato da cremação? Ao público presente ou ao usuário propriamente dito?
A funerária está me garantindo que as chamas são de primeira categoria, superiores às chamas comuns produzidas por um fagulha ou um palito de fósforo? E também me assegurando que não arderei, não sentirei calor excessivo e que nenhuma gota de suor escorrerá de minha testa, durante a solenidade?
Deve ser isto.
Ou garante que o usuário do serviço será consumido por fogo celestial e não infernal e que não sobrará um único pedacinho de osso, dente ou fio de cabelo. Dele restarão apenas cinzas a serem cultuadas na urna de prata ou singelamente lançadas aos ventos, aos mares ou dentro da lareira.
Qualidade e segurança... Pois é.
Caso eu fosse mulher estaria dizendo que quanto mais conheço as mulheres mais gosto dos homens?
Duvido
As mulheres são unânimes em se considerar mais admiráveis do que os homens. É um ponto em que estamos de acordo mas não pelas mesmas razões.
As mulheres não carecem de homens para se sentirem admiradas. A admiração de outras mulheres é mais do que suficiente: que lindo vestido, como teu cabelo está bonito, que anel maravilhoso, onde compraste estes sapatos? Que maravilhosa advogada, psicóloga, arquiteta, engenheira, professora, executiva, chefe de repartição, bandeirante, amiga, confidente, dizem umas às outras. E se crêem mutuamente.
Quando um homem diz isto elas ficam com os dois pés para trás: o que este cara está querendo? O que foi que ele aprontou agora? Que safado, mente com a maior cara de pau, olha só que cínico, desde quando ele entende de vestidos, ele pensa que eu vou cair nessa dele elogiar meus olhos, se ele pensa que vai me levar para cama à base de elogios é um babaca, homem é bicho ruim mesmo.
Elas não acreditam nas nossas mais sinceras declarações e quando se confrontam conosco homens, partem da presunção absoluta de que nos consideramos superiores e confundem qualquer gesto de cortesia com indulgência e indulgência masculina é como ácido sulfúrico para uma mulher.
As minhas razões para gostar mais das as mulheres do que os homens são outras, bem outras. Não vou revelar porque não quero que me acusem de machista, porco e chauvinista, tarado, sem-vergonha, mau caráter e novamente tarado.
Mas é por aí...
Nunca diga dessa água não beberei. Como não? Eu digo, sim senhor. Me coloque diante de um esgoto e afirmarei, com absoluta convicção, que desta água não beberei. Nada, nenhuma força me fará beber a água daquele esgoto. Talvez um dia eu tenha que beber a água de outro esgoto, mas daquele, nunca.
O certo seria dizer: nunca diga que daquela água não beberei porque aí você não sabe de qual água estamos falando, um belo dia, depois da hecatombe, sua pele se decompondo e louco de sede, você será capaz de beber qualquer água. Mas desta aqui, diante da qual ora me encontro, não beberei mesmo, nunca.
Quando um não quer dois não brigam também é uma grande falácia porque o que não quer, em geral, acaba apanhando. Acho que só não brigam quando os dois não querem. Como eu nunca quero brigar nem estou a fim de apanhar, basta ver um brigão que saio de perto, rapidamente. Uma vez eu quis brigar, ainda adolescente, trocando de roupa no vestiário. Um colega, amigo de verdade, de brincadeira me deu um tapa nas costas, mas tapa mesmo. A próxima coisa que me lembro era o resto da turma me puxando e quando vi o sangue que corria do nariz dele quis morrer, palavra de honra. Acho que nunca me senti tão mal, não podia acreditar que tinha feito aquilo. Sorte que ele aceitou meus trezentos pedidos de desculpas repetidos nos seis meses seguintes e continuamos amigos. Acho que a dor do tapa me tirou o controle e eu nem sabia que era tão maluco. Nunca mais e espero que nunca mais mesmo.
Quem é que tem um olho, em terra de cego? Honestamente? Pense bem antes de responder, faça um auto-exame físico, calcule quantos olhos você tem e concluirá com absoluta certeza que não é o Rei.
A propósito, conheço uma pessoa que odeia nome feio em qualquer contexto. Quando ouve um simples “merda” ou um inocente “me fodi”, tapa o rosto, vira a cara e reclama, do alto de sua fingida inocência, que nunca pensou ouvir uma coisa dessas. Bobagem dela porque o palavrão é uma palavra como qualquer outra e, como qualquer outra, pode ser bonita ou feia, dependendo da situação: “eu te amo” dito pelo sujeito barranqueando uma égua transforma o verbo “amo” numa palavra feia. Pegar o gatinho no colo e dizer “eu te amo” e o verbo soa lindo. São duas situações que envolvem bichos, o amor está presente, é igual... mas não é a mesma coisa, provando que tudo é relativo e se você não entendia Einstein agora entende.
E a tal semana que vem que nunca chega?
“Semana que vem te ligo” e você não liga. “Vamos tomar um chope semana que vem” e não vão. “Semana que vem eu resolvo” e não resolve. “Semana que vem eu vou ao dentista” e não vai. “Semana que vem eu te pago” e não paga. “Semana que vem eu começo o regime” e...
Você já separou o joio do trigo? Eu já e só para contrariar, joguei o trigo fora e fiquei com o joio. Você sabe como é o joio, sua aparência e forma?
Pois é.
Sabem qual é a música perfeita da MPB brasileira? “Eu Sei Que Vou Te Amar”, do Vinicius.
Por que? Ora criança, porque saber que se vai amar alguém por toda a sua vida é a suprema glória de uma vida, seu fundamental sentido, uma certeza absoluta que poucos conseguem alcançar.
Encerrando esta conversinha de sexta-feira ensolarada aqui em Porto Alegre, quero fazer uma declaração bombástica, definitivamente profunda e que submeto à reflexão de todos, durante o fim de semana:
Quanto mais conheço os cachorros mais gosto deles.
quarta-feira, 30 de julho de 2008
terça-feira, 29 de julho de 2008
COLOQUE O TÍTULO QUE QUISER NA COLUNA
A CASA DA GOVERNADORA NA BOCA DO POVO
João Eichbaum
A casa que a senhora Ieda Crusius, depois de eleita governadora do Rio Grande do Sul, adquiriu, por setecentos e cinqüenta mil reais é um assunto que parece estar divertindo a platéia.
Não se deveria mais falar nisso, se fosse uma coisa simples. Bastariam as palavras dela e do seu excelentíssimo consorte: sim, compramos com o nosso dinheiro e ninguém tem nada ver com isso.
Mas, ao que tudo indica, a questão não é tão fácil assim. Tanto que ela teve que contratar advogado para dar explicações. Um grande advogado, por sinal, meu dileto amigo Paulo Olímpio Gomes de Souza.
Pelo que dizem os jornais, foram vários os documentos apresentados pelo ilustre causídico, para provar, através de uma equação com várias incógnitas, que a governadora e seu marido tinham esse dinheirão todo, para comprar o imóvel. Para isso, segundo as notícias, eles teriam vendido uma casa em Brasília, uma casa na praia, aqui no Rio Grande do Sul, e um automóvel. Mas as notícias não fornecem os valores desses imóveis, nem dão quaisquer características deles, para que o leitor possa avaliar, sacudir a cabeça, babar e dizer consigo mesmo: é verdade, eu é que sou pobre.
Hoje, o que se sabe é que a governadora ganha, quando muito, oito mil reais por mês, para administrar este Estado cheio de machões e de grandes industrialistas, nadando no sucesso financeiro, sem falar nos jogadores e técnicos de futebol, para quem oito mil não passa de merrecas. Sim, isso ela ganha, mas de seu marido ninguém sabe coisa alguma. Não se sabe sequer se ele trabalha, ou se ostenta, pura e simplesmente, a condição de marido de governadora, ficando a cargo dele as lides domésticas do Piratini.
Agora o PSOL resolveu botar mais lenha na fogueira, apresentando uma proposta de compra, assinada unilateralmente pelo suposto comprador, na qual esse oferecia a importância de um milhão de reais pela bela casa que acabou sendo adquirida pela senhora Ieda Crusius por duzentos e cinqüenta mil reais a menos.
Como é que a tal proposta foi aparecer na revista Veja, não se sabe. Se a proposta foi, realmente, oferecida, quem deveria estar de posse dela seria o proprietário da casa, que tem um sobrenome muito significativo: Laranja.
Só que até agora esse senhor Laranja ainda não apareceu no túnel, nem para ser vaiado, nem para ser aplaudido pela torcida. Ficou na moita. E as notícias que se tem dele é que estava apertado de dinheiro, teve que vender a casa, porque responde a dois processos movidos por instituições financeiras.
É ou não é uma novela, ou melhor, um dramalhão, cheio de mistérios, de personagens, de heróis e vilões, desses que passam nos picadeiros de pequenos circos, esse caso do doce lar da governadora?
Bem, lá dentro do circo o drama pode ser instigante e emocionante. Mas do lado de fora da lona, tem muita gente que nem quer saber se existe honestidade na política ou se tudo não passa de vã filosofia: bom mesmo é ver o circo pegar fogo.
João Eichbaum
A casa que a senhora Ieda Crusius, depois de eleita governadora do Rio Grande do Sul, adquiriu, por setecentos e cinqüenta mil reais é um assunto que parece estar divertindo a platéia.
Não se deveria mais falar nisso, se fosse uma coisa simples. Bastariam as palavras dela e do seu excelentíssimo consorte: sim, compramos com o nosso dinheiro e ninguém tem nada ver com isso.
Mas, ao que tudo indica, a questão não é tão fácil assim. Tanto que ela teve que contratar advogado para dar explicações. Um grande advogado, por sinal, meu dileto amigo Paulo Olímpio Gomes de Souza.
Pelo que dizem os jornais, foram vários os documentos apresentados pelo ilustre causídico, para provar, através de uma equação com várias incógnitas, que a governadora e seu marido tinham esse dinheirão todo, para comprar o imóvel. Para isso, segundo as notícias, eles teriam vendido uma casa em Brasília, uma casa na praia, aqui no Rio Grande do Sul, e um automóvel. Mas as notícias não fornecem os valores desses imóveis, nem dão quaisquer características deles, para que o leitor possa avaliar, sacudir a cabeça, babar e dizer consigo mesmo: é verdade, eu é que sou pobre.
Hoje, o que se sabe é que a governadora ganha, quando muito, oito mil reais por mês, para administrar este Estado cheio de machões e de grandes industrialistas, nadando no sucesso financeiro, sem falar nos jogadores e técnicos de futebol, para quem oito mil não passa de merrecas. Sim, isso ela ganha, mas de seu marido ninguém sabe coisa alguma. Não se sabe sequer se ele trabalha, ou se ostenta, pura e simplesmente, a condição de marido de governadora, ficando a cargo dele as lides domésticas do Piratini.
Agora o PSOL resolveu botar mais lenha na fogueira, apresentando uma proposta de compra, assinada unilateralmente pelo suposto comprador, na qual esse oferecia a importância de um milhão de reais pela bela casa que acabou sendo adquirida pela senhora Ieda Crusius por duzentos e cinqüenta mil reais a menos.
Como é que a tal proposta foi aparecer na revista Veja, não se sabe. Se a proposta foi, realmente, oferecida, quem deveria estar de posse dela seria o proprietário da casa, que tem um sobrenome muito significativo: Laranja.
Só que até agora esse senhor Laranja ainda não apareceu no túnel, nem para ser vaiado, nem para ser aplaudido pela torcida. Ficou na moita. E as notícias que se tem dele é que estava apertado de dinheiro, teve que vender a casa, porque responde a dois processos movidos por instituições financeiras.
É ou não é uma novela, ou melhor, um dramalhão, cheio de mistérios, de personagens, de heróis e vilões, desses que passam nos picadeiros de pequenos circos, esse caso do doce lar da governadora?
Bem, lá dentro do circo o drama pode ser instigante e emocionante. Mas do lado de fora da lona, tem muita gente que nem quer saber se existe honestidade na política ou se tudo não passa de vã filosofia: bom mesmo é ver o circo pegar fogo.
COLUNA DO PAULO WAINBERG
Crônicas mas hein!
REFLEXÕES PRÉ-ONÍRICAS
PAULO WAINBERG
O que será que as pessoas pensam no exato instante em que, com a cabeça no travesseiro, sentem o sono chegando e sabem que vão adormecer?
Ocorreu-me esta pergunta hoje de manhã, durante um engarrafamento homérico por causa de uma sinaleira estragada. Acho que foram as buzinas ultrapassando meus vidros fechados e abafando “um cantinho o violão” que tocava no rádio.
Acho que os rituais pré-berço são semelhantes, em condições privilegiadas de existência tais como: ter casa para morar, banheiro, água nas torneiras e, entre outras, cama e travesseiro. E cobertor para o frio. Porque as outras pessoas devem pensar apenas na sobrevivência, na comida de amanhã, no remédio para o filho e infelizmente são muitas. Talvez a maioria.
Volto aos privilegiados: Uns tomam banho, escovam os dentes, lavam o rosto, tiram a pintura, botam as redes no cabelo, depilam as sobrancelhas, desodorizam os sovacos, enfiam pijamas, camisolas ou tiram tudo, coçam atrás das orelhas, assoam o nariz, usam chinelas e chambres, tiram lentes de contato, lavam os óculos, assoam o nariz de novo, trocam o OB, penteiam os cabelos, lustram as carecas, arrotam por cima e por baixo, esfregam a barriga, examinam a zona do agrião, ao vivo e no espelho, esfregam mais a barriga e vão para a cama. Há os que ficam lendo, há os que assistem televisão, tem a turma das palavras cruzadas, o pessoal que ouve rádio, casais conversam fundamentos vitais, ajustam contas (lato senso), tiram o filho da cama e levam para o berço, folheiam revistas, fazem alongamentos horizontais, voltam a levar o filho para o berço, queixam da vida, juram alguém de morte, prometem vinganças furiosas, morrem de medo da reunião ou do exame amanhã de manhã, trocam confidências, mentem, levam o neto para o berço, pedem desculpas e finalmente, viram de lado para dormir, não sem antes levar o filho ou neto para o berço mais uma vez ou enfiar um dedo no nariz.
Este é o momento que me interessa. Quando a criatura está com ela mesma, os olhos fechados no quarto escuro (ou semi-escuro, há os que têm medo do escuro), tentando relaxar, não há alternativa, o sono vem vindo, aí! Justamente aí, no que é que elas pensam?
Não vou me omitir e revelo sem pudor no que é que eu penso: em coisa boa. Por favor, não me pergunte o que eu entendo por “coisa boa”, não é justo e eu não vou dizer e, além do mais, o que é bom para um não é necessariamente bom para outro, muito embora nesse caso eu ache que sim, é.
Falando sério, os últimos pensamentos de cada um antes de dormir devem ser fascinantes, de uma riqueza assim intensa que no dia seguinte, ao acordar, esqueceu-se totalmente de tudo.
É ou não é? Pergunte ao primeiro que passar no que foi que ele pensou ontem, antes de adormecer. Aposto que ele não lembra.
Posso imaginar alguns pensamentos pré-oníricos, por exemplo, o que fazer com o dinheiro da mega-sena, onde levá-la quando ela aceitar seu convite, arrumar as malas e nunca mais por os pés nesta casa, quando será que este guri vai tomar jeito? (pai), será que ela usa camisinha? (mãe), até quando vou agüentar essa gozação? (gremista), por que tudo dá errado comigo? (garota de quinze anos), eu tenho que comer alguém, eu tenho que comer alguém (garoto de treze anos) e assim por diante. São milhares, bilhões, os pensamentos que se pode ter logo antes de pegar no sono e todos eles relevantes, importantes, decisivos, fundamentais, cruciais, essenciais, dramáticos, hilariantes mas nenhum a valer, de verdade, com conseqüência prática no dia seguinte.
Porque antes de adormecer queremos adormecer e nada mais. Que o sono venha e nos desligue por algumas horas, nos deixe a mercê de sonhos que sejam mais ou menos salubres. E, que ninguém duvide, uma das melhores sensações que existe é despertar de um pesadelo e verificar que todo aquele horror não passou de um sonho. Também é horrível acordar exatamente na hora em que o beijo ia ser dado....
Conversa vai, conversa vem, acabei ampliando minha curiosidade para os pensamentos pré-momentos decisivos: Entro ou não entro neste avião? Será que este lago é fundo? Não se preocupe, estou com a corda bem amarrada... Acho que ainda cabe mais um copo na bandeja... Mais uma dose não vai fazer mal... Agora não dá para parar para enfiar a camisinha...Se ele se jogou eu também posso...Assino ou não assino como fiador?... Compro ou não compro, dou ou não dou, etc, etc, etc, dúvidas que surgem em forma de pensamento e que, dependendo da sua resposta, leva você para um lado ou para o outro, quase sempre o outro, que é o pior.
Já aprendi, após longas horas de meditação que, em caso de dúvida não devo escolher. Entrego minha sorte ao acaso e, ao contrário de muitos, não estabeleço uma relação de causa e efeito preliminar, recordando cada gesto antes praticado que pode levar a tal ou qual infortúnio.
Por isso aposto sempre os mesmos números porque, conforme uma lei da economia que inventei há alguns anos, a única forma de ter certeza do resultado é comprar na alta e vender na baixa. É infalível.
E antes de dormir revelo, em respeito à sua insistência, que sempre penso que vou conseguir aquela coisa gostosa que eu quero tanto e jamais movi um rinoceronte para conseguir.
REFLEXÕES PRÉ-ONÍRICAS
PAULO WAINBERG
O que será que as pessoas pensam no exato instante em que, com a cabeça no travesseiro, sentem o sono chegando e sabem que vão adormecer?
Ocorreu-me esta pergunta hoje de manhã, durante um engarrafamento homérico por causa de uma sinaleira estragada. Acho que foram as buzinas ultrapassando meus vidros fechados e abafando “um cantinho o violão” que tocava no rádio.
Acho que os rituais pré-berço são semelhantes, em condições privilegiadas de existência tais como: ter casa para morar, banheiro, água nas torneiras e, entre outras, cama e travesseiro. E cobertor para o frio. Porque as outras pessoas devem pensar apenas na sobrevivência, na comida de amanhã, no remédio para o filho e infelizmente são muitas. Talvez a maioria.
Volto aos privilegiados: Uns tomam banho, escovam os dentes, lavam o rosto, tiram a pintura, botam as redes no cabelo, depilam as sobrancelhas, desodorizam os sovacos, enfiam pijamas, camisolas ou tiram tudo, coçam atrás das orelhas, assoam o nariz, usam chinelas e chambres, tiram lentes de contato, lavam os óculos, assoam o nariz de novo, trocam o OB, penteiam os cabelos, lustram as carecas, arrotam por cima e por baixo, esfregam a barriga, examinam a zona do agrião, ao vivo e no espelho, esfregam mais a barriga e vão para a cama. Há os que ficam lendo, há os que assistem televisão, tem a turma das palavras cruzadas, o pessoal que ouve rádio, casais conversam fundamentos vitais, ajustam contas (lato senso), tiram o filho da cama e levam para o berço, folheiam revistas, fazem alongamentos horizontais, voltam a levar o filho para o berço, queixam da vida, juram alguém de morte, prometem vinganças furiosas, morrem de medo da reunião ou do exame amanhã de manhã, trocam confidências, mentem, levam o neto para o berço, pedem desculpas e finalmente, viram de lado para dormir, não sem antes levar o filho ou neto para o berço mais uma vez ou enfiar um dedo no nariz.
Este é o momento que me interessa. Quando a criatura está com ela mesma, os olhos fechados no quarto escuro (ou semi-escuro, há os que têm medo do escuro), tentando relaxar, não há alternativa, o sono vem vindo, aí! Justamente aí, no que é que elas pensam?
Não vou me omitir e revelo sem pudor no que é que eu penso: em coisa boa. Por favor, não me pergunte o que eu entendo por “coisa boa”, não é justo e eu não vou dizer e, além do mais, o que é bom para um não é necessariamente bom para outro, muito embora nesse caso eu ache que sim, é.
Falando sério, os últimos pensamentos de cada um antes de dormir devem ser fascinantes, de uma riqueza assim intensa que no dia seguinte, ao acordar, esqueceu-se totalmente de tudo.
É ou não é? Pergunte ao primeiro que passar no que foi que ele pensou ontem, antes de adormecer. Aposto que ele não lembra.
Posso imaginar alguns pensamentos pré-oníricos, por exemplo, o que fazer com o dinheiro da mega-sena, onde levá-la quando ela aceitar seu convite, arrumar as malas e nunca mais por os pés nesta casa, quando será que este guri vai tomar jeito? (pai), será que ela usa camisinha? (mãe), até quando vou agüentar essa gozação? (gremista), por que tudo dá errado comigo? (garota de quinze anos), eu tenho que comer alguém, eu tenho que comer alguém (garoto de treze anos) e assim por diante. São milhares, bilhões, os pensamentos que se pode ter logo antes de pegar no sono e todos eles relevantes, importantes, decisivos, fundamentais, cruciais, essenciais, dramáticos, hilariantes mas nenhum a valer, de verdade, com conseqüência prática no dia seguinte.
Porque antes de adormecer queremos adormecer e nada mais. Que o sono venha e nos desligue por algumas horas, nos deixe a mercê de sonhos que sejam mais ou menos salubres. E, que ninguém duvide, uma das melhores sensações que existe é despertar de um pesadelo e verificar que todo aquele horror não passou de um sonho. Também é horrível acordar exatamente na hora em que o beijo ia ser dado....
Conversa vai, conversa vem, acabei ampliando minha curiosidade para os pensamentos pré-momentos decisivos: Entro ou não entro neste avião? Será que este lago é fundo? Não se preocupe, estou com a corda bem amarrada... Acho que ainda cabe mais um copo na bandeja... Mais uma dose não vai fazer mal... Agora não dá para parar para enfiar a camisinha...Se ele se jogou eu também posso...Assino ou não assino como fiador?... Compro ou não compro, dou ou não dou, etc, etc, etc, dúvidas que surgem em forma de pensamento e que, dependendo da sua resposta, leva você para um lado ou para o outro, quase sempre o outro, que é o pior.
Já aprendi, após longas horas de meditação que, em caso de dúvida não devo escolher. Entrego minha sorte ao acaso e, ao contrário de muitos, não estabeleço uma relação de causa e efeito preliminar, recordando cada gesto antes praticado que pode levar a tal ou qual infortúnio.
Por isso aposto sempre os mesmos números porque, conforme uma lei da economia que inventei há alguns anos, a única forma de ter certeza do resultado é comprar na alta e vender na baixa. É infalível.
E antes de dormir revelo, em respeito à sua insistência, que sempre penso que vou conseguir aquela coisa gostosa que eu quero tanto e jamais movi um rinoceronte para conseguir.
segunda-feira, 28 de julho de 2008
COLUNA DO MÁRIO SIMON
AO RÉS DO CHÃO
Mário Simon
A bem da verdade, eu nunca dormi com ela. Não é como dizem por aí, que tivemos um caso, que deitamos e rolamos. Não. Eu ficava ali, olho aceso no más, ouvido atento. A cama não era lá esses coisas e havia um cheiro de mofo que me fazia espirrar. Alergia, você sabe! Ah, sim, e tinha o revólver. Desse ela não gostava.
- Pra que duas armas, Fininho? - me dizia com malícia.
Não sei qual das “armas” ela mais temia. O que sei é que eu odiava aquele “Fininho”. De onde subtraíra esse nome que não me cabia de jeito nenhum? Seria uma referência caluniosa a minha “arma”? Essa não, pois que de fininho era só a cabelama das adjacências, segundo meu entendimento.
Mas ninguém nunca compreendeu o que é que eu fazia na cama dela toda santa noite. Dois meses, para ser mais preciso. Esquentar a megera é que não haveria de ser. Homem que é homem não esquenta: mete a brasa.
Hoje eu digo. Nem esquentava e nem metia a brasa. Mas quem acreditar há de? Não era eu lá um macho de trepar primeiro e depois perguntar se queria? Até corria a fama que, de uma feita... mas aí eu perco o fio da meada.
Dizia, pernoitei na cama, junto, ali, no bafo, dois meses. E não que fosse na marra. Ia porque ia, livre, por conta e risco. Só não vão me entender é o porquê alertava aquelas cobertas de lã mofadas. Dava minhas duas ou três espirradas - saúde - e dormia. Já disse, alergia!
O caso é que, naquela época, as coisas foram se parando feias e eu andava como galinha que cisca não por frescura, mas por precisão. Qualquer minhoca dava um bife. Não havia trabalho nem para um vivente em pé de morrer. Foi miséria da braba. Tinha vindo da roça, fazia o quê, um mês?
Pois eu digo! Foi que, um dia, saí disposto a pegar serviço nem que fosse no cu do mundo. Fome, tchê, dói. Um pé de galinha dava um assado. Aí que dei na casa de
- Hermosa, mas pode me chamar de Mosa.
Isso foi quando perguntei qual era sua graça. Mas já estava dentro de casa, nem sei como me adentraram. Só dei em mim quando, no relance de umas cortinas de franjinha, umas mesas de bar no lusquefusque de umas luzinhas de cor, vi que era casa de putedo.
- Não quer sentar?
Daquela sentada até umas horas depois não tive tempo de dizer sim nem não. A dona Mosa botou preço e condição. Cama e comida, no sentido bilateral dessas palavras. Meio resvalento, pensava. E mais uns cruzados meio tipo um mínimo, por aí. E deu no que deu. Obrigação minha era deitar na cama dela, com ela ou sem ela. Fazia, ali, um serviço de desobrigação para a pobre, na verdade. Freguês que arrastava a asa pra banda da Mosa, ela já dizia:
- Não dá, meu bem, ele está aí...
Esse ele era eu. Mas tem umas voltas por esse emprego de emergência que até me custa acreditar e é ruim de revelar. Pela manhã, meu serviço era recolher os penicos dos quartos das putas e esvaziar o conteúdo deles numa latrina que havia no fundo do pátio. Danado, demais, tchê. Houve uma vez que jurei procurar o oco do mundo e mandar tudo a puta que o pariu, já que ali, com perdão da palavra, era isso que eu era.
Mas o caso não tinha por que terminar. Mermava a raiva, você me entende. Cão danado dá em agosto, dizem. Até que, duma feita, me emborrachei de cachaça, perdi as estribeiras e me pelei na sala dando uns vexames dos diabos. Atentei uma garrafada num cuera, mas o puterio me empurrou pro quarto antes que apanhasse. Fiquei lá, o forro rodeando feio, a cama ladeando e o revólver ali, frio, aquele jeito quietão.
Então resolvi. E quando resolvo, sai da frente. Hermosa chegou pra deitar, se pelou toda, a pelanca um saco velho, os peitos beirando o umbigo murcho, a bunda uma plasta solta.
- Que tá olhando, Fininho?
Pensei, se pensei: merda meia, merda toda. Meti o revólver no meio dos peitos e babei:
- Me dá o rabo!
Pois desgraça das desgraças, ela deu. Olha, tchê, que tem muito homem aqui dentro. Mas já que estava naquela, fui. Não costumo pedir pra depois não aceitar. No entretanto, já que ninguém nos ouve, não fiz. Não pude! Olhei pra baixo e vi que o Fininho era fininho mesmo e, caído assim, um dedo minguinho entortado. Me lembro, agora, que mirei o revólver, mas, tchê, é brabo. Quem nasce pra cisco acaba sempre nos cantos. Me agachei, peguei o pinico debaixo da cama e fui virar lá fora, que a Mosa não dormia com urina no quarto.
Mário Simon
A bem da verdade, eu nunca dormi com ela. Não é como dizem por aí, que tivemos um caso, que deitamos e rolamos. Não. Eu ficava ali, olho aceso no más, ouvido atento. A cama não era lá esses coisas e havia um cheiro de mofo que me fazia espirrar. Alergia, você sabe! Ah, sim, e tinha o revólver. Desse ela não gostava.
- Pra que duas armas, Fininho? - me dizia com malícia.
Não sei qual das “armas” ela mais temia. O que sei é que eu odiava aquele “Fininho”. De onde subtraíra esse nome que não me cabia de jeito nenhum? Seria uma referência caluniosa a minha “arma”? Essa não, pois que de fininho era só a cabelama das adjacências, segundo meu entendimento.
Mas ninguém nunca compreendeu o que é que eu fazia na cama dela toda santa noite. Dois meses, para ser mais preciso. Esquentar a megera é que não haveria de ser. Homem que é homem não esquenta: mete a brasa.
Hoje eu digo. Nem esquentava e nem metia a brasa. Mas quem acreditar há de? Não era eu lá um macho de trepar primeiro e depois perguntar se queria? Até corria a fama que, de uma feita... mas aí eu perco o fio da meada.
Dizia, pernoitei na cama, junto, ali, no bafo, dois meses. E não que fosse na marra. Ia porque ia, livre, por conta e risco. Só não vão me entender é o porquê alertava aquelas cobertas de lã mofadas. Dava minhas duas ou três espirradas - saúde - e dormia. Já disse, alergia!
O caso é que, naquela época, as coisas foram se parando feias e eu andava como galinha que cisca não por frescura, mas por precisão. Qualquer minhoca dava um bife. Não havia trabalho nem para um vivente em pé de morrer. Foi miséria da braba. Tinha vindo da roça, fazia o quê, um mês?
Pois eu digo! Foi que, um dia, saí disposto a pegar serviço nem que fosse no cu do mundo. Fome, tchê, dói. Um pé de galinha dava um assado. Aí que dei na casa de
- Hermosa, mas pode me chamar de Mosa.
Isso foi quando perguntei qual era sua graça. Mas já estava dentro de casa, nem sei como me adentraram. Só dei em mim quando, no relance de umas cortinas de franjinha, umas mesas de bar no lusquefusque de umas luzinhas de cor, vi que era casa de putedo.
- Não quer sentar?
Daquela sentada até umas horas depois não tive tempo de dizer sim nem não. A dona Mosa botou preço e condição. Cama e comida, no sentido bilateral dessas palavras. Meio resvalento, pensava. E mais uns cruzados meio tipo um mínimo, por aí. E deu no que deu. Obrigação minha era deitar na cama dela, com ela ou sem ela. Fazia, ali, um serviço de desobrigação para a pobre, na verdade. Freguês que arrastava a asa pra banda da Mosa, ela já dizia:
- Não dá, meu bem, ele está aí...
Esse ele era eu. Mas tem umas voltas por esse emprego de emergência que até me custa acreditar e é ruim de revelar. Pela manhã, meu serviço era recolher os penicos dos quartos das putas e esvaziar o conteúdo deles numa latrina que havia no fundo do pátio. Danado, demais, tchê. Houve uma vez que jurei procurar o oco do mundo e mandar tudo a puta que o pariu, já que ali, com perdão da palavra, era isso que eu era.
Mas o caso não tinha por que terminar. Mermava a raiva, você me entende. Cão danado dá em agosto, dizem. Até que, duma feita, me emborrachei de cachaça, perdi as estribeiras e me pelei na sala dando uns vexames dos diabos. Atentei uma garrafada num cuera, mas o puterio me empurrou pro quarto antes que apanhasse. Fiquei lá, o forro rodeando feio, a cama ladeando e o revólver ali, frio, aquele jeito quietão.
Então resolvi. E quando resolvo, sai da frente. Hermosa chegou pra deitar, se pelou toda, a pelanca um saco velho, os peitos beirando o umbigo murcho, a bunda uma plasta solta.
- Que tá olhando, Fininho?
Pensei, se pensei: merda meia, merda toda. Meti o revólver no meio dos peitos e babei:
- Me dá o rabo!
Pois desgraça das desgraças, ela deu. Olha, tchê, que tem muito homem aqui dentro. Mas já que estava naquela, fui. Não costumo pedir pra depois não aceitar. No entretanto, já que ninguém nos ouve, não fiz. Não pude! Olhei pra baixo e vi que o Fininho era fininho mesmo e, caído assim, um dedo minguinho entortado. Me lembro, agora, que mirei o revólver, mas, tchê, é brabo. Quem nasce pra cisco acaba sempre nos cantos. Me agachei, peguei o pinico debaixo da cama e fui virar lá fora, que a Mosa não dormia com urina no quarto.
sexta-feira, 25 de julho de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
Crônicas explicativas
POR QUE? POR QUE MEU DEUS?
Paulo Wainberg
O mundo cibernético é, para mim, um mistério tubular no pior sentido da palavra.
Por que digo isto? Para você não me escrever mais perguntando de onde eu conheço você, como é que seu e-mail veio parar em minhas mãos, por que eu envio crônicas para o seu computador, o que eu quero com você e, principalmente, para me pedir para cair fora, não me conhece, não quer me conhecer, não gosta do que escrevo e que é muita ousadia minha, para não dizer cara de pau, ficar desse jeito, amolando sua paciência, enchendo seu saco e sua caixa de correspondência.
Não tinha a menor idéia de como isso acontece, de aparecer endereços desconhecidos no meu “catálogo”.
Até há pouco tempo eu achava que tinha um “dom”, um “poder” extra-sensorial que eu classificava, romanticamente, de telecárdio, uma espécie de conexão à distância do meu coração com vários outros conectáveis por aí.
Desfez-se minha ilusão quando a filha de um primo meu, que tem sete anos de idade, me disse: - Tio, quando tu respondes um e-mail que tem o nome de várias pessoas, o teu catálogo captura os endereços, é por isso.
Você sabe o que é uma menina de sete anos falando “captura”? é incrível. Entretanto a pobrezinha, sem saber, destruiu minhas aptidões metafísicas e reduziu-me ao nível mais elementar das artes informáticas, propondo implicitamente que eu pare de brincar com coisas que não entendo como por exemplo, um celular novo que ganhei e que exige que eu seja especialista em matérias diversas, todas em inglês, para ligar para alguém ou para saber onde apertar quando alguém me liga e trate de fazer cursos sobre cérebros eletrônicos, ondas sinodeais, reflexões magnéticas, fibras óticas e sintéticas, relações espaço-tempo e neurologia robótica. E, acima de tudo, principalmente e como pré-requisito, a Teoria Geral dos Radianos, nem que seja para principiantes.
O inglês nunca foi minha língua preferida. Sempre fui ligado ao francês, ao italiano e ao espanhol, nessa ordem, como línguas estrangeiras preferidas. São idiomas suaves, poéticos, líricos e românticos.
O inglês é duro, pragmático, pé no chão, dia a dia, rápido e rasteiro, “time is money” soa de um jeito, “le temps c’est l’argent” de outro. Em inglês significa realmente que o tempo é dinheiro. Em francês significa que o tempo é prata, prata existe, prata é belo, prata é jóia, dinheiro se faz com papel, entendeu?
Fazendo os cursos mencionados estarei apto a compreender o funcionamento de um byte?
É o que me pergunto e não me respondo.
Honestamente, não vejo nenhuma razão para surpresas cibernéticas a não ser que, como eu, você simplesmente cuida para não apertar teclas erradas.
Ora, minha senhora, como é que eu fui entrar no seu computador com uma crônica? Raciocine um pouco, cavalheiro, deixe de lado idéias pré-concebidas que me atribuem qualidades mágicas ou super-cibernéticas, como se eu tivesse inventado um método exotérico-informático de descobrir seu e-mail. A explicação é simples, tão simples como quando a gente descobre o truque do mágico.
Um sujeito entra por uma porta e sai instantaneamente por outra, colocada a dez metros de distância. Ou ele tem o poder da desmaterialização (como em Jornada das Estrelas) ou aquele que entra é um e aquele que sai é outro, sósia ou irmão gêmeo.
A garota levita mesmo ou está sobre uma barra metálica hidráulica, invisível aos olhos da platéia?
Eu atraio o endereço do seu e-mail através de conjurações midiáticas ou alguém me forneceu ou, como aprendi, ele foi capturado pelo meu computador quando respondi “a todos” e não apenas “ao remetente”?
Tão simples quanto uma galinha botar um ovo frito.
Você faz parte da imensa minoria dos que não querem receber minhas crônicas? Pode resolver o problema com um simples “exclua-me”, poupando-me de perguntas tão infantis que só as crianças sabem responder: como é que o meu e-mail foi parar no seu catálogo?
Exclua-me está mais do que bom, você pede e eu excluo e nunca mais falamos no assunto.
Mas pense bem para não se arrepender depois e não vir, todo sem jeito, pedindo por favor para voltar.
Porque as leis da natureza são imutáveis enquanto não mudam, o calor dilata os corpos tanto quanto a matéria atrai matéria não razão direta do quadrado dos catetos elevados a ene potências, resultando da equação nada mais, nada menos do que ele, o infinito.
Raciocínios como esse é que me deixaram em segunda-época em Física, como já contei.
Sou Libra com ascendente em Aquário, minha gente, por favor não esqueçam disso. Minha cabeça vive no ar assim como todo o resto do meu eu, do meu teu e do meu nosso.
Sou homem do conjunto, não do detalhe. Vejo o todo e ignoro suas partes salvo na hora de passar a mão. É um dos raros momentos em que as partes sobressaem ao todo que, não obstante, reassume meu ponto de vista logo depois, fumando um cigarro.
Eis-me o homem, quase segundo Platão.
Em caso de dúvidas, consulte um de nossos atendentes.
E, para não passar em branco, fui assistir ao Cirque du Soleil, Muito bonito, muito técnico, engraçado às vezes e com pouquíssima emoção. Não tem globo da morte, atirador de facas, elefantes e cães amestrados, os trapezistas tem rede embaixo e a dança nas alturas não esconde a cordinha, tirando toda e qualquer expectativa de uma possível queda da bailarina, estraçalhando-se no chão.
Alguns bons números dos atletas olímpicos são o máximo de paroxismo que atinge o espetáculo.
Bonito mesmo de ver é a multidão em paz, divertindo-se em conjunto, aplaudindo ao ritmo da música, além das crianças maravilhadas e suas gargalhadas gostosas.
Nada é mais lindo do que milhares de pessoas expressando o mesmo sentimento de alegria e prazer mesmo que tenham pago uma fortuna para isso.
Não imagino que os patrocinadores da temporada tenham reservado um espetáculo beneficente para crianças de rua ou moradoras de vilas populares. Nem que fosse para estampar um pouco de alegria naqueles rostinhos maltratados, alguns sorrisos maravilhados nas caras pré-envelhecidas, um pingo de esperança para vidas tão sofridas.
Os patrocinadores, que pagam a conta, falam em inglês, embora a língua oficial do grupo seja o francês canadense.
Time is moneynicas explicativas
POR QUE? POR QUE MEU DEUS?
Paulo Wainberg
O mundo cibernético é, para mim, um mistério tubular no pior sentido da palavra.
Por que digo isto? Para você não me escrever mais perguntando de onde eu conheço você, como é que seu e-mail veio parar em minhas mãos, por que eu envio crônicas para o seu computador, o que eu quero com você e, principalmente, para me pedir para cair fora, não me conhece, não quer me conhecer, não gosta do que escrevo e que é muita ousadia minha, para não dizer cara de pau, ficar desse jeito, amolando sua paciência, enchendo seu saco e sua caixa de correspondência.
Não tinha a menor idéia de como isso acontece, de aparecer endereços desconhecidos no meu “catálogo”.
Até há pouco tempo eu achava que tinha um “dom”, um “poder” extra-sensorial que eu classificava, romanticamente, de telecárdio, uma espécie de conexão à distância do meu coração com vários outros conectáveis por aí.
Desfez-se minha ilusão quando a filha de um primo meu, que tem sete anos de idade, me disse: - Tio, quando tu respondes um e-mail que tem o nome de várias pessoas, o teu catálogo captura os endereços, é por isso.
Você sabe o que é uma menina de sete anos falando “captura”? é incrível. Entretanto a pobrezinha, sem saber, destruiu minhas aptidões metafísicas e reduziu-me ao nível mais elementar das artes informáticas, propondo implicitamente que eu pare de brincar com coisas que não entendo como por exemplo, um celular novo que ganhei e que exige que eu seja especialista em matérias diversas, todas em inglês, para ligar para alguém ou para saber onde apertar quando alguém me liga e trate de fazer cursos sobre cérebros eletrônicos, ondas sinodeais, reflexões magnéticas, fibras óticas e sintéticas, relações espaço-tempo e neurologia robótica. E, acima de tudo, principalmente e como pré-requisito, a Teoria Geral dos Radianos, nem que seja para principiantes.
O inglês nunca foi minha língua preferida. Sempre fui ligado ao francês, ao italiano e ao espanhol, nessa ordem, como línguas estrangeiras preferidas. São idiomas suaves, poéticos, líricos e românticos.
O inglês é duro, pragmático, pé no chão, dia a dia, rápido e rasteiro, “time is money” soa de um jeito, “le temps c’est l’argent” de outro. Em inglês significa realmente que o tempo é dinheiro. Em francês significa que o tempo é prata, prata existe, prata é belo, prata é jóia, dinheiro se faz com papel, entendeu?
Fazendo os cursos mencionados estarei apto a compreender o funcionamento de um byte?
É o que me pergunto e não me respondo.
Honestamente, não vejo nenhuma razão para surpresas cibernéticas a não ser que, como eu, você simplesmente cuida para não apertar teclas erradas.
Ora, minha senhora, como é que eu fui entrar no seu computador com uma crônica? Raciocine um pouco, cavalheiro, deixe de lado idéias pré-concebidas que me atribuem qualidades mágicas ou super-cibernéticas, como se eu tivesse inventado um método exotérico-informático de descobrir seu e-mail. A explicação é simples, tão simples como quando a gente descobre o truque do mágico.
Um sujeito entra por uma porta e sai instantaneamente por outra, colocada a dez metros de distância. Ou ele tem o poder da desmaterialização (como em Jornada das Estrelas) ou aquele que entra é um e aquele que sai é outro, sósia ou irmão gêmeo.
A garota levita mesmo ou está sobre uma barra metálica hidráulica, invisível aos olhos da platéia?
Eu atraio o endereço do seu e-mail através de conjurações midiáticas ou alguém me forneceu ou, como aprendi, ele foi capturado pelo meu computador quando respondi “a todos” e não apenas “ao remetente”?
Tão simples quanto uma galinha botar um ovo frito.
Você faz parte da imensa minoria dos que não querem receber minhas crônicas? Pode resolver o problema com um simples “exclua-me”, poupando-me de perguntas tão infantis que só as crianças sabem responder: como é que o meu e-mail foi parar no seu catálogo?
Exclua-me está mais do que bom, você pede e eu excluo e nunca mais falamos no assunto.
Mas pense bem para não se arrepender depois e não vir, todo sem jeito, pedindo por favor para voltar.
Porque as leis da natureza são imutáveis enquanto não mudam, o calor dilata os corpos tanto quanto a matéria atrai matéria não razão direta do quadrado dos catetos elevados a ene potências, resultando da equação nada mais, nada menos do que ele, o infinito.
Raciocínios como esse é que me deixaram em segunda-época em Física, como já contei.
Sou Libra com ascendente em Aquário, minha gente, por favor não esqueçam disso. Minha cabeça vive no ar assim como todo o resto do meu eu, do meu teu e do meu nosso.
Sou homem do conjunto, não do detalhe. Vejo o todo e ignoro suas partes salvo na hora de passar a mão. É um dos raros momentos em que as partes sobressaem ao todo que, não obstante, reassume meu ponto de vista logo depois, fumando um cigarro.
Eis-me o homem, quase segundo Platão.
Em caso de dúvidas, consulte um de nossos atendentes.
E, para não passar em branco, fui assistir ao Cirque du Soleil, Muito bonito, muito técnico, engraçado às vezes e com pouquíssima emoção. Não tem globo da morte, atirador de facas, elefantes e cães amestrados, os trapezistas tem rede embaixo e a dança nas alturas não esconde a cordinha, tirando toda e qualquer expectativa de uma possível queda da bailarina, estraçalhando-se no chão.
Alguns bons números dos atletas olímpicos são o máximo de paroxismo que atinge o espetáculo.
Bonito mesmo de ver é a multidão em paz, divertindo-se em conjunto, aplaudindo ao ritmo da música, além das crianças maravilhadas e suas gargalhadas gostosas.
Nada é mais lindo do que milhares de pessoas expressando o mesmo sentimento de alegria e prazer mesmo que tenham pago uma fortuna para isso.
Não imagino que os patrocinadores da temporada tenham reservado um espetáculo beneficente para crianças de rua ou moradoras de vilas populares. Nem que fosse para estampar um pouco de alegria naqueles rostinhos maltratados, alguns sorrisos maravilhados nas caras pré-envelhecidas, um pingo de esperança para vidas tão sofridas.
Os patrocinadores, que pagam a conta, falam em inglês, embora a língua oficial do grupo seja o francês canadense.
Time is moneynicas explicativas
quarta-feira, 23 de julho de 2008
VARIAÇÕES EM TORNO DO TEMA FIADASPUTAS
“ISSO TEM QUE TER FIM!”
João Eichbaum
Convidado a dar entrevista sobre os efeitos da chamada “Lei Seca”, para a Zero Hora que adotou, em campanha publicitária, o “slogan” “Isso tem que ter fim”, o ministro Tarso Genro se mostrou satisfeito e - porque não dizer? - vitorioso, já que o, digamos assim, governo Lula escolheu os bêbados como a melhor opção para acabar com as mortes por acidentes de trânsito (para as mortes de quem espera pelo SUS, por enquanto, os bêbados não são culpados) e foi aplaudido pela mesma empresa de comunicação, que fatura muito às custas dos cofres públicos para os quais contribuímos.
Ontem, infelizmente, a realidade mostrou que os bêbados não são os únicos culpados pelos acidentes de trânsito. Treze pessoas morreram, em conseqüência de choque entre uma carreta e um ônibus, na BR 386, causando uma comoção só comparável ao trágico vôo da TAM, há pouco mais de um ano.
Em crônica publicada há poucos dias este escriba denunciava o “inventário” feito com o dinheiro dos bêbados, entre a Brigada, a União e os órgãos municipais, responsáveis pelo trânsito.
Feita a repartição, nem mesmo baldezinhos com piche para tapar buracos se vêm nas estradas e ruas esburacadas. Donde se conclui que o que importa, para o governo, seja ele qual for, é a arrecadação. Afinal quem é que vai pagar mensalão, cartões corporativos, bolsa-família, e sustentar a “ação entre amigos”, como a que se fez no Detran?
Quando a ganância é maior do que a inteligência, é assim que se age: pega-se o dinheiro dos bêbados e o resto que se lixe. Ao invés de aplicar nas estradas a arrecadação que seria especifica - pedágios, multas, IPVA, - o governo recolhe esse dinheiro e dele não presta contas. Notícias sobre tais arrecadações só aparecem através de “CPIs”, que fazem o gosto dos políticos. Mas o dinheiro desaparecido, ou repartido, nunca mais volta.
Fosse duplicado aquele trecho da BR 386, não teria ocorrido o fatal acidente de ontem, vidas e sofrimentos teriam sido poupados. Mas como o dinheiro arrecadado nos pedágios, no IPVA, e agora também nos bolsos dos bêbados desaparece, não há verba orçada para obras e, ao que parece, nem as concessionárias dos pedágios têm qualquer responsabilidade pela segurança das estradas. O que as concessionárias fazem, em primeiro lugar, é arrecadar. Em segundo lugar, tornar as estradas convidativas para a velocidade, sem qualquer segurança.
E as estradas que não estão sob concessão? Ah, dessas o governo nem toma conhecimento. E quando falo em governo falo em todos os políticos de nível municipal, estadual e federal.
Todo o mundo sabe, por exemplo, que Santa Maria tem três ministros no, digamos assim, governo Lula. Mas, o que fazem eles? Como chegam a Santa Maria eles e os deputados do PT que lá vão para “visitar as bases”? Ah, certamente, eles vêm pela “base” aérea. É por isso que não têm conhecimento do estado deplorável daquela coisa que alguns até chamam de rodovia, Santa Maria-Porto Alegre, via Santa Cruz, no trecho que não está entregue às folgadas concessionárias.
Isso, sim, tem que ter fim! Sim, tem que ter fim: a irresponsabilidade, a ganância, a corrupção, o aproveitamento pessoal do dinheiro público. Construam-se estradas com segurança, duplicadas, com pistas amplas, em primeiro lugar, depois saiam a caçar os bêbados, porque aí, sim, em estradas seguras, só eles mesmos serão responsáveis pelos acidentes.
João Eichbaum
Convidado a dar entrevista sobre os efeitos da chamada “Lei Seca”, para a Zero Hora que adotou, em campanha publicitária, o “slogan” “Isso tem que ter fim”, o ministro Tarso Genro se mostrou satisfeito e - porque não dizer? - vitorioso, já que o, digamos assim, governo Lula escolheu os bêbados como a melhor opção para acabar com as mortes por acidentes de trânsito (para as mortes de quem espera pelo SUS, por enquanto, os bêbados não são culpados) e foi aplaudido pela mesma empresa de comunicação, que fatura muito às custas dos cofres públicos para os quais contribuímos.
Ontem, infelizmente, a realidade mostrou que os bêbados não são os únicos culpados pelos acidentes de trânsito. Treze pessoas morreram, em conseqüência de choque entre uma carreta e um ônibus, na BR 386, causando uma comoção só comparável ao trágico vôo da TAM, há pouco mais de um ano.
Em crônica publicada há poucos dias este escriba denunciava o “inventário” feito com o dinheiro dos bêbados, entre a Brigada, a União e os órgãos municipais, responsáveis pelo trânsito.
Feita a repartição, nem mesmo baldezinhos com piche para tapar buracos se vêm nas estradas e ruas esburacadas. Donde se conclui que o que importa, para o governo, seja ele qual for, é a arrecadação. Afinal quem é que vai pagar mensalão, cartões corporativos, bolsa-família, e sustentar a “ação entre amigos”, como a que se fez no Detran?
Quando a ganância é maior do que a inteligência, é assim que se age: pega-se o dinheiro dos bêbados e o resto que se lixe. Ao invés de aplicar nas estradas a arrecadação que seria especifica - pedágios, multas, IPVA, - o governo recolhe esse dinheiro e dele não presta contas. Notícias sobre tais arrecadações só aparecem através de “CPIs”, que fazem o gosto dos políticos. Mas o dinheiro desaparecido, ou repartido, nunca mais volta.
Fosse duplicado aquele trecho da BR 386, não teria ocorrido o fatal acidente de ontem, vidas e sofrimentos teriam sido poupados. Mas como o dinheiro arrecadado nos pedágios, no IPVA, e agora também nos bolsos dos bêbados desaparece, não há verba orçada para obras e, ao que parece, nem as concessionárias dos pedágios têm qualquer responsabilidade pela segurança das estradas. O que as concessionárias fazem, em primeiro lugar, é arrecadar. Em segundo lugar, tornar as estradas convidativas para a velocidade, sem qualquer segurança.
E as estradas que não estão sob concessão? Ah, dessas o governo nem toma conhecimento. E quando falo em governo falo em todos os políticos de nível municipal, estadual e federal.
Todo o mundo sabe, por exemplo, que Santa Maria tem três ministros no, digamos assim, governo Lula. Mas, o que fazem eles? Como chegam a Santa Maria eles e os deputados do PT que lá vão para “visitar as bases”? Ah, certamente, eles vêm pela “base” aérea. É por isso que não têm conhecimento do estado deplorável daquela coisa que alguns até chamam de rodovia, Santa Maria-Porto Alegre, via Santa Cruz, no trecho que não está entregue às folgadas concessionárias.
Isso, sim, tem que ter fim! Sim, tem que ter fim: a irresponsabilidade, a ganância, a corrupção, o aproveitamento pessoal do dinheiro público. Construam-se estradas com segurança, duplicadas, com pistas amplas, em primeiro lugar, depois saiam a caçar os bêbados, porque aí, sim, em estradas seguras, só eles mesmos serão responsáveis pelos acidentes.
terça-feira, 22 de julho de 2008
COLUNA DO MÁRIO SIMON
O SILÊNCIO DA HONRA
Conto de Mário Simon
(Do livro Contos Missioneiros)
Enquanto encilhava do cavalo, repassou de cabeça tudo o que a mulher recomendara. Quem não sabe ler e nem escrever, pra burro não deve servir. Tem de ter cabeça. Sal, fósforo, farinha de trigo, linha, branca, porém, que a preta tá lá, de arrecém costurada a bombacha. Putana, tem otra cosa.
Não se lembrava. Por fim, atravessou no lombo do cavalo uma mala-de-garupa, dez quilos de feijão da cada lado. Deve de dá. Troco tudo pelas compra e sobra, deve sobrá um trago de canha ou mais. Café! Taí, sabia que não era erva. Cabeça!
Montou e meteu os calcanhares nas virilhas do baio velho e saiu a trote. E a trote foi cortando o campo, diminuindo o caminho. A estrada alongava o tempo numa demorada volta à procura de uma pontezinha atrás do capão, lá na várzea.
O gaúcho, no campo vasto, é dono do sentido da liberdade. Se está sozinho, no andar do cavalo, pensa. E pensando, até que dá pro gasto. Mais um ano e boto barriga na Vergínia, largo filho nesse mundo véio. Destino de home é esse mesmo. Cria tem que havê até pra companhia da gente. Tem o caso do gasto, mas na precisão, meto nos pila duas ou três cabeças. Um piá!
Uma perdiz deu seu prrrrrr traiçoeiro no focinho do cavalo e se foi. Acompanhando o vôo direto de bichinho, seu olhar vagueou pela barba-de-bode na direção da baixada. Foi então que avistou um brilho no meio da galharia, lá na boca da picada da ponte. Num instante divisou que era o sol batendo na lataria de um automóvel, parado. Intrigou-se com essa presença, que o patrão anda em viage pro Mato Grosso, ué. Quem poderá de ser?
Não parou. Seguiu descendo a coxilha como que engolido pela paisagem. Lá embaixo, fez alto. Que cuera será esse? E se desse uma bisolhada! Nunca que te facilite, tem gente pra tudo, a patroa sozinha, Vergínia nunca nada resolve. Tem muito tempo pro bolicho. Olhou o sol e deu volta ao cavalo.
Outra vez no alto da coxilha, divisou o automóvel deslocando-se na direção do rancho. La puta! Sou o home da casa, deve de ser comigo. Retornando, sumiu outra vez nas baixadas entre o curioso e apreensivo. No galope, alcançou a última colina já perto da casa. Do alto, divisou o carro à sombra da figueira, na frente dos galpões. Mas sem vivente algum por perto. La puta! Da até pra desconfiá. Nem os cusco se alarmaram. Tem coisa ali!
Ainda a cavalo, rodeou o automóvel. Nada. Desceu em frente a um moirão da cerca, enrolou as rédeas no arame e seguiu até a porta da frente da casa. Nem a cherenga tenho pra um caso qualquer, que em bolicho não se deve ir armado. Pelos fundos. Dou na cozinha e me armo. Então, com pé macio, atravessava o pátio quando, a meio caminho, mas isso é gemido de Vergínia de quando gosta de home nu penetrando os quentes lá dela… esquentada de gozo, prazer de mulher.
Estacou gelado. Nem sabia se um passo dava para frente ou para trás. Uma suspeita antiga, ainda do tempo do noivado. O contador! La puta! É de carro azul, o borrabosta, taí! Me arremeto, pego a faca e castro o fia da puta. É por isso que a Vergínia fica uma jararaca quando falo dele. Tudo verdade o dito do Juvêncio, borracho não mente: te cuide do contador, sou teu amigo, não me leva a mal. E eu caguei ele de pau por causa dessa cadela. Guampudo e não sabia! Me espera sair e chega que nem zorro ladrão! Capo já o cachorro de uma égua. E a arma que não tenho. Fugir e largar pro diabo o fato certo e claro? E a vergonha trancada depois?
Doído e quebrado, depois de momentos indecisos, voltou para o cavalo. Mirou o campo enorme que a pobreza é maior que isso aí. Parece tudo nuviado com essa incerteza, nunca não maginei isso de perto, aí no ouvido, tudo vago e certo, esse campo claro de sol, mas escuro de vista, fico loco de não saber onde está o fim do mundo, me enfio lá. E dói, muito, muito, muito. Quando se deu por si, já estava sobre o cavalo rumando para o bolicho.
O gado pastava perto das mangueiras e algumas vacas já esperavam a abertura do curral. Um bando de garças acompanhava o gado, beliscando aqui e ali o chão. O sol espichava as sombras quando ele estava outra vez apeando em frente à porteira. Trazia as encomendas dentro da mala-de-garupa e cheirava à cachaça. Isso aqui nunca foi tão triste e nem é pra home que se preza. O mundão é maior que tudo e haverá de tê um lugá pra gente limpa. Nunca matei nem nunca robei. A puta véia taí sem mais nem menos.
De fato, Vergínia esperava-o na porta com a cuia do mate na mão. Os cabelos ainda úmidos indicavam que tomara banho recente. Ele desceu a mala-de-garupa largando-a na grama e iniciou a desencilhar o cavalo. Os cachorros cheiravam as compras, e o silêncio triste do campo ficava cada vez maior.
A mulher percebeu alguma diferença no marido, tão quieto. Não era assim de costume. Mas ele largou o cavalo no potreiro, pegou as compras e entrou na casa pelos fundos. Começava a escurecer.
- Você bebeu?
Não houve resposta. Ele tomava água numa caneca e olhava para fora pela janela.
- Você bebeu, eu disse!
- Bebi! Não posso?
Outro silêncio espreitoso, dessa vez da mulher que perdera um pouco a naturalidade esquecendo de oferecer o chimarrão. Ele pegou um balde e saiu em direção às estrebarias. Que mulher é fingidora, pensa que me engana, a vaca. Vai ver, vai ver…
A mesa estava posta, um feijão requentado, coberto de toucinho mal passado, um pedaço de pão e uma caneca de leite. Era tudo, além de um lamparina iluminando fraco na fumaça do óleo diesel. Vergínia esperou muito tempo, depois chamou-o, buscou-o no curral, chorou sozinha. Ele não mais voltou do vazio da noite.
Pela manhã, mal o sol dava o bom-dia ao mundo, via-se uma tropa conduzida por um cavaleiro como a preparar rodeio. Era ele. Mas a tropa foi tomando direção de uma estrada antiga, afastando-se cada vez mais em direção aos fundões do campo, até sumir de vez. E veio o dia total, e veio a tarde e veio a noite.
Na casa, nenhuma janela ou porta se abriu naquele dia. As vacas ficaram encerradas no curral. Os cachorros dormiam nas sombras. E nada mais se movimentou até o dia em que encontraram Vergínia caída ao lado da mesa, na boca ainda uma baba esverdeada, nos olhos, desmesuradamente abertos, o pavor do mundo, na cor, um azulado negro da pele inchada.
Dele, ninguém nunca mais soube.
Conto de Mário Simon
(Do livro Contos Missioneiros)
Enquanto encilhava do cavalo, repassou de cabeça tudo o que a mulher recomendara. Quem não sabe ler e nem escrever, pra burro não deve servir. Tem de ter cabeça. Sal, fósforo, farinha de trigo, linha, branca, porém, que a preta tá lá, de arrecém costurada a bombacha. Putana, tem otra cosa.
Não se lembrava. Por fim, atravessou no lombo do cavalo uma mala-de-garupa, dez quilos de feijão da cada lado. Deve de dá. Troco tudo pelas compra e sobra, deve sobrá um trago de canha ou mais. Café! Taí, sabia que não era erva. Cabeça!
Montou e meteu os calcanhares nas virilhas do baio velho e saiu a trote. E a trote foi cortando o campo, diminuindo o caminho. A estrada alongava o tempo numa demorada volta à procura de uma pontezinha atrás do capão, lá na várzea.
O gaúcho, no campo vasto, é dono do sentido da liberdade. Se está sozinho, no andar do cavalo, pensa. E pensando, até que dá pro gasto. Mais um ano e boto barriga na Vergínia, largo filho nesse mundo véio. Destino de home é esse mesmo. Cria tem que havê até pra companhia da gente. Tem o caso do gasto, mas na precisão, meto nos pila duas ou três cabeças. Um piá!
Uma perdiz deu seu prrrrrr traiçoeiro no focinho do cavalo e se foi. Acompanhando o vôo direto de bichinho, seu olhar vagueou pela barba-de-bode na direção da baixada. Foi então que avistou um brilho no meio da galharia, lá na boca da picada da ponte. Num instante divisou que era o sol batendo na lataria de um automóvel, parado. Intrigou-se com essa presença, que o patrão anda em viage pro Mato Grosso, ué. Quem poderá de ser?
Não parou. Seguiu descendo a coxilha como que engolido pela paisagem. Lá embaixo, fez alto. Que cuera será esse? E se desse uma bisolhada! Nunca que te facilite, tem gente pra tudo, a patroa sozinha, Vergínia nunca nada resolve. Tem muito tempo pro bolicho. Olhou o sol e deu volta ao cavalo.
Outra vez no alto da coxilha, divisou o automóvel deslocando-se na direção do rancho. La puta! Sou o home da casa, deve de ser comigo. Retornando, sumiu outra vez nas baixadas entre o curioso e apreensivo. No galope, alcançou a última colina já perto da casa. Do alto, divisou o carro à sombra da figueira, na frente dos galpões. Mas sem vivente algum por perto. La puta! Da até pra desconfiá. Nem os cusco se alarmaram. Tem coisa ali!
Ainda a cavalo, rodeou o automóvel. Nada. Desceu em frente a um moirão da cerca, enrolou as rédeas no arame e seguiu até a porta da frente da casa. Nem a cherenga tenho pra um caso qualquer, que em bolicho não se deve ir armado. Pelos fundos. Dou na cozinha e me armo. Então, com pé macio, atravessava o pátio quando, a meio caminho, mas isso é gemido de Vergínia de quando gosta de home nu penetrando os quentes lá dela… esquentada de gozo, prazer de mulher.
Estacou gelado. Nem sabia se um passo dava para frente ou para trás. Uma suspeita antiga, ainda do tempo do noivado. O contador! La puta! É de carro azul, o borrabosta, taí! Me arremeto, pego a faca e castro o fia da puta. É por isso que a Vergínia fica uma jararaca quando falo dele. Tudo verdade o dito do Juvêncio, borracho não mente: te cuide do contador, sou teu amigo, não me leva a mal. E eu caguei ele de pau por causa dessa cadela. Guampudo e não sabia! Me espera sair e chega que nem zorro ladrão! Capo já o cachorro de uma égua. E a arma que não tenho. Fugir e largar pro diabo o fato certo e claro? E a vergonha trancada depois?
Doído e quebrado, depois de momentos indecisos, voltou para o cavalo. Mirou o campo enorme que a pobreza é maior que isso aí. Parece tudo nuviado com essa incerteza, nunca não maginei isso de perto, aí no ouvido, tudo vago e certo, esse campo claro de sol, mas escuro de vista, fico loco de não saber onde está o fim do mundo, me enfio lá. E dói, muito, muito, muito. Quando se deu por si, já estava sobre o cavalo rumando para o bolicho.
O gado pastava perto das mangueiras e algumas vacas já esperavam a abertura do curral. Um bando de garças acompanhava o gado, beliscando aqui e ali o chão. O sol espichava as sombras quando ele estava outra vez apeando em frente à porteira. Trazia as encomendas dentro da mala-de-garupa e cheirava à cachaça. Isso aqui nunca foi tão triste e nem é pra home que se preza. O mundão é maior que tudo e haverá de tê um lugá pra gente limpa. Nunca matei nem nunca robei. A puta véia taí sem mais nem menos.
De fato, Vergínia esperava-o na porta com a cuia do mate na mão. Os cabelos ainda úmidos indicavam que tomara banho recente. Ele desceu a mala-de-garupa largando-a na grama e iniciou a desencilhar o cavalo. Os cachorros cheiravam as compras, e o silêncio triste do campo ficava cada vez maior.
A mulher percebeu alguma diferença no marido, tão quieto. Não era assim de costume. Mas ele largou o cavalo no potreiro, pegou as compras e entrou na casa pelos fundos. Começava a escurecer.
- Você bebeu?
Não houve resposta. Ele tomava água numa caneca e olhava para fora pela janela.
- Você bebeu, eu disse!
- Bebi! Não posso?
Outro silêncio espreitoso, dessa vez da mulher que perdera um pouco a naturalidade esquecendo de oferecer o chimarrão. Ele pegou um balde e saiu em direção às estrebarias. Que mulher é fingidora, pensa que me engana, a vaca. Vai ver, vai ver…
A mesa estava posta, um feijão requentado, coberto de toucinho mal passado, um pedaço de pão e uma caneca de leite. Era tudo, além de um lamparina iluminando fraco na fumaça do óleo diesel. Vergínia esperou muito tempo, depois chamou-o, buscou-o no curral, chorou sozinha. Ele não mais voltou do vazio da noite.
Pela manhã, mal o sol dava o bom-dia ao mundo, via-se uma tropa conduzida por um cavaleiro como a preparar rodeio. Era ele. Mas a tropa foi tomando direção de uma estrada antiga, afastando-se cada vez mais em direção aos fundões do campo, até sumir de vez. E veio o dia total, e veio a tarde e veio a noite.
Na casa, nenhuma janela ou porta se abriu naquele dia. As vacas ficaram encerradas no curral. Os cachorros dormiam nas sombras. E nada mais se movimentou até o dia em que encontraram Vergínia caída ao lado da mesa, na boca ainda uma baba esverdeada, nos olhos, desmesuradamente abertos, o pavor do mundo, na cor, um azulado negro da pele inchada.
Dele, ninguém nunca mais soube.
segunda-feira, 21 de julho de 2008
VARIAÇÕES EM TORNO DO TEMA FIADASPUTAS
QUEM SAI AOS SEUS NÃO DEGENERA
João Eichbaum
Não há outra alternativa. Ou você acredita na historinha da bíblia, segundo a qual Deus fez o homem de barro e lhe deu a vida através de um sopro, tirando-lhe uma costela para fazer a mulher ou, olhando aquela baranga ruiva e bigoduda com cara de travesti, que arrasta uma criança ranhenta, como se fosse uma mala com cordinha, se convence: Darwin está com a razão e não tem essa história de homem feito de barro e mulher feita de costela.
Na primeira hipótese, você há de admitir que o Deus, no qual você acredita, é um irresponsável. Sendo um onisciente, conhecendo o presente, o passado e o futuro, sabendo, portanto, que o homem ia comer (em qualquer sentido que se dê ao verbo) o fruto proibido e se tornar essa coisa que aí está, inventou-o, soprou-lhe a vida, tirou-lhe uma costela para fazer a mulher e o entregou à própria sorte.
Mas, se você for evolucionista, não será levado a cobrar, de quem quer que seja, a criação desse primata egoísta e forrado de hipocrisia. Você vai encará-lo com naturalidade porque, saindo donde saiu, não poderia ter melhorado muito, em apenas dois milhões de anos, segundo a conta feita por Geoffrey Blainey, em “ A very short history of the world”.
É a partir da constatação de Darwin que a gente fica sabendo por que razão os políticos são enganadores e corruptos. Sendo parentes próximos de bonobos e chimpanzés, eles não poderiam ser muito melhores do que são. Vejam o que diz Frans de Vaal, um dos mais respeitáveis primatólogos do mundo, no seu livro “ Our inner ape – A leading primatologist explains why we are who we are”, traduzido como “Eu, primata”, em edição brasileira: “ o chimpanzé, brutal e sedento de poder, contrasta com o pacato e erótico bonobo”. Quem conhece Fidel Castro e Bill Clinton (ou o Calheiros, uma versão brasileira do Clinton) não deixa de dar razão a Frans de Vaal, discípulo de Darwin.
Esse longo caminho entre a animalidade e a racionalidade, que marca a evolução do primata humano, ainda está em curso, desde que se considere a espécie como um todo: muitos primatas humanos ainda estão mais próximos da animalidade do que da racionalidade. Os que estão mais próximos da racionalidade são muito poucos e procuram não se misturar com os primeiros, salvo se for para tirar algum proveito. Donde se conclui que nem os racionais são melhores.
Esse misto de animalidade e racionalidade, com uma preponderando sobre a outra, numa proporção que varia de primata para primata, é que tem escrito a nossa história desde os antropóides até o Chaves, passando pelo Lula, pelo Getúlio Vargas, pelo FHC, pelo Clinton, pela Dilma Roussef, pelo Fidel Castro, pelo Sadam Hussein e outros menos lembrados.
A busca pelo poder é uma exigência da animalidade, cuja força centrífuga está no ego, e o homem usa a racionalidade (nas democracias) para satisfazê-la. Nos Estados tirânicos ou totalitários a animalidade se usa a si mesma como instrumento, representando a força que gera o medo e a conseqüente dominação.
Exemplos de animalidade e racionalidade, no comportamento do homem temos todos os dias diante dos olhos. Assim, a hipocrisia, que é fruto da racionalidade, inventa leis burras como o desarmamento, a intolerância ao fumo e ao álcool, e a tolerância às drogas (bêbado não pode dirigir, drogado, sim), enquanto, na outra ponta, a animalidade metralha criancinhas inocentes, em defesa de cuja vida a “Lei Seca” foi hipocritamente sancionada.
Como se vê, bonobos e chimpanzés continuam muito bem representados na espécie humana.
João Eichbaum
Não há outra alternativa. Ou você acredita na historinha da bíblia, segundo a qual Deus fez o homem de barro e lhe deu a vida através de um sopro, tirando-lhe uma costela para fazer a mulher ou, olhando aquela baranga ruiva e bigoduda com cara de travesti, que arrasta uma criança ranhenta, como se fosse uma mala com cordinha, se convence: Darwin está com a razão e não tem essa história de homem feito de barro e mulher feita de costela.
Na primeira hipótese, você há de admitir que o Deus, no qual você acredita, é um irresponsável. Sendo um onisciente, conhecendo o presente, o passado e o futuro, sabendo, portanto, que o homem ia comer (em qualquer sentido que se dê ao verbo) o fruto proibido e se tornar essa coisa que aí está, inventou-o, soprou-lhe a vida, tirou-lhe uma costela para fazer a mulher e o entregou à própria sorte.
Mas, se você for evolucionista, não será levado a cobrar, de quem quer que seja, a criação desse primata egoísta e forrado de hipocrisia. Você vai encará-lo com naturalidade porque, saindo donde saiu, não poderia ter melhorado muito, em apenas dois milhões de anos, segundo a conta feita por Geoffrey Blainey, em “ A very short history of the world”.
É a partir da constatação de Darwin que a gente fica sabendo por que razão os políticos são enganadores e corruptos. Sendo parentes próximos de bonobos e chimpanzés, eles não poderiam ser muito melhores do que são. Vejam o que diz Frans de Vaal, um dos mais respeitáveis primatólogos do mundo, no seu livro “ Our inner ape – A leading primatologist explains why we are who we are”, traduzido como “Eu, primata”, em edição brasileira: “ o chimpanzé, brutal e sedento de poder, contrasta com o pacato e erótico bonobo”. Quem conhece Fidel Castro e Bill Clinton (ou o Calheiros, uma versão brasileira do Clinton) não deixa de dar razão a Frans de Vaal, discípulo de Darwin.
Esse longo caminho entre a animalidade e a racionalidade, que marca a evolução do primata humano, ainda está em curso, desde que se considere a espécie como um todo: muitos primatas humanos ainda estão mais próximos da animalidade do que da racionalidade. Os que estão mais próximos da racionalidade são muito poucos e procuram não se misturar com os primeiros, salvo se for para tirar algum proveito. Donde se conclui que nem os racionais são melhores.
Esse misto de animalidade e racionalidade, com uma preponderando sobre a outra, numa proporção que varia de primata para primata, é que tem escrito a nossa história desde os antropóides até o Chaves, passando pelo Lula, pelo Getúlio Vargas, pelo FHC, pelo Clinton, pela Dilma Roussef, pelo Fidel Castro, pelo Sadam Hussein e outros menos lembrados.
A busca pelo poder é uma exigência da animalidade, cuja força centrífuga está no ego, e o homem usa a racionalidade (nas democracias) para satisfazê-la. Nos Estados tirânicos ou totalitários a animalidade se usa a si mesma como instrumento, representando a força que gera o medo e a conseqüente dominação.
Exemplos de animalidade e racionalidade, no comportamento do homem temos todos os dias diante dos olhos. Assim, a hipocrisia, que é fruto da racionalidade, inventa leis burras como o desarmamento, a intolerância ao fumo e ao álcool, e a tolerância às drogas (bêbado não pode dirigir, drogado, sim), enquanto, na outra ponta, a animalidade metralha criancinhas inocentes, em defesa de cuja vida a “Lei Seca” foi hipocritamente sancionada.
Como se vê, bonobos e chimpanzés continuam muito bem representados na espécie humana.
domingo, 20 de julho de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
REFLEXÕES PRÉ-ONÍRICAS
PAULO WAINBERG
O que será que as pessoas pensam no exato instante em que, com a cabeça no travesseiro, sentem o sono chegando e sabem que vão adormecer?
Ocorreu-me esta pergunta hoje de manhã, durante um engarrafamento homérico por causa de uma sinaleira estragada. Acho que foram as buzinas ultrapassando meus vidros fechados e abafando “um cantinho o violão” que tocava no rádio.
Acho que os rituais pré-berço são semelhantes, em condições privilegiadas de existência tais como: ter casa para morar, banheiro, água nas torneiras e, entre outras, cama e travesseiro. E cobertor para o frio. Porque as outras pessoas devem pensar apenas na sobrevivência, na comida de amanhã, no remédio para o filho e infelizmente são muitas. Talvez a maioria.
Volto aos privilegiados: Uns tomam banho, escovam os dentes, lavam o rosto, tiram a pintura, botam as redes no cabelo, depilam as sobrancelhas, desodorizam os sovacos, enfiam pijamas, camisolas ou tiram tudo, coçam atrás das orelhas, assoam o nariz, usam chinelas e chambres, tiram lentes de contato, lavam os óculos, assoam o nariz de novo, trocam o OB, penteiam os cabelos, lustram as carecas, arrotam por cima e por baixo, esfregam a barriga, examinam a zona do agrião, ao vivo e no espelho, esfregam mais a barriga e vão para a cama. Há os que ficam lendo, há os que assistem televisão, tem a turma das palavras cruzadas, o pessoal que ouve rádio, casais conversam fundamentos vitais, ajustam contas (lato senso), tiram o filho da cama e levam para o berço, folheiam revistas, fazem alongamentos horizontais, voltam a levar o filho para o berço, queixam da vida, juram alguém de morte, prometem vinganças furiosas, morrem de medo da reunião ou do exame amanhã de manhã, trocam confidências, mentem, levam o neto para o berço, pedem desculpas e finalmente, viram de lado para dormir, não sem antes levar o filho ou neto para o berço mais uma vez ou enfiar um dedo no nariz.
Este é o momento que me interessa. Quando a criatura está com ela mesma, os olhos fechados no quarto escuro (ou semi-escuro, há os que têm medo do escuro), tentando relaxar, não há alternativa, o sono vem vindo, aí! Justamente aí, no que é que elas pensam?
Não vou me omitir e revelo sem pudor no que é que eu penso: em coisa boa. Por favor, não me pergunte o que eu entendo por “coisa boa”, não é justo e eu não vou dizer e, além do mais, o que é bom para um não é necessariamente bom para outro, muito embora nesse caso eu ache que sim, é.
Falando sério, os últimos pensamentos de cada um antes de dormir devem ser fascinantes, de uma riqueza assim intensa que no dia seguinte, ao acordar, esqueceu-se totalmente de tudo.
É ou não é? Pergunte ao primeiro que passar no que foi que ele pensou ontem, antes de adormecer. Aposto que ele não lembra.
Posso imaginar alguns pensamentos pré-oníricos, por exemplo, o que fazer com o dinheiro da mega-sena, onde levá-la quando ela aceitar seu convite, arrumar as malas e nunca mais por os pés nesta casa, quando será que este guri vai tomar jeito? (pai), será que ela usa camisinha? (mãe), até quando vou agüentar essa gozação? (gremista), por que tudo dá errado comigo? (garota de quinze anos), eu tenho que comer alguém, eu tenho que comer alguém (garoto de treze anos) e assim por diante. São milhares, bilhões, os pensamentos que se pode ter logo antes de pegar no sono e todos eles relevantes, importantes, decisivos, fundamentais, cruciais, essenciais, dramáticos, hilariantes mas nenhum a valer, de verdade, com conseqüência prática no dia seguinte.
Porque antes de adormecer queremos adormecer e nada mais. Que o sono venha e nos desligue por algumas horas, nos deixe a mercê de sonhos que sejam mais ou menos salubres. E, que ninguém duvide, uma das melhores sensações que existe é despertar de um pesadelo e verificar que todo aquele horror não passou de um sonho. Também é horrível acordar exatamente na hora em que o beijo ia ser dado....
Conversa vai, conversa vem, acabei ampliando minha curiosidade para os pensamentos pré-momentos decisivos: Entro ou não entro neste avião? Será que este lago é fundo? Não se preocupe, estou com a corda bem amarrada... Acho que ainda cabe mais um copo na bandeja... Mais uma dose não vai fazer mal... Agora não dá para parar para enfiar a camisinha...Se ele se jogou eu também posso...Assino ou não assino como fiador?... Compro ou não compro, dou ou não dou, etc, etc, etc, dúvidas que surgem em forma de pensamento e que, dependendo da sua resposta, leva você para um lado ou para o outro, quase sempre o outro, que é o pior.
Já aprendi, após longas horas de meditação que, em caso de dúvida não devo escolher. Entrego minha sorte ao acaso e, ao contrário de muitos, não estabeleço uma relação de causa e efeito preliminar, recordando cada gesto antes praticado que pode levar a tal ou qual infortúnio.
Por isso aposto sempre os mesmos números porque, conforme uma lei da economia que inventei há alguns anos, a única forma de ter certeza do resultado é comprar na alta e vender na baixa. É infalível.
E antes de dormir revelo, em respeito à sua insistência, que sempre penso que vou conseguir aquela coisa gostosa que eu quero tanto e jamais movi um rinoceronte para conseguir.
PAULO WAINBERG
O que será que as pessoas pensam no exato instante em que, com a cabeça no travesseiro, sentem o sono chegando e sabem que vão adormecer?
Ocorreu-me esta pergunta hoje de manhã, durante um engarrafamento homérico por causa de uma sinaleira estragada. Acho que foram as buzinas ultrapassando meus vidros fechados e abafando “um cantinho o violão” que tocava no rádio.
Acho que os rituais pré-berço são semelhantes, em condições privilegiadas de existência tais como: ter casa para morar, banheiro, água nas torneiras e, entre outras, cama e travesseiro. E cobertor para o frio. Porque as outras pessoas devem pensar apenas na sobrevivência, na comida de amanhã, no remédio para o filho e infelizmente são muitas. Talvez a maioria.
Volto aos privilegiados: Uns tomam banho, escovam os dentes, lavam o rosto, tiram a pintura, botam as redes no cabelo, depilam as sobrancelhas, desodorizam os sovacos, enfiam pijamas, camisolas ou tiram tudo, coçam atrás das orelhas, assoam o nariz, usam chinelas e chambres, tiram lentes de contato, lavam os óculos, assoam o nariz de novo, trocam o OB, penteiam os cabelos, lustram as carecas, arrotam por cima e por baixo, esfregam a barriga, examinam a zona do agrião, ao vivo e no espelho, esfregam mais a barriga e vão para a cama. Há os que ficam lendo, há os que assistem televisão, tem a turma das palavras cruzadas, o pessoal que ouve rádio, casais conversam fundamentos vitais, ajustam contas (lato senso), tiram o filho da cama e levam para o berço, folheiam revistas, fazem alongamentos horizontais, voltam a levar o filho para o berço, queixam da vida, juram alguém de morte, prometem vinganças furiosas, morrem de medo da reunião ou do exame amanhã de manhã, trocam confidências, mentem, levam o neto para o berço, pedem desculpas e finalmente, viram de lado para dormir, não sem antes levar o filho ou neto para o berço mais uma vez ou enfiar um dedo no nariz.
Este é o momento que me interessa. Quando a criatura está com ela mesma, os olhos fechados no quarto escuro (ou semi-escuro, há os que têm medo do escuro), tentando relaxar, não há alternativa, o sono vem vindo, aí! Justamente aí, no que é que elas pensam?
Não vou me omitir e revelo sem pudor no que é que eu penso: em coisa boa. Por favor, não me pergunte o que eu entendo por “coisa boa”, não é justo e eu não vou dizer e, além do mais, o que é bom para um não é necessariamente bom para outro, muito embora nesse caso eu ache que sim, é.
Falando sério, os últimos pensamentos de cada um antes de dormir devem ser fascinantes, de uma riqueza assim intensa que no dia seguinte, ao acordar, esqueceu-se totalmente de tudo.
É ou não é? Pergunte ao primeiro que passar no que foi que ele pensou ontem, antes de adormecer. Aposto que ele não lembra.
Posso imaginar alguns pensamentos pré-oníricos, por exemplo, o que fazer com o dinheiro da mega-sena, onde levá-la quando ela aceitar seu convite, arrumar as malas e nunca mais por os pés nesta casa, quando será que este guri vai tomar jeito? (pai), será que ela usa camisinha? (mãe), até quando vou agüentar essa gozação? (gremista), por que tudo dá errado comigo? (garota de quinze anos), eu tenho que comer alguém, eu tenho que comer alguém (garoto de treze anos) e assim por diante. São milhares, bilhões, os pensamentos que se pode ter logo antes de pegar no sono e todos eles relevantes, importantes, decisivos, fundamentais, cruciais, essenciais, dramáticos, hilariantes mas nenhum a valer, de verdade, com conseqüência prática no dia seguinte.
Porque antes de adormecer queremos adormecer e nada mais. Que o sono venha e nos desligue por algumas horas, nos deixe a mercê de sonhos que sejam mais ou menos salubres. E, que ninguém duvide, uma das melhores sensações que existe é despertar de um pesadelo e verificar que todo aquele horror não passou de um sonho. Também é horrível acordar exatamente na hora em que o beijo ia ser dado....
Conversa vai, conversa vem, acabei ampliando minha curiosidade para os pensamentos pré-momentos decisivos: Entro ou não entro neste avião? Será que este lago é fundo? Não se preocupe, estou com a corda bem amarrada... Acho que ainda cabe mais um copo na bandeja... Mais uma dose não vai fazer mal... Agora não dá para parar para enfiar a camisinha...Se ele se jogou eu também posso...Assino ou não assino como fiador?... Compro ou não compro, dou ou não dou, etc, etc, etc, dúvidas que surgem em forma de pensamento e que, dependendo da sua resposta, leva você para um lado ou para o outro, quase sempre o outro, que é o pior.
Já aprendi, após longas horas de meditação que, em caso de dúvida não devo escolher. Entrego minha sorte ao acaso e, ao contrário de muitos, não estabeleço uma relação de causa e efeito preliminar, recordando cada gesto antes praticado que pode levar a tal ou qual infortúnio.
Por isso aposto sempre os mesmos números porque, conforme uma lei da economia que inventei há alguns anos, a única forma de ter certeza do resultado é comprar na alta e vender na baixa. É infalível.
E antes de dormir revelo, em respeito à sua insistência, que sempre penso que vou conseguir aquela coisa gostosa que eu quero tanto e jamais movi um rinoceronte para conseguir.
sexta-feira, 18 de julho de 2008
COLUNA DO MÁRIO SIMON
OS PADRES NÃO TÊM MUITOS AMIGOS
Crônica de Mário Simon
A morte não é um desenho da vida, e pode ser muito mais um acontecimento social do que a perda insolúvel de um ente querido, insubstituível quanto a sua individualidade e quase sempre irreparável no que significam os dons que se vão com ela, a “indesejada das gentes”, como diz Manuel Bandeira.
A morte é insolúvel porque o homem, no resumo dos resumos, e fixando-se a si mesmo no mais profundo de seu ser, não obtém uma resposta clara de sua presença que aponta inexorável para ele mesmo. Ninguém se demora no fatalismo do “Memento homo quia es pulvis et in pulverem reverteris”, palavras latinas que os sacerdotes proferem na quarta-feira de cinzas, depois do carnaval, e que significam “Lembra-te, homem, de que és pó e em pó te hás de tornar”. Duras palavras que voam como borboletas descompromissadas. A morte sempre é a dos outros, não a nossa. E como me dizia um amigo pra lá de espirituoso, “claro que sempre a morte é a dos outros: por acaso tu podes ver a tua própria morte”? Piada de péssimo ânimo!
Mas por que tenho essa introdução nada simpática com tanto assunto para abordar? A morte sempre foi um tema do qual o homem foge como as lebres do incêndio do campo. A resposta vem do título acima, também nada animoso e muito enigmático. Eu digo!
Ele nascera em Espumoso, no distante 1928. Filho de colonos italianos, e seu destino poderia ser o de todos os colonos, ou dos colonos que migraram para a indústria, ou dos colonos que optaram pelo comércio. E hoje estaria por aí, cheio de filhos, netos, poderoso ou não, respeitado ou não, mas com uma história de família própria e descendência generosa. Ou, então, como milhares de filhos de colonos que, nascidos em berço religioso, buscaram nos severos bancos dos seminários os caminhos do sacerdócio e as experiências profundas da fé e do saber teológico, secundados pela opção suprema por uma vida dedicada ao bem-estar dos outros, ao consolo dos que sofrem, ao desvelo dos que erram e se arrependem, à luz que ilumina os possuídos em transes de amargura e insegurança. A dor de todos será também a dor dele. E nessa opção extraordinária estão contidas a abnegação no seu sentido mais amplo e a plena doação sem volta, aquela doação que é perene e tem mão única, isto é, não imagina que se lhe sejam retribuídas suas renúncias e dedicação.
Pois, de certa forma, essa mão única que trilha quem se doa inteiramente a outrem, de certa forma o isola e o empurra para pequenas ou grandes solidões só superadas na alegria inefável da fé e na crença da ventura celeste. Não se trata da alegria do dever cumprido, mas de uma realização íntima, superior só entendida entre as grandes almas e o Criador.
Ela nascera em Espumoso, já disse. Faleceu em Santo Ângelo há poucos dias. Seu nome, Leoclydes Cláudio Basso. Um andarilho do Evangelho, como ele mesmo dizia de si ao referir-se que servira a um grande número de paróquias nas dioceses de Uruguaiana, Santo Ângelo e Cruz Alta nos seus 54 anos de trabalho, sem clemência para si e com muita piedade para os outros. No entardecer da vida, estava em Santo Ângelo, próximo aos seus familiares, doente, sem as forças de que necessitava para ir até o fim com o dinamismo que sempre o acompanhou. Mesmo assim, o sorriso ainda prendia os poucos amigos que lhe restavam. Mas quem sabia disso tudo?
Quando Deus lhe disse, “basta, vem comigo”, ele estava pronto há muito tempo. E foi. E eu estava lá na sua última missa, ele com apenas o corpo presente, e estava lá quando o fecharam na tumba para sempre. Ouvia rezas que ele não ouviria mais e nem mais poderia sentir a tristeza que havia no ar, pois que aquele que doou toda sua vida para tantos milhares de pessoas, descia à terra rodeado de um punhado de amigos, familiares e poucos fiéis.
É, a doação, a verdadeira doação é um caminho de mão única, e por isso doador e beneficiados não se cruzam mais. A esperança é o encontro na vida eterna.
Crônica de Mário Simon
A morte não é um desenho da vida, e pode ser muito mais um acontecimento social do que a perda insolúvel de um ente querido, insubstituível quanto a sua individualidade e quase sempre irreparável no que significam os dons que se vão com ela, a “indesejada das gentes”, como diz Manuel Bandeira.
A morte é insolúvel porque o homem, no resumo dos resumos, e fixando-se a si mesmo no mais profundo de seu ser, não obtém uma resposta clara de sua presença que aponta inexorável para ele mesmo. Ninguém se demora no fatalismo do “Memento homo quia es pulvis et in pulverem reverteris”, palavras latinas que os sacerdotes proferem na quarta-feira de cinzas, depois do carnaval, e que significam “Lembra-te, homem, de que és pó e em pó te hás de tornar”. Duras palavras que voam como borboletas descompromissadas. A morte sempre é a dos outros, não a nossa. E como me dizia um amigo pra lá de espirituoso, “claro que sempre a morte é a dos outros: por acaso tu podes ver a tua própria morte”? Piada de péssimo ânimo!
Mas por que tenho essa introdução nada simpática com tanto assunto para abordar? A morte sempre foi um tema do qual o homem foge como as lebres do incêndio do campo. A resposta vem do título acima, também nada animoso e muito enigmático. Eu digo!
Ele nascera em Espumoso, no distante 1928. Filho de colonos italianos, e seu destino poderia ser o de todos os colonos, ou dos colonos que migraram para a indústria, ou dos colonos que optaram pelo comércio. E hoje estaria por aí, cheio de filhos, netos, poderoso ou não, respeitado ou não, mas com uma história de família própria e descendência generosa. Ou, então, como milhares de filhos de colonos que, nascidos em berço religioso, buscaram nos severos bancos dos seminários os caminhos do sacerdócio e as experiências profundas da fé e do saber teológico, secundados pela opção suprema por uma vida dedicada ao bem-estar dos outros, ao consolo dos que sofrem, ao desvelo dos que erram e se arrependem, à luz que ilumina os possuídos em transes de amargura e insegurança. A dor de todos será também a dor dele. E nessa opção extraordinária estão contidas a abnegação no seu sentido mais amplo e a plena doação sem volta, aquela doação que é perene e tem mão única, isto é, não imagina que se lhe sejam retribuídas suas renúncias e dedicação.
Pois, de certa forma, essa mão única que trilha quem se doa inteiramente a outrem, de certa forma o isola e o empurra para pequenas ou grandes solidões só superadas na alegria inefável da fé e na crença da ventura celeste. Não se trata da alegria do dever cumprido, mas de uma realização íntima, superior só entendida entre as grandes almas e o Criador.
Ela nascera em Espumoso, já disse. Faleceu em Santo Ângelo há poucos dias. Seu nome, Leoclydes Cláudio Basso. Um andarilho do Evangelho, como ele mesmo dizia de si ao referir-se que servira a um grande número de paróquias nas dioceses de Uruguaiana, Santo Ângelo e Cruz Alta nos seus 54 anos de trabalho, sem clemência para si e com muita piedade para os outros. No entardecer da vida, estava em Santo Ângelo, próximo aos seus familiares, doente, sem as forças de que necessitava para ir até o fim com o dinamismo que sempre o acompanhou. Mesmo assim, o sorriso ainda prendia os poucos amigos que lhe restavam. Mas quem sabia disso tudo?
Quando Deus lhe disse, “basta, vem comigo”, ele estava pronto há muito tempo. E foi. E eu estava lá na sua última missa, ele com apenas o corpo presente, e estava lá quando o fecharam na tumba para sempre. Ouvia rezas que ele não ouviria mais e nem mais poderia sentir a tristeza que havia no ar, pois que aquele que doou toda sua vida para tantos milhares de pessoas, descia à terra rodeado de um punhado de amigos, familiares e poucos fiéis.
É, a doação, a verdadeira doação é um caminho de mão única, e por isso doador e beneficiados não se cruzam mais. A esperança é o encontro na vida eterna.
quarta-feira, 16 de julho de 2008
PORQUE NÃO ACREDITO NA JUSTIÇA
ESSE CIRCO CHAMADO JUSTIÇA
João Eichbaum
Viu só, no que deu? Concurso de beleza no Judiciário. Prende e solta, solta e prende. E não podia faltar o “sabe com quem tá falando?”
O juiz de carreira, concursado, Fausto de Sanctis, que leva seu sobrenome literalmente no ablativo plural, foi linchado, funcionalmente, em público, pelo juiz Gilmar Mendes, que correu por fora, não prestou concurso e se transformou em magistrado, de uma hora para outra, por ser amigo do Fernando Henrique Cardoso.
Mas a coisa não ficou por isso mesmo. O Gilmar também levou o dele: foi linchado moralmente pelo público brasileiro, por ter libertado um “colarinho branco” cheio da grana.
Para justificar sua atitude diz o Gilmar que “temos estrutura constitucional, e cabe ao Supremo guardar e velar pela Constituição em última instância. Ele erra e acerta por último”.
Então quer dizer que o senhor Gilmar, que não prestou concurso para juiz, tá se achando? Ele se acha o “Supremo”? Ele, pessoa física, acha que uma entidade abstrata encarnou nele, tal como uma juíza aí do interior que se chamou de “Justiça Federal”?
Para que você não fique achando que ele é o “Supremo”, como ele se acha, vou lhe explicar. O “Supremo”, a que ele se refere é o chamado Supremo Tribunal Federal uma entidade abstrata, como se disse acima, que só tem voz definitiva com o voto da maioria de seus membros. Um tribunal não é uma pessoa. Uma pessoa que pertence a um tribunal é simplesmente um juiz e ele não se confunde com o tribunal.
O senhor Gilmar Mendes não tem competência jurisdicional para decidir “em nome do Supremo”. Tanto que sua decisão, essa que botou na rua um cara cheio da grana, só terá eficácia se o Supremo, pela maioria dos componentes da Turma e, posteriormente, se recurso houver, pela maioria dos componentes do Tribunal, a mantiver.
Por enquanto, o senhor Gilmar decidiu por conta própria, por razões de foro inteiramente pessoal. Ele não é a “última instância” a que se referem suas palavras, na explicação que teve que dar para a imprensa e para o povo brasileiro. Sua decisão é provisória, e todas as pedradas que ele levou não se dirigem ao Supremo Tribunal Federal.
Ah, sim, o Supremo. O Supremo é a “suprema” aspiração dos bacharéis em direito deste país, inventado por portugueses. O cara entra lá, ganha uma grana federal e carrega na frente do nome, para sempre, a palavra “ministro”. O ministro do Supremo sabe tudo, “acerta e erra por último”, como diz o Mendes – não aquele da Brigada, nem o outro do Juventude, o carrasco do Inter, mas o Mendes do Supremo.
O ministro do Supremo está acima do bem e do mal – foi essa a intenção do Mendes, quando encheu a boca pra dizer que o Supremo “acerta e erra por último”. E para chegar lá, como ministro, o cara não precisa de concurso, nem prática de advocacia. Basta ser amigo, ou amigo dos amigos do Presidente da República. Aí, qualquer um serve e passa a ter um “cérebro iluminado”. Nem precisa pagar IPTU. Tudo dentro do esquema, para que, mesmo enrabada, a nação pareça feliz, pensando que é efeito do elixir parigórico.
João Eichbaum
Viu só, no que deu? Concurso de beleza no Judiciário. Prende e solta, solta e prende. E não podia faltar o “sabe com quem tá falando?”
O juiz de carreira, concursado, Fausto de Sanctis, que leva seu sobrenome literalmente no ablativo plural, foi linchado, funcionalmente, em público, pelo juiz Gilmar Mendes, que correu por fora, não prestou concurso e se transformou em magistrado, de uma hora para outra, por ser amigo do Fernando Henrique Cardoso.
Mas a coisa não ficou por isso mesmo. O Gilmar também levou o dele: foi linchado moralmente pelo público brasileiro, por ter libertado um “colarinho branco” cheio da grana.
Para justificar sua atitude diz o Gilmar que “temos estrutura constitucional, e cabe ao Supremo guardar e velar pela Constituição em última instância. Ele erra e acerta por último”.
Então quer dizer que o senhor Gilmar, que não prestou concurso para juiz, tá se achando? Ele se acha o “Supremo”? Ele, pessoa física, acha que uma entidade abstrata encarnou nele, tal como uma juíza aí do interior que se chamou de “Justiça Federal”?
Para que você não fique achando que ele é o “Supremo”, como ele se acha, vou lhe explicar. O “Supremo”, a que ele se refere é o chamado Supremo Tribunal Federal uma entidade abstrata, como se disse acima, que só tem voz definitiva com o voto da maioria de seus membros. Um tribunal não é uma pessoa. Uma pessoa que pertence a um tribunal é simplesmente um juiz e ele não se confunde com o tribunal.
O senhor Gilmar Mendes não tem competência jurisdicional para decidir “em nome do Supremo”. Tanto que sua decisão, essa que botou na rua um cara cheio da grana, só terá eficácia se o Supremo, pela maioria dos componentes da Turma e, posteriormente, se recurso houver, pela maioria dos componentes do Tribunal, a mantiver.
Por enquanto, o senhor Gilmar decidiu por conta própria, por razões de foro inteiramente pessoal. Ele não é a “última instância” a que se referem suas palavras, na explicação que teve que dar para a imprensa e para o povo brasileiro. Sua decisão é provisória, e todas as pedradas que ele levou não se dirigem ao Supremo Tribunal Federal.
Ah, sim, o Supremo. O Supremo é a “suprema” aspiração dos bacharéis em direito deste país, inventado por portugueses. O cara entra lá, ganha uma grana federal e carrega na frente do nome, para sempre, a palavra “ministro”. O ministro do Supremo sabe tudo, “acerta e erra por último”, como diz o Mendes – não aquele da Brigada, nem o outro do Juventude, o carrasco do Inter, mas o Mendes do Supremo.
O ministro do Supremo está acima do bem e do mal – foi essa a intenção do Mendes, quando encheu a boca pra dizer que o Supremo “acerta e erra por último”. E para chegar lá, como ministro, o cara não precisa de concurso, nem prática de advocacia. Basta ser amigo, ou amigo dos amigos do Presidente da República. Aí, qualquer um serve e passa a ter um “cérebro iluminado”. Nem precisa pagar IPTU. Tudo dentro do esquema, para que, mesmo enrabada, a nação pareça feliz, pensando que é efeito do elixir parigórico.
terça-feira, 15 de julho de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
Crônicas crônicas
TESTE PARAPSICOLÓGICO
Paulo Wainberg
No intuito de contribuir com as angústias, aspirações, desejos ocultos, ambições, desvios de conduta, espíritos de porco, imperativos morais e manifestações atípicas, esta educativa coluna propõe - a partir de observações acuradas e reflexões esquizofrênicas de e sobre o cotidiano dos famosos - o teste abaixo, um dos mais complexos e completos dentre tantos outros que se propõem a definir personalidades e caráter de quem quer que seja.
O jornal de domingo publica entrevistas com famosos, uma seção que gosto muito de ler. Em geral são artistas, cantores, personalidades que se destacam e as perguntas pretendem obter um perfil do cotidiano dessas pessoas.
Meu proverbial espírito pesquisador não ia ficar imune à natureza das respostas dadas e por isso sistematizei a coisa, criando dois grandes grupos de respostas.
O primeiro deles, que denominei de “falsos” abrange respostas pedantes, eruditas, estilosas, fazendo gênero e vendendo imagem. O segundo, que denominei de semi falsos contem as respostas politicamente corretas, o cara se mostrando ajeitadinho, certinho, arrumadinho e bem comportadinho.
Para satisfazer sua imensa curiosidade a respeito deste tema, curiosidade que vem corroendo seus dias e suas noites, mostro agora o fruto deste trabalho exaustivo que me ocupou nos últimos anos com a mesma intensidade da investigação que fiz sobre o sistema reprodutivo das tatuiras, aquele bichinho que se enterra nas areias da praia. As respostas “a” são as falsas, as “b” são as semi falsas e as “c” são as minhas que é, eu sei, o que você quer mesmo saber.
1) Qual a sua idéia de um domingo perfeito?
a) Caminhar de manhã, almoço com a família, ler um bom livro (ninguém lê um mau livro, impressionante) escutando qualquer obra de Corelli ou Gounaud, cinema ou teatro no fim do dia.
b) Dormir até as dez, brincar com as crianças, almoço com a família, levar os filhos ao parque, ler um bom livro, pegar um cineminha ou ir ao teatro.
c) Quando acabarem com a segunda-feira!
2) O que dispara o seu lado consumista?
a) Lojas de música, livrarias, antiguidades, galerias de arte.
b) Lojas de música, livrarias, antiguidades, galerias de arte e roupas de griffe.
c) Cartões de crédito e saldo bancário.
3) Que filme você sempre quer rever?
a) Morangos Mofados, Cria Cuervos e todos do Orson Welles.
b) Qualquer um do Woody Allen
c) Nenhum.
4) Que música não sai de sua cabeça?
a) Sinfonia número um em fá menor de Shostakowsky
b) As Quatro Estações de Vivaldi, pagode e Rolling Stones.
c) Bossa Nova
5) Um gosto inusitado?
a) Tomar daikiri estendido na rede lendo poemas de Ezdra Pound no original.
b) Comer aipim frito com feijão, arroz e carne de panela.
c) Vestir cuecas limpas todos os dias.
6) Um hábito de que você não abre mão.
a) Fazer tricô para relaxar.
b) Brincar com meus filhos
c) Dormir pelado no verão.
7) Um hábito de que você quer se livrar
a) Tomar remédios para dormir
b) Parar de fumar
c) Nenhum
8) Qual a sua maior qualidade?
a) Ser intransigentemente honesto. Não negocio honestidade.
b) Lealdade com minha família e meus amigos
c) A modéstia.
9) E seu maior defeito?
a) Não sei se é um defeito mas não tolero quem descumpre a palavra dada.
b) Não dar toda a atenção que gostaria à minha família.
c) Nenhum.
10) Quem você gostaria de ser, se não fosse você mesmo?
a) Karl Marx, Beethoven ou Charles Chaplin.
b) Gosto muito do jeito que sou mas... seria ótimo poder ser... sei lá, José Saramago, talvez.
c) Um playboy internacional.
11) Daqui a dez anos você estará...
a) lendo, escrevendo, cantando, atuando.
b) Fazendo as mesmas coisas que faço, cuidando de minha família.
c) Fazendo 73 anos.
12)Eu sou...
a) Feliz comigo mesmo, meus gostos e com a vida que escolhi para mim.
b) Responsável, leal e sensível.
c) Bonito, charmoso, sensual, inteligente... e outras coisas que a modéstia me impede de revelar.
Bem, agora você já sabe como são os outros e como eu sou. Vai negar que sua vida ganhou outro sentido, um novo significado e, por que não dizer, um novo objetivo?
Não tenho nenhuma dúvida que abri um novo leque de opções para você, que andava por aí procurando sarna pra se coçar, problemas para resolver, coisas para se incomodar.
Em qual das opções você se enquadra? Reflita, não responda sem pensar, não cometa o erro da precipitação. Leia cuidadosamente cada uma das opções, faça um exame de consciência e decida, sem perder a noção de virtude inerente. Ao menos uma vez na vida, tenha coragem!
Depois, envie este e-mail para duzentos e setenta e seis conhecidos e verá que, cinco minutos depois, seus desejos mais sórdidos se realizarão.
Não interrompa o fluxo deste teste. Em 1936 um sargento da Brigada Militar não deu andamento ao teste e jamais foi promovido a Cabo. Guga interrompeu a corrente e deu no que deu. Justin de Gaillard enviou o teste apenas para duzentos e setenta e cinco conhecidos e seu romance Le Réfuge des Oiseaux não foi lido nem por sua mulher. Se tivesse incluído apenas mais uma pessoa e seria hoje o mais jovem ganhador do Premio Nobel de Literatura.
Um certo marchand simplesmente deletou a corrente e nunca mais vendeu um quadro.
Maria de Orós era faxineira. Enviou a corrente para duzentos e setenta e seis conhecidos e cinco minutos depois foi assediada pelo prefeito de sua cidade e hoje é fixa do maior industrial da região, morando no flat de luxo e tomando banho todos os dias.
Creia, meu amigo, minha amiga. As forças estão a seu favor portanto siga a corrente, nade a favor da correnteza, deslize morro abaixo e transforme sua vida embora, ao que me conste, não se tenha notícias ou comprovações oficiais de que a fé, alguma vez, tenha removido uma única montanha sequer.
TESTE PARAPSICOLÓGICO
Paulo Wainberg
No intuito de contribuir com as angústias, aspirações, desejos ocultos, ambições, desvios de conduta, espíritos de porco, imperativos morais e manifestações atípicas, esta educativa coluna propõe - a partir de observações acuradas e reflexões esquizofrênicas de e sobre o cotidiano dos famosos - o teste abaixo, um dos mais complexos e completos dentre tantos outros que se propõem a definir personalidades e caráter de quem quer que seja.
O jornal de domingo publica entrevistas com famosos, uma seção que gosto muito de ler. Em geral são artistas, cantores, personalidades que se destacam e as perguntas pretendem obter um perfil do cotidiano dessas pessoas.
Meu proverbial espírito pesquisador não ia ficar imune à natureza das respostas dadas e por isso sistematizei a coisa, criando dois grandes grupos de respostas.
O primeiro deles, que denominei de “falsos” abrange respostas pedantes, eruditas, estilosas, fazendo gênero e vendendo imagem. O segundo, que denominei de semi falsos contem as respostas politicamente corretas, o cara se mostrando ajeitadinho, certinho, arrumadinho e bem comportadinho.
Para satisfazer sua imensa curiosidade a respeito deste tema, curiosidade que vem corroendo seus dias e suas noites, mostro agora o fruto deste trabalho exaustivo que me ocupou nos últimos anos com a mesma intensidade da investigação que fiz sobre o sistema reprodutivo das tatuiras, aquele bichinho que se enterra nas areias da praia. As respostas “a” são as falsas, as “b” são as semi falsas e as “c” são as minhas que é, eu sei, o que você quer mesmo saber.
1) Qual a sua idéia de um domingo perfeito?
a) Caminhar de manhã, almoço com a família, ler um bom livro (ninguém lê um mau livro, impressionante) escutando qualquer obra de Corelli ou Gounaud, cinema ou teatro no fim do dia.
b) Dormir até as dez, brincar com as crianças, almoço com a família, levar os filhos ao parque, ler um bom livro, pegar um cineminha ou ir ao teatro.
c) Quando acabarem com a segunda-feira!
2) O que dispara o seu lado consumista?
a) Lojas de música, livrarias, antiguidades, galerias de arte.
b) Lojas de música, livrarias, antiguidades, galerias de arte e roupas de griffe.
c) Cartões de crédito e saldo bancário.
3) Que filme você sempre quer rever?
a) Morangos Mofados, Cria Cuervos e todos do Orson Welles.
b) Qualquer um do Woody Allen
c) Nenhum.
4) Que música não sai de sua cabeça?
a) Sinfonia número um em fá menor de Shostakowsky
b) As Quatro Estações de Vivaldi, pagode e Rolling Stones.
c) Bossa Nova
5) Um gosto inusitado?
a) Tomar daikiri estendido na rede lendo poemas de Ezdra Pound no original.
b) Comer aipim frito com feijão, arroz e carne de panela.
c) Vestir cuecas limpas todos os dias.
6) Um hábito de que você não abre mão.
a) Fazer tricô para relaxar.
b) Brincar com meus filhos
c) Dormir pelado no verão.
7) Um hábito de que você quer se livrar
a) Tomar remédios para dormir
b) Parar de fumar
c) Nenhum
8) Qual a sua maior qualidade?
a) Ser intransigentemente honesto. Não negocio honestidade.
b) Lealdade com minha família e meus amigos
c) A modéstia.
9) E seu maior defeito?
a) Não sei se é um defeito mas não tolero quem descumpre a palavra dada.
b) Não dar toda a atenção que gostaria à minha família.
c) Nenhum.
10) Quem você gostaria de ser, se não fosse você mesmo?
a) Karl Marx, Beethoven ou Charles Chaplin.
b) Gosto muito do jeito que sou mas... seria ótimo poder ser... sei lá, José Saramago, talvez.
c) Um playboy internacional.
11) Daqui a dez anos você estará...
a) lendo, escrevendo, cantando, atuando.
b) Fazendo as mesmas coisas que faço, cuidando de minha família.
c) Fazendo 73 anos.
12)Eu sou...
a) Feliz comigo mesmo, meus gostos e com a vida que escolhi para mim.
b) Responsável, leal e sensível.
c) Bonito, charmoso, sensual, inteligente... e outras coisas que a modéstia me impede de revelar.
Bem, agora você já sabe como são os outros e como eu sou. Vai negar que sua vida ganhou outro sentido, um novo significado e, por que não dizer, um novo objetivo?
Não tenho nenhuma dúvida que abri um novo leque de opções para você, que andava por aí procurando sarna pra se coçar, problemas para resolver, coisas para se incomodar.
Em qual das opções você se enquadra? Reflita, não responda sem pensar, não cometa o erro da precipitação. Leia cuidadosamente cada uma das opções, faça um exame de consciência e decida, sem perder a noção de virtude inerente. Ao menos uma vez na vida, tenha coragem!
Depois, envie este e-mail para duzentos e setenta e seis conhecidos e verá que, cinco minutos depois, seus desejos mais sórdidos se realizarão.
Não interrompa o fluxo deste teste. Em 1936 um sargento da Brigada Militar não deu andamento ao teste e jamais foi promovido a Cabo. Guga interrompeu a corrente e deu no que deu. Justin de Gaillard enviou o teste apenas para duzentos e setenta e cinco conhecidos e seu romance Le Réfuge des Oiseaux não foi lido nem por sua mulher. Se tivesse incluído apenas mais uma pessoa e seria hoje o mais jovem ganhador do Premio Nobel de Literatura.
Um certo marchand simplesmente deletou a corrente e nunca mais vendeu um quadro.
Maria de Orós era faxineira. Enviou a corrente para duzentos e setenta e seis conhecidos e cinco minutos depois foi assediada pelo prefeito de sua cidade e hoje é fixa do maior industrial da região, morando no flat de luxo e tomando banho todos os dias.
Creia, meu amigo, minha amiga. As forças estão a seu favor portanto siga a corrente, nade a favor da correnteza, deslize morro abaixo e transforme sua vida embora, ao que me conste, não se tenha notícias ou comprovações oficiais de que a fé, alguma vez, tenha removido uma única montanha sequer.
segunda-feira, 14 de julho de 2008
COLUNA DO MÁRIO SIMON
O DONO DA ESTRADA
Crônica de Mário Simon
- Olha, ele mandou você tomar no “óxla”!
- Quá-quá-quá! Fazia tempo que não ouvia essa expressão. Mas como é que sabes que ele me mandou tomar no “óxla”?
- Ele fez assim – e meu companheiro juntou a ponta do polegar com a ponta do indicador formando um famoso círculo altamente suspeito.
- Que nada, compadre! Ele quis dizer OK! Tudo OK, como fazem os americanos.
- Sei não! A posição da mão não indicava isso, e pela cara dele deve ter acompanhado com uns vapequetepe!
Balancei a cabeça e encolhi os ombros significando “não esquente”, “deixe pra lá”, “fique frio”. No entanto, eu sabia que por muito menos do que aquele gesto e aqueles palavrões, um bom número de motoristas donos da estrada já morreram – não por acidentes, mas com uma bala bem na testa.
Mas o que fiz eu para merecer o vapequetepe acompanhado do gesto tradicional redondinho que muito bem vislumbrei pelo retrovisor?
O que fiz foi andar atrás dele por não menos de seis quilômetros, mas também por não mais do que isso, a menos de 30 km/hora. Foi próximo a Passo Fundo, na BR 285, onze horas da manhã. De repente, aquela camioneta flamante na minha frente. Lenta, tão lenta que bem pude observar os dois dentro da cabina. Dois que pareciam um, tal o grude dos corpos, num “amasso” de soltar vapores de calor pelas janelas.
Subíamos em curva, longa faixa amarela dupla. Teimei em não ultrapassar, mesmo porque era proibido. Outros dois automóveis que vinham atrás passaram e sumiram. eu fiquei, um pouco saboreando a bela visão romântica, outro pouco me “lascando”, porque o cara do grude resolveu me dar uma lição. Tão logo o caminho permitiu a ultrapassagem, ele meteu o carro à esquerda, quase na contramão, de forma mais do que acintosa.
Então tentei, mesmo assim, passá-lo, mas ele fechou mais ainda e, por incrível que pareça, sem desgrudar da moça. Voltei à direita, ele voltou também. E como se deve fazer nesses casos quando a gente encontra o dono da estrada, - neste episódio, o dono da BR 285 -, comecei a rir.
- E você ainda ri? – surpreendeu-se meu companheiro de viagem.
- Compadre, eles estão trepando e, pelo jeito, já no finalzinho. Espere um pouco que eles desgrudam. Não há trepada que dure para sempre, quá-quá-quá.
Mas meu companheiro estava nervozinho. Meteu a mão na buzina, forte e brabo. Foi pior! O proprietário da estrada quase parou, e ficou olhando atento com um olho para nossos possíveis movimentos. Como não meto a mão em cumbuca, igualzinho a macaco velho, fiquei na retaguarda, abrindo cancha para que outros veículos passassem sem problemas. E seguimos, os dois, como veículos acompanhando enterro de rico.
Pouco antes do primeiro acesso a Passo Fundo, ele abriu para o acostamento. Então passei, sem pressa, ao natural. Afinal, era o dono da BR 285 que eu estava ultrapassando e não qualquer porqueira. Tanto que ele ainda me cumprimentou com aquele amável sinal e dois ou três vapequetepe. Que mais eu queria de sua bondade? A manhã estava linda! De jeito nenhum iria tomar satisfações de um desqualificado.
Crônica de Mário Simon
- Olha, ele mandou você tomar no “óxla”!
- Quá-quá-quá! Fazia tempo que não ouvia essa expressão. Mas como é que sabes que ele me mandou tomar no “óxla”?
- Ele fez assim – e meu companheiro juntou a ponta do polegar com a ponta do indicador formando um famoso círculo altamente suspeito.
- Que nada, compadre! Ele quis dizer OK! Tudo OK, como fazem os americanos.
- Sei não! A posição da mão não indicava isso, e pela cara dele deve ter acompanhado com uns vapequetepe!
Balancei a cabeça e encolhi os ombros significando “não esquente”, “deixe pra lá”, “fique frio”. No entanto, eu sabia que por muito menos do que aquele gesto e aqueles palavrões, um bom número de motoristas donos da estrada já morreram – não por acidentes, mas com uma bala bem na testa.
Mas o que fiz eu para merecer o vapequetepe acompanhado do gesto tradicional redondinho que muito bem vislumbrei pelo retrovisor?
O que fiz foi andar atrás dele por não menos de seis quilômetros, mas também por não mais do que isso, a menos de 30 km/hora. Foi próximo a Passo Fundo, na BR 285, onze horas da manhã. De repente, aquela camioneta flamante na minha frente. Lenta, tão lenta que bem pude observar os dois dentro da cabina. Dois que pareciam um, tal o grude dos corpos, num “amasso” de soltar vapores de calor pelas janelas.
Subíamos em curva, longa faixa amarela dupla. Teimei em não ultrapassar, mesmo porque era proibido. Outros dois automóveis que vinham atrás passaram e sumiram. eu fiquei, um pouco saboreando a bela visão romântica, outro pouco me “lascando”, porque o cara do grude resolveu me dar uma lição. Tão logo o caminho permitiu a ultrapassagem, ele meteu o carro à esquerda, quase na contramão, de forma mais do que acintosa.
Então tentei, mesmo assim, passá-lo, mas ele fechou mais ainda e, por incrível que pareça, sem desgrudar da moça. Voltei à direita, ele voltou também. E como se deve fazer nesses casos quando a gente encontra o dono da estrada, - neste episódio, o dono da BR 285 -, comecei a rir.
- E você ainda ri? – surpreendeu-se meu companheiro de viagem.
- Compadre, eles estão trepando e, pelo jeito, já no finalzinho. Espere um pouco que eles desgrudam. Não há trepada que dure para sempre, quá-quá-quá.
Mas meu companheiro estava nervozinho. Meteu a mão na buzina, forte e brabo. Foi pior! O proprietário da estrada quase parou, e ficou olhando atento com um olho para nossos possíveis movimentos. Como não meto a mão em cumbuca, igualzinho a macaco velho, fiquei na retaguarda, abrindo cancha para que outros veículos passassem sem problemas. E seguimos, os dois, como veículos acompanhando enterro de rico.
Pouco antes do primeiro acesso a Passo Fundo, ele abriu para o acostamento. Então passei, sem pressa, ao natural. Afinal, era o dono da BR 285 que eu estava ultrapassando e não qualquer porqueira. Tanto que ele ainda me cumprimentou com aquele amável sinal e dois ou três vapequetepe. Que mais eu queria de sua bondade? A manhã estava linda! De jeito nenhum iria tomar satisfações de um desqualificado.
domingo, 13 de julho de 2008
VARIAÇÕES EM TORNO DO TEMA FIADASPUTAS
GILMAR MENDES NO FLAMENGO
João Eichbaum
É disso que o povo gosta, é isso que o povo quer – parafraseando a Berenice Azambuja. De um lado o Gilmar Mendes soltando um cara que tem uma grana altíssima, capaz de comprar qualquer imóvel ali na praça dos Três Poderes. Falei em imóvel, viu? Para que você tenha uma idéia do que seja o tamanho da grana do cara. O que você faria com um dinheiro desses, se estivesse preso, é coisa que só você mesmo pode resolver. Eu, de minha parte, tenho certeza, mofaria na cadeia, porque sou pobre que nem rato de sacristia.
Do outro lado, isto é, na outra página do jornal, a turma do Flamengo: quatro craques com oito mulheres “de má vida”, como diria o Santo Padre o Papa. Quero explicar, para que não ponham o Papa no meio, que eles não estavam reunidos em nome do Senhor, mas sim para curtir a maior farra, tipo duas por um, no mínimo. Até que, já alto do chão, certamente, um deles quis praticar o “crescei e multiplicai-vos” da mesma forma que o faziam Adão e Eva, isto é, para a finalidade específica de “ se multiplicarem”, sem os incômodos daquela matéria sintética que impede o “multiplicar-se”. Estão me entendendo? Ta bem, vou ser mais explícito: sem camisinha.
Só que a mina, profissional do ramo, não podia se arriscar a um acidente de trabalho. Sua consciência profissional não o permitia. Então, não deu outra: o pau comeu. Entendam, por favor, o que eu quero dizer: a mina levou uns petelecos do garanhão e, se não fosse a turma do deixa disso, a coisa teria sido pior. Só que piorou até o ponto em que o povo gosta. A mina foi na Delegacia da Mulher. E aí viu né. O cara que queria no ativo, acabou no passivo: si fu...Deu rebu, deu manchete, a mulher do cara, ou seja, a titular, que não queria saber de serviços de alcova terceirizados, lhe deu um baita ponta pé na bunda e bateu a porta.
Ah, sim, o Gilmar Mendes. Não conheço esse senhor. Parece que até doutor é, formado na França. Sei que é servidor público – possivelmente concursado na AGU. Só não sei se foi advogado militante, por conta própria, alguma vez na vida. Duma coisa tenho certeza: juiz de direito ele nunca foi, porque não é qualquer um que passa nesses concursos.
O que sei é que ele mandou soltar um cara cheio grana, e o juiz que tinha mandado prender o dita cara ficou puto também da cara e prendeu de novo o endinheirado. E o Gilmar, também puto da cara, tornou a soltar o cidadão, que assim deve ser chamado porque “indivíduo” é só ladrão de galinha. Assim então ficou: o cara entrou, saiu, tornou a entrar e saiu de novo. Ou seja, o Gilmar Mendes levou um baita drible do juiz de primeiro grau, se levantou, “deu a volta por cima”, como dizem os boleiros e partiu pra outra.
Por esse drible, não sei se ele seria contratado pelo Flamengo, mas pela velocidade, ah, isso sim, ele faria um bom contrato. E eu que “sou Flamengo e tenho uma nega chamada Tereza”, o quero no rubro-negro. Nunca vi na minha vida alguém decidir com tamanha velocidade: de manhã o cara cheio da grana estava preso, de noite não estava mais. Ou vice-versa: da noite para o dia. Que preparo físico gente! Sim, tenho de acreditar que essa velocidade seja fruto do preparo físico do senhor Gilmar, porque os meus conhecimentos de foro e de justiça não me autorizam o contrário: não é crível que o dito senhor Gilmar tivesse sobre sua mesa de trabalho aquele único processo. Então, pela velocidade, ele tem que ser contratado pelo Flamengo, no lugar daqueles festeiros. Tenho certeza de que ele ficará satisfeito: bola na rede e bicho no bolso.
Mulheres e dinheiro! Que combinação! E isso é que dá manchete. É disso que o povo gosta. Porque chorar não adianta. A gente só tem que rir da cara deles, enquanto eles se divertem com o dinheiro da gente.
João Eichbaum
É disso que o povo gosta, é isso que o povo quer – parafraseando a Berenice Azambuja. De um lado o Gilmar Mendes soltando um cara que tem uma grana altíssima, capaz de comprar qualquer imóvel ali na praça dos Três Poderes. Falei em imóvel, viu? Para que você tenha uma idéia do que seja o tamanho da grana do cara. O que você faria com um dinheiro desses, se estivesse preso, é coisa que só você mesmo pode resolver. Eu, de minha parte, tenho certeza, mofaria na cadeia, porque sou pobre que nem rato de sacristia.
Do outro lado, isto é, na outra página do jornal, a turma do Flamengo: quatro craques com oito mulheres “de má vida”, como diria o Santo Padre o Papa. Quero explicar, para que não ponham o Papa no meio, que eles não estavam reunidos em nome do Senhor, mas sim para curtir a maior farra, tipo duas por um, no mínimo. Até que, já alto do chão, certamente, um deles quis praticar o “crescei e multiplicai-vos” da mesma forma que o faziam Adão e Eva, isto é, para a finalidade específica de “ se multiplicarem”, sem os incômodos daquela matéria sintética que impede o “multiplicar-se”. Estão me entendendo? Ta bem, vou ser mais explícito: sem camisinha.
Só que a mina, profissional do ramo, não podia se arriscar a um acidente de trabalho. Sua consciência profissional não o permitia. Então, não deu outra: o pau comeu. Entendam, por favor, o que eu quero dizer: a mina levou uns petelecos do garanhão e, se não fosse a turma do deixa disso, a coisa teria sido pior. Só que piorou até o ponto em que o povo gosta. A mina foi na Delegacia da Mulher. E aí viu né. O cara que queria no ativo, acabou no passivo: si fu...Deu rebu, deu manchete, a mulher do cara, ou seja, a titular, que não queria saber de serviços de alcova terceirizados, lhe deu um baita ponta pé na bunda e bateu a porta.
Ah, sim, o Gilmar Mendes. Não conheço esse senhor. Parece que até doutor é, formado na França. Sei que é servidor público – possivelmente concursado na AGU. Só não sei se foi advogado militante, por conta própria, alguma vez na vida. Duma coisa tenho certeza: juiz de direito ele nunca foi, porque não é qualquer um que passa nesses concursos.
O que sei é que ele mandou soltar um cara cheio grana, e o juiz que tinha mandado prender o dita cara ficou puto também da cara e prendeu de novo o endinheirado. E o Gilmar, também puto da cara, tornou a soltar o cidadão, que assim deve ser chamado porque “indivíduo” é só ladrão de galinha. Assim então ficou: o cara entrou, saiu, tornou a entrar e saiu de novo. Ou seja, o Gilmar Mendes levou um baita drible do juiz de primeiro grau, se levantou, “deu a volta por cima”, como dizem os boleiros e partiu pra outra.
Por esse drible, não sei se ele seria contratado pelo Flamengo, mas pela velocidade, ah, isso sim, ele faria um bom contrato. E eu que “sou Flamengo e tenho uma nega chamada Tereza”, o quero no rubro-negro. Nunca vi na minha vida alguém decidir com tamanha velocidade: de manhã o cara cheio da grana estava preso, de noite não estava mais. Ou vice-versa: da noite para o dia. Que preparo físico gente! Sim, tenho de acreditar que essa velocidade seja fruto do preparo físico do senhor Gilmar, porque os meus conhecimentos de foro e de justiça não me autorizam o contrário: não é crível que o dito senhor Gilmar tivesse sobre sua mesa de trabalho aquele único processo. Então, pela velocidade, ele tem que ser contratado pelo Flamengo, no lugar daqueles festeiros. Tenho certeza de que ele ficará satisfeito: bola na rede e bicho no bolso.
Mulheres e dinheiro! Que combinação! E isso é que dá manchete. É disso que o povo gosta. Porque chorar não adianta. A gente só tem que rir da cara deles, enquanto eles se divertem com o dinheiro da gente.
sexta-feira, 11 de julho de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
REVELAÇÕES ÍNTIMAS
Paulo Wainberg
As probabilidades são infinitas e só uma lei as rege, a conhecida, famosa e sempre invocada “lei das probabilidades”.
Como isso é possível? E que lei é essa?
Posso garantir que não foi o Congresso brasileiro quem a editou. Deve ser coisa de algum físico maluco ou de algum metido a entender dessas coisas referentes à estatísticas, física quântica, relatividade e origem divina do Universo como por exemplo meu querido amigo e compadre Aloísio (Svaiter) – o sobrenome entre parênteses é para preservar o sigilo – que mora no Rio, trabalha em São Paulo e tem a mente espargida como saborosos perfumes de lavanda.
Ouso dizer que sou o único que o compreende, além de todos os outros. O Aloísio e eu inventamos uma brincadeira internética que consiste em demolir conceitos. Até hoje não entendi o objetivo do brinquedo, é um tipo de jogo cujas regras são inventadas na hora e nunca se sabe quem sai vencedor.
Bem ao contrário, por exemplo, dos meus amigos Mauro Keiserman e Vilmar Elman. Com eles EU sempre saio vencedor. Nem tem mais graça jogar. O Mauro ainda me surpreende, volta e meia, mas o Vilmar, francamente, basta iniciar uma discussão e ele é derrotado na primeira frase. O pior é que ele não aprende, provoca, provoca e...leva um talagaço.
Já o Moyses Abensur é mais sábio, adquiriu sabedoria com a experiência e simplesmente não discute: concorda com tudo o que eu digo. Quando estou com astral meio down ligo para ele, lanço uma teoria como se lançam metais ao éter e ele me dá razão na hora.
Poderia falar no Paulo Tiaraju mas é covardia, pior que bater em bêbado, roubar balão de criança ou dormir só de sunga...
Você tem todo o direito de me perguntar o motivo destas mal traçadas linhas, falando em pessoas que você não conhece, conhece, ouviu falar, nunca ouviu falar e coisa e tal.
Pode perguntar, não me ofendo.
Pior do que isso, você pode inclusive se chatear porque não falei em você que, da mesma forma, não me ofendo.
Quais são as probabilidades disso acontecer? Sei lá, vá consultar a lei delas, as probabilidades, que existe justamente para responder perguntas como estas, mais imbecis do que qualquer programa das tvs do bispo Macedo.
Será que os acima citados vão ficar brabos comigo? E se ficarem, vão fazer o que?
Entretanto e para que não reste qualquer sombra de dúvida, não paire nenhuma controvérsia nem me venham dizer que tal e qual não é qual e tal, informo que o supra-citado Vilmar Elman criou, com invejável humor e inteligência, uma comemoração sui-generis, quando sua primeira filha, a Rose, casou: a despedida do pai da noiva.
O que vinha a ser isso? Um ato de revolta? Claro que não. Uma expressão de rebeldia? Nada disso. Ao perceber que para sua filha era organizado um chá de panela, para sua esposa era organizado um chá das amigas e tias (vão gostar de chá assim em Singapura) e para seu futuro genro uma despedida de solteiro, viu-se subitamente à margem, como se ele, o progenitor, o gerador primeiro de toda efeméride, estava à margem, nada era organizado para ele que, por bem ou por mal, tinha que pagar a conta.
Convocou os amigos (eu era um deles) e realizou uma cerimônia ecumênica celebrada por professantes de várias fés, baseada no maior respeito e amparada nos sagrados princípios da família e dos bons costumes, encomendou quatorze panelas de chá, colocou oito discos na eletrola, começando com Mozart e terminando com Gounaud, serviu salgadinhos e doces e, na hora dos discursos, declarou que, como pai da noiva, estava se despedindo.
Todos nós, com nossas roupas formais para a ocasião, aplaudimos e depois disso, não lembro de mais nada... há um imenso vácuo na minha memória que, por absoluta conveniência, faço questão de manter, vá que eu recorde alguma coisa e...
Então.
Semana que vem casa a minha filha, já contei a vocês. E onde está a minha despedida? Onde se meteram os organizadores (porque depois da primeira vez os demais pais de noiva se despediram à custa dos amigos...), por que razão ninguém fala comigo sobre o assunto, não me dão nenhum indício sobre preparativos, convocações, locais e tal?
Já teve o chá de panela da noiva (nem conto pra vocês...), o noivo há um mês que não para de se despedir, a mãe da noiva teve que desmarcar todos seus pacientes de tanto chá que foi obrigada a tomar e eu, pai da noiva e origem de tudo, estou aqui, a ver navios, veleiros, lanchas, botes a remo e caixas de sabonete jogadas no riacho. Nada para mim???
Nem um waflles, uma bolachinha dágua para molhar no café?
Vamos lá, rapaziada, esqueçam minha rigidez moral, meus princípios pétreos e movam-se, ofereçam-me uma despedida digna de um pai de noiva, regada a chá de boldo com pipoca e doce de leite condensado na sobremesa. E não esqueçam de por meu cd preferido, suíte número dois de Bach, para alegrar o evento.
O tempo passa rápido e, pela lei, as probabilidades disso acontecer estão cada vez menores.
Será que vou ter que me despedir sozinho, de mim mesmo?
O Vilmar instituiu uma tradição como tantas outras que nosso grupo mais íntimo instituiu ao longo dos anos. Embora no batizado do filho dele, o Marcio, tenha faltado vinho, ele já foi perdoado porque na ocasião, quase trinta anos atrás, ninguém notou e, a bem da verdade, ninguém precisava tomar mais vinho, as tradições são imutáveis e devem ser preservadas “ad eternum”.
Eu, por exemplo, sou o organizador do churrasco na casa dos outros. Distribuo as funções e compareço para comer. Em geral na casa do Mauro que tem um telão e fica melhor para assistir o jogo.
Pelo que me informaram, mês passado, coube ao Moysés organizar minha despedida de pai da noiva. E aí? Até agora nada, repito.
Se eu tiver que me despedir sozinho, juro que não me responsabilizo. Depois não venham me acusar disto ou daquilo, se me deixarem por conta própria sei lá... como decidirei entre ficar assistindo um filme na TV ou ir para a cama dormir?
Portanto rapazes, é agora ou nunca. E podem convidar quem quiser.
E você, Aloísio, pega um avião e vem porque, como me disse certa vez um conhecido que queria me levar para um motel, de conversa estou até aqui. Eu quero é ação!
Paulo Wainberg
As probabilidades são infinitas e só uma lei as rege, a conhecida, famosa e sempre invocada “lei das probabilidades”.
Como isso é possível? E que lei é essa?
Posso garantir que não foi o Congresso brasileiro quem a editou. Deve ser coisa de algum físico maluco ou de algum metido a entender dessas coisas referentes à estatísticas, física quântica, relatividade e origem divina do Universo como por exemplo meu querido amigo e compadre Aloísio (Svaiter) – o sobrenome entre parênteses é para preservar o sigilo – que mora no Rio, trabalha em São Paulo e tem a mente espargida como saborosos perfumes de lavanda.
Ouso dizer que sou o único que o compreende, além de todos os outros. O Aloísio e eu inventamos uma brincadeira internética que consiste em demolir conceitos. Até hoje não entendi o objetivo do brinquedo, é um tipo de jogo cujas regras são inventadas na hora e nunca se sabe quem sai vencedor.
Bem ao contrário, por exemplo, dos meus amigos Mauro Keiserman e Vilmar Elman. Com eles EU sempre saio vencedor. Nem tem mais graça jogar. O Mauro ainda me surpreende, volta e meia, mas o Vilmar, francamente, basta iniciar uma discussão e ele é derrotado na primeira frase. O pior é que ele não aprende, provoca, provoca e...leva um talagaço.
Já o Moyses Abensur é mais sábio, adquiriu sabedoria com a experiência e simplesmente não discute: concorda com tudo o que eu digo. Quando estou com astral meio down ligo para ele, lanço uma teoria como se lançam metais ao éter e ele me dá razão na hora.
Poderia falar no Paulo Tiaraju mas é covardia, pior que bater em bêbado, roubar balão de criança ou dormir só de sunga...
Você tem todo o direito de me perguntar o motivo destas mal traçadas linhas, falando em pessoas que você não conhece, conhece, ouviu falar, nunca ouviu falar e coisa e tal.
Pode perguntar, não me ofendo.
Pior do que isso, você pode inclusive se chatear porque não falei em você que, da mesma forma, não me ofendo.
Quais são as probabilidades disso acontecer? Sei lá, vá consultar a lei delas, as probabilidades, que existe justamente para responder perguntas como estas, mais imbecis do que qualquer programa das tvs do bispo Macedo.
Será que os acima citados vão ficar brabos comigo? E se ficarem, vão fazer o que?
Entretanto e para que não reste qualquer sombra de dúvida, não paire nenhuma controvérsia nem me venham dizer que tal e qual não é qual e tal, informo que o supra-citado Vilmar Elman criou, com invejável humor e inteligência, uma comemoração sui-generis, quando sua primeira filha, a Rose, casou: a despedida do pai da noiva.
O que vinha a ser isso? Um ato de revolta? Claro que não. Uma expressão de rebeldia? Nada disso. Ao perceber que para sua filha era organizado um chá de panela, para sua esposa era organizado um chá das amigas e tias (vão gostar de chá assim em Singapura) e para seu futuro genro uma despedida de solteiro, viu-se subitamente à margem, como se ele, o progenitor, o gerador primeiro de toda efeméride, estava à margem, nada era organizado para ele que, por bem ou por mal, tinha que pagar a conta.
Convocou os amigos (eu era um deles) e realizou uma cerimônia ecumênica celebrada por professantes de várias fés, baseada no maior respeito e amparada nos sagrados princípios da família e dos bons costumes, encomendou quatorze panelas de chá, colocou oito discos na eletrola, começando com Mozart e terminando com Gounaud, serviu salgadinhos e doces e, na hora dos discursos, declarou que, como pai da noiva, estava se despedindo.
Todos nós, com nossas roupas formais para a ocasião, aplaudimos e depois disso, não lembro de mais nada... há um imenso vácuo na minha memória que, por absoluta conveniência, faço questão de manter, vá que eu recorde alguma coisa e...
Então.
Semana que vem casa a minha filha, já contei a vocês. E onde está a minha despedida? Onde se meteram os organizadores (porque depois da primeira vez os demais pais de noiva se despediram à custa dos amigos...), por que razão ninguém fala comigo sobre o assunto, não me dão nenhum indício sobre preparativos, convocações, locais e tal?
Já teve o chá de panela da noiva (nem conto pra vocês...), o noivo há um mês que não para de se despedir, a mãe da noiva teve que desmarcar todos seus pacientes de tanto chá que foi obrigada a tomar e eu, pai da noiva e origem de tudo, estou aqui, a ver navios, veleiros, lanchas, botes a remo e caixas de sabonete jogadas no riacho. Nada para mim???
Nem um waflles, uma bolachinha dágua para molhar no café?
Vamos lá, rapaziada, esqueçam minha rigidez moral, meus princípios pétreos e movam-se, ofereçam-me uma despedida digna de um pai de noiva, regada a chá de boldo com pipoca e doce de leite condensado na sobremesa. E não esqueçam de por meu cd preferido, suíte número dois de Bach, para alegrar o evento.
O tempo passa rápido e, pela lei, as probabilidades disso acontecer estão cada vez menores.
Será que vou ter que me despedir sozinho, de mim mesmo?
O Vilmar instituiu uma tradição como tantas outras que nosso grupo mais íntimo instituiu ao longo dos anos. Embora no batizado do filho dele, o Marcio, tenha faltado vinho, ele já foi perdoado porque na ocasião, quase trinta anos atrás, ninguém notou e, a bem da verdade, ninguém precisava tomar mais vinho, as tradições são imutáveis e devem ser preservadas “ad eternum”.
Eu, por exemplo, sou o organizador do churrasco na casa dos outros. Distribuo as funções e compareço para comer. Em geral na casa do Mauro que tem um telão e fica melhor para assistir o jogo.
Pelo que me informaram, mês passado, coube ao Moysés organizar minha despedida de pai da noiva. E aí? Até agora nada, repito.
Se eu tiver que me despedir sozinho, juro que não me responsabilizo. Depois não venham me acusar disto ou daquilo, se me deixarem por conta própria sei lá... como decidirei entre ficar assistindo um filme na TV ou ir para a cama dormir?
Portanto rapazes, é agora ou nunca. E podem convidar quem quiser.
E você, Aloísio, pega um avião e vem porque, como me disse certa vez um conhecido que queria me levar para um motel, de conversa estou até aqui. Eu quero é ação!
quinta-feira, 10 de julho de 2008
VARIAÇÕES EM TORNO DO TEMA FIADASPUTAS
INVENTÁRIO FESTIVO
João Eichbaum
Inspirado no axioma popular, segundo o qual o orifício traseiro do bêbado não passa de “res derelicta”, escrevi, outro dia, que “dinheiro de bêbado também não tem dono. E não é que tinha razão?
Vejam o que a Zero Hora, ingenuamente publica, na edição de 9 de julho, se referindo à multa aplicada aos bebuns na direção de veículos automotores. Digo ingenuamente porque o dito jornal, de algum tempo a esta parte, fazendo coro à demagogia dos governos que lhe enchem as páginas de publicidade, encampou o slogan “isso tem que ter fim”, se referindo aos acidentes de trânsito. Isso é o que noticia a matéria sobre o destino do dinheiro arrecadado:”essa verba não tem direcionamento único: pode ser utilizada de forma diferenciada conforme o órgão responsável pela autuação... Conforme a divisão de Planejamento e Controle orçamentário, a maior parte do dinheiro acaba no caixa único da União. O recurso poderá voltar para a PRF por meio de orçamento anual. Na Brigada Militar praticamente a metade da multa é revertida para a corporação. Na capital a EPTC recebe também quase a metade dos recursos. O Detran tem a responsabilidade de operar a emissão das notificações e recebe, por meio de convênios, recursos dos outros órgãos para executar este serviço. Por se tratar de uma legislação nacional, o departamento também recebe suas parcela das multas...”
Esse é o festim que fazem com o dinheiro dos bêbados: um pouco pra mim, um pouco ti, a metade para Brigada Militar, outra metade para a EPTC...Ah, e não podemos esquecer o Detran, para quem não existe homem, nem mulher pobre.
Essa é regra: multa, que o dinheiro é nosso.
Então, meu amigo, prepare-se. Daqui para diante não tem mais luta contra outro crime que não seja estar na direção de um veículo depois de ter comemorado o aniversário do filho ou o enterro da sogra. Assaltante pode dar ou não dar dinheiro. Traficante, idem. Pé-de-chinelo, nem se fala. Então vamos atrás dos bêbados que a grana é certa. Prepare-se, meu amigo, para ser atacado pela Brigada, pela Polícia Rodoviária, pelos azuizinhos, a toda hora. Não vai mais haver trégua para ninguém. O que importa é o dinheiro. Até porque não é só a multa, tem a fiança também. É muita grana. Não dá pra abrir mão dela.
Sim, mas – você perguntará - não tem ninguém pra controlar essa farra toda? Claro que tem, meu amigo: no papel, na Constituição, na lei, o Tribunal de Contas. Mas você sabe quem é que compõe o Tribunal de Contas? Os políticos, que se arreglam uns com os outros, os afilhados dos políticos e os demais, que não entendem bosta nenhuma de contas públicas. Mas se, por exceção, der zebra, certamente vai haver nova rubrica: a “sobra” das multas, na esteira da “sobra” de campanha.
E enquanto o pessoal de baixo faz a farra com a grana dos bêbados, sobra mais dinheiro para o pessoal de cima, os do governo propriamente dito, que poderá encher a Zero Hora de publicidade, afim de que ela elogie a Lei Seca e arranque aplausos de toda a companheirada, a começar pelo Tarso Genro, que trocou a caneta da poesia pela espada do poder. E viva Che Guevara!
João Eichbaum
Inspirado no axioma popular, segundo o qual o orifício traseiro do bêbado não passa de “res derelicta”, escrevi, outro dia, que “dinheiro de bêbado também não tem dono. E não é que tinha razão?
Vejam o que a Zero Hora, ingenuamente publica, na edição de 9 de julho, se referindo à multa aplicada aos bebuns na direção de veículos automotores. Digo ingenuamente porque o dito jornal, de algum tempo a esta parte, fazendo coro à demagogia dos governos que lhe enchem as páginas de publicidade, encampou o slogan “isso tem que ter fim”, se referindo aos acidentes de trânsito. Isso é o que noticia a matéria sobre o destino do dinheiro arrecadado:”essa verba não tem direcionamento único: pode ser utilizada de forma diferenciada conforme o órgão responsável pela autuação... Conforme a divisão de Planejamento e Controle orçamentário, a maior parte do dinheiro acaba no caixa único da União. O recurso poderá voltar para a PRF por meio de orçamento anual. Na Brigada Militar praticamente a metade da multa é revertida para a corporação. Na capital a EPTC recebe também quase a metade dos recursos. O Detran tem a responsabilidade de operar a emissão das notificações e recebe, por meio de convênios, recursos dos outros órgãos para executar este serviço. Por se tratar de uma legislação nacional, o departamento também recebe suas parcela das multas...”
Esse é o festim que fazem com o dinheiro dos bêbados: um pouco pra mim, um pouco ti, a metade para Brigada Militar, outra metade para a EPTC...Ah, e não podemos esquecer o Detran, para quem não existe homem, nem mulher pobre.
Essa é regra: multa, que o dinheiro é nosso.
Então, meu amigo, prepare-se. Daqui para diante não tem mais luta contra outro crime que não seja estar na direção de um veículo depois de ter comemorado o aniversário do filho ou o enterro da sogra. Assaltante pode dar ou não dar dinheiro. Traficante, idem. Pé-de-chinelo, nem se fala. Então vamos atrás dos bêbados que a grana é certa. Prepare-se, meu amigo, para ser atacado pela Brigada, pela Polícia Rodoviária, pelos azuizinhos, a toda hora. Não vai mais haver trégua para ninguém. O que importa é o dinheiro. Até porque não é só a multa, tem a fiança também. É muita grana. Não dá pra abrir mão dela.
Sim, mas – você perguntará - não tem ninguém pra controlar essa farra toda? Claro que tem, meu amigo: no papel, na Constituição, na lei, o Tribunal de Contas. Mas você sabe quem é que compõe o Tribunal de Contas? Os políticos, que se arreglam uns com os outros, os afilhados dos políticos e os demais, que não entendem bosta nenhuma de contas públicas. Mas se, por exceção, der zebra, certamente vai haver nova rubrica: a “sobra” das multas, na esteira da “sobra” de campanha.
E enquanto o pessoal de baixo faz a farra com a grana dos bêbados, sobra mais dinheiro para o pessoal de cima, os do governo propriamente dito, que poderá encher a Zero Hora de publicidade, afim de que ela elogie a Lei Seca e arranque aplausos de toda a companheirada, a começar pelo Tarso Genro, que trocou a caneta da poesia pela espada do poder. E viva Che Guevara!
terça-feira, 8 de julho de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
CRÔNICAS FISIO-JURÍDICAS
O HÍMEN À LUZ DO DIREITO
Paulo Wainberg
Li no jornal que na França, um Juiz de Direito anulou um casamento porque a noiva não era virgem!
Imagino a cena: suíte de luxo no hotel cinco estrelas, champanhe gelada, sorrisos, a noiva retorna do banheiro com seus negligées sedutores e estende-se ao leito, pronta para a ação.
O noivinho, ansioso, promete carinhos e cuidados, jura que não vai doer, que ela, a sua amada, vai gostar e, enquanto fala, vai enfiando a mão á valer. Ela, louca para receber seu amado, entrega-se à paixão.
Tudo pronto, as preliminares concluídas, todas as palavras ditas e lá vai o rapaz, com delicadeza e cuidado, invadir o tão cobiçado território, sabendo que terá ainda um último obstáculo a superar: o hímen da mulher amada.
E manda ver.
Daí em diante... o escândalo.
Você decide se ele armou o escândalo quando percebeu que o tal obstáculo já fora removido por outro desbravador ou, porque ninguém é de ferro, concluiu o serviço e só então foi se queixar ao Bispo, ao Mulá ou, no caso, ao Juiz.
Quando comecei minha recente carreira de advogado, em 1968, a noiva não ser virgem era motivo para anular o casamento, sim senhora. E o marido traído podia matar a esposa infiel porque seria absolvido pela legítima defesa da sua honra maculada.
Virgindade e fidelidade, qualidades femininas divinizadas por séculos, ainda são atributos celebrados pelas religiões e, ainda que num caso circunstancial, pela Justiça francesa.
Fantástico.
Com a imparcialidade que me é peculiar, ouso dizer que, do ponto de vista das religiões, a verdadeira divindade é o hímen feminino que, inadequadamente rompido, condena os participantes, circunstantes e observadores incautos às mais dolorosas penas celestiais.
Nada é mais sagrado do que um hímen, tão sagrado que o repuseram em Maria, mãe de Jesus, transformando José, seu marido de tantos anos em, no mínimo, um pobre eunuco, incapaz de deflorar a esposa, que teve de conceber com o hímen intacto.
Tão importante e fundamental a Sacra Membrana que a ordem divina de crescermos e multiplicarmo-nos foi adequadamente acrescida da exigência do matrimônio sem o qual podemos apenas crescer mas, multiplicar, jamais.
O Serviço de Proteção ao Hímen percorreu séculos de História, gerando verdadeiros exércitos de abstinentes, poluindo cortes judiciais de civilizações antigas, pré-antigas, meio-idosas, modernas e contemporâneas, exercitando-se em templos e catedrais à base de ameaças furibundas, castigos terríveis e sofrimentos atrozes.
Mulher sem hímen era impura por definição, sabendo-se que impuro é tudo aquilo que contraria as ordens religiosas.
Casar com mulher virgem era imposição cultural, social, religiosa e, por que não?, econômica, vistas as finalidades materiais de um casamento bem fornido.
E a jovem nubente que ousasse desfazer-se, ainda solteira, da Santa Membrana era, entre outras coisas, expulsa de casa, desterrada, morta na fogueira, execrada em público e, conforme antigos costumes, apedrejada em praça pública, exercício que algumas mentes mais, digamos assim, conservadoras, ainda acham exemplares.
O homem-bomba, por exemplo, se explode num shopping porque, fazendo isso, terá à sua disposição incontáveis jovens mulheres virgens, pelo resto da eternidade. É importante ressaltar a condição “jovens” porque ninguém vai se explodir por aí se a eternidade lhe reservar “velhas” virgens.
Eu não me explodiria.
Interessante que a concepção de pureza da mulher concentra-se na pele pré-vaginal. Pode rolar de tudo, mãos nas pudícias, pênis nas coxinhas, sexo oral, sexo anal, lambidas e mordidas, desde que se preserve a pelanca a ser removida pós-núpcias com manchas de sangue no lençol para não haver dúvidas.
A noiva assim casada, mesmo que se tenha esvaído em orgasmos mis, pré-nupciais e com diversos namorados ou, vá lá, ficantes, é pura para as finalidades do credo e, portanto, apta a preservar o matrimônio, desde que não incorra no pecado do adultério que, mais do que pecado, ofende de morte a honra do marido.
“Ó tempora, ó mores”, ó tempo, ó costumes, afirmo hoje o que Cícero disse há mais de dois séculos, no Senado Romano.
Quem te viu, quem te vê, já comentou Chico Buarque de Holanda quando você era a mais bonita das cabrochas desta ala.
Não fossem as mulheres feias terem deflagrado o Movimento Feminista e estaríamos ainda hoje subjugados pelo Sagrado Hímen, pela Pelanca Fundamental a impedir homens e mulheres de acessarem-se mutuamente, em atos de amor, de paixão, de tesão ou de pura e explícita sacanagem o que - me contaram - parece ser muito bom.
E ainda estaríamos à mercê de Cortes Judiciais nutridas de preconceitos a sancionar a insensatez e o obscurantismo da intolerância religiosa, seus tabus, sofismas e dogmas absurdos da qual esse Juiz francês é um anacrônico modelo.
Menos mal que o Governo e a sociedade franceses repudiaram a sentença, escandalizaram-se com ela, afinal de contas o que é isso, meu? Onde é que estamos? Com quem o senhor pensa que está falando? Anular um casamento porque a noiva já tinha dado? Porque a virgindade era cláusula do contrato? Afirmo, do alto de minha cadeira de advogado no meu escritório que essa cláusula, se existiu, é nula de pleno direito, ferindo os mais comezinhos princípios do Direito e da Moral, inclusive sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, a definir-se, no caso concreto, quem era o consumidor.
Aliás, qual é a função biológica do hímen? Alguém sabe? Sua existência não será um defeito na evolução, um apêndice desnecessário que, uma vez rompido, não deixa rastro, pegada nem impressões digitais?
Protegê-lo com tanta fúria como alguns segmentos ainda fazem é o mesmo que negar as funções biológicas, entre elas comer, beber e, com perdão da má palavra, fazer cocô. Mulher pura faz essas coisas? Ó meus sais, quanta decepção...
Ironias à parte se eu fosse imperador da Áustria no Século XVIII, teria encomendado de Mozart uma Missa Solene chamada A Sagração do Hímen, que seria tocada obrigatoriamente em todas as cerimônias de casamento da Europa. Beethoven poderia ter composto a Décima Sinfonia, A Himenêutica e James Joyce, em vez de escrever o nunca lido Ulisses teria escrito a monumental obra O Hímen Caído, isto depois de percorrer todos os cabarés e casas de meretrício de Dublin num único dia.
Neste assunto sou radical e definitivo.
Às portadoras de hímen recomendo: livrem-se dele, só atrapalha e não conserva pureza alguma até porque não existe, nem na natureza, nem na religião nem na sociologia lato senso nenhuma norma, regra ou determinação para que mulheres sejam puras interna ou externamente falando. Mulheres produzem sucos gástricos e espinhas no rosto, assim como os homens, e olha que não estou falando de outras nojeiras.
Às que já se desfizeram da Santa Membrana minha recomendação é: aproveitem que a vida é curta e é só uma.
E vocês, homens, francamente, me fazem vergonha. Virgindade é lá coisa que se exija de uma noiva contemporânea? Nem minha sogra acredita mais nisso.
Se você pegar uma virgem, desvirgine mas nem por isso sinta-se dono da garota. Acredite em mim: é muito melhor ser amigo do dono da piscina do que ter piscina em casa. Você passa o domingo tomando banho na piscina dele e vai embora sem se preocupar em saber se ele tem cloro em casa para purificar a água.
Recomendo que as Altas Instâncias da Justiça Francesa exonerem o tal Juiz, coloquem-no nas galés e o desterrem para a Ilha de Alba ou de Santa Helena onde ele poderá proferir suas sentenças sem incomodar ninguém nem me obrigar a escrever esta crônica.
Nem você a lê-la.
O HÍMEN À LUZ DO DIREITO
Paulo Wainberg
Li no jornal que na França, um Juiz de Direito anulou um casamento porque a noiva não era virgem!
Imagino a cena: suíte de luxo no hotel cinco estrelas, champanhe gelada, sorrisos, a noiva retorna do banheiro com seus negligées sedutores e estende-se ao leito, pronta para a ação.
O noivinho, ansioso, promete carinhos e cuidados, jura que não vai doer, que ela, a sua amada, vai gostar e, enquanto fala, vai enfiando a mão á valer. Ela, louca para receber seu amado, entrega-se à paixão.
Tudo pronto, as preliminares concluídas, todas as palavras ditas e lá vai o rapaz, com delicadeza e cuidado, invadir o tão cobiçado território, sabendo que terá ainda um último obstáculo a superar: o hímen da mulher amada.
E manda ver.
Daí em diante... o escândalo.
Você decide se ele armou o escândalo quando percebeu que o tal obstáculo já fora removido por outro desbravador ou, porque ninguém é de ferro, concluiu o serviço e só então foi se queixar ao Bispo, ao Mulá ou, no caso, ao Juiz.
Quando comecei minha recente carreira de advogado, em 1968, a noiva não ser virgem era motivo para anular o casamento, sim senhora. E o marido traído podia matar a esposa infiel porque seria absolvido pela legítima defesa da sua honra maculada.
Virgindade e fidelidade, qualidades femininas divinizadas por séculos, ainda são atributos celebrados pelas religiões e, ainda que num caso circunstancial, pela Justiça francesa.
Fantástico.
Com a imparcialidade que me é peculiar, ouso dizer que, do ponto de vista das religiões, a verdadeira divindade é o hímen feminino que, inadequadamente rompido, condena os participantes, circunstantes e observadores incautos às mais dolorosas penas celestiais.
Nada é mais sagrado do que um hímen, tão sagrado que o repuseram em Maria, mãe de Jesus, transformando José, seu marido de tantos anos em, no mínimo, um pobre eunuco, incapaz de deflorar a esposa, que teve de conceber com o hímen intacto.
Tão importante e fundamental a Sacra Membrana que a ordem divina de crescermos e multiplicarmo-nos foi adequadamente acrescida da exigência do matrimônio sem o qual podemos apenas crescer mas, multiplicar, jamais.
O Serviço de Proteção ao Hímen percorreu séculos de História, gerando verdadeiros exércitos de abstinentes, poluindo cortes judiciais de civilizações antigas, pré-antigas, meio-idosas, modernas e contemporâneas, exercitando-se em templos e catedrais à base de ameaças furibundas, castigos terríveis e sofrimentos atrozes.
Mulher sem hímen era impura por definição, sabendo-se que impuro é tudo aquilo que contraria as ordens religiosas.
Casar com mulher virgem era imposição cultural, social, religiosa e, por que não?, econômica, vistas as finalidades materiais de um casamento bem fornido.
E a jovem nubente que ousasse desfazer-se, ainda solteira, da Santa Membrana era, entre outras coisas, expulsa de casa, desterrada, morta na fogueira, execrada em público e, conforme antigos costumes, apedrejada em praça pública, exercício que algumas mentes mais, digamos assim, conservadoras, ainda acham exemplares.
O homem-bomba, por exemplo, se explode num shopping porque, fazendo isso, terá à sua disposição incontáveis jovens mulheres virgens, pelo resto da eternidade. É importante ressaltar a condição “jovens” porque ninguém vai se explodir por aí se a eternidade lhe reservar “velhas” virgens.
Eu não me explodiria.
Interessante que a concepção de pureza da mulher concentra-se na pele pré-vaginal. Pode rolar de tudo, mãos nas pudícias, pênis nas coxinhas, sexo oral, sexo anal, lambidas e mordidas, desde que se preserve a pelanca a ser removida pós-núpcias com manchas de sangue no lençol para não haver dúvidas.
A noiva assim casada, mesmo que se tenha esvaído em orgasmos mis, pré-nupciais e com diversos namorados ou, vá lá, ficantes, é pura para as finalidades do credo e, portanto, apta a preservar o matrimônio, desde que não incorra no pecado do adultério que, mais do que pecado, ofende de morte a honra do marido.
“Ó tempora, ó mores”, ó tempo, ó costumes, afirmo hoje o que Cícero disse há mais de dois séculos, no Senado Romano.
Quem te viu, quem te vê, já comentou Chico Buarque de Holanda quando você era a mais bonita das cabrochas desta ala.
Não fossem as mulheres feias terem deflagrado o Movimento Feminista e estaríamos ainda hoje subjugados pelo Sagrado Hímen, pela Pelanca Fundamental a impedir homens e mulheres de acessarem-se mutuamente, em atos de amor, de paixão, de tesão ou de pura e explícita sacanagem o que - me contaram - parece ser muito bom.
E ainda estaríamos à mercê de Cortes Judiciais nutridas de preconceitos a sancionar a insensatez e o obscurantismo da intolerância religiosa, seus tabus, sofismas e dogmas absurdos da qual esse Juiz francês é um anacrônico modelo.
Menos mal que o Governo e a sociedade franceses repudiaram a sentença, escandalizaram-se com ela, afinal de contas o que é isso, meu? Onde é que estamos? Com quem o senhor pensa que está falando? Anular um casamento porque a noiva já tinha dado? Porque a virgindade era cláusula do contrato? Afirmo, do alto de minha cadeira de advogado no meu escritório que essa cláusula, se existiu, é nula de pleno direito, ferindo os mais comezinhos princípios do Direito e da Moral, inclusive sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, a definir-se, no caso concreto, quem era o consumidor.
Aliás, qual é a função biológica do hímen? Alguém sabe? Sua existência não será um defeito na evolução, um apêndice desnecessário que, uma vez rompido, não deixa rastro, pegada nem impressões digitais?
Protegê-lo com tanta fúria como alguns segmentos ainda fazem é o mesmo que negar as funções biológicas, entre elas comer, beber e, com perdão da má palavra, fazer cocô. Mulher pura faz essas coisas? Ó meus sais, quanta decepção...
Ironias à parte se eu fosse imperador da Áustria no Século XVIII, teria encomendado de Mozart uma Missa Solene chamada A Sagração do Hímen, que seria tocada obrigatoriamente em todas as cerimônias de casamento da Europa. Beethoven poderia ter composto a Décima Sinfonia, A Himenêutica e James Joyce, em vez de escrever o nunca lido Ulisses teria escrito a monumental obra O Hímen Caído, isto depois de percorrer todos os cabarés e casas de meretrício de Dublin num único dia.
Neste assunto sou radical e definitivo.
Às portadoras de hímen recomendo: livrem-se dele, só atrapalha e não conserva pureza alguma até porque não existe, nem na natureza, nem na religião nem na sociologia lato senso nenhuma norma, regra ou determinação para que mulheres sejam puras interna ou externamente falando. Mulheres produzem sucos gástricos e espinhas no rosto, assim como os homens, e olha que não estou falando de outras nojeiras.
Às que já se desfizeram da Santa Membrana minha recomendação é: aproveitem que a vida é curta e é só uma.
E vocês, homens, francamente, me fazem vergonha. Virgindade é lá coisa que se exija de uma noiva contemporânea? Nem minha sogra acredita mais nisso.
Se você pegar uma virgem, desvirgine mas nem por isso sinta-se dono da garota. Acredite em mim: é muito melhor ser amigo do dono da piscina do que ter piscina em casa. Você passa o domingo tomando banho na piscina dele e vai embora sem se preocupar em saber se ele tem cloro em casa para purificar a água.
Recomendo que as Altas Instâncias da Justiça Francesa exonerem o tal Juiz, coloquem-no nas galés e o desterrem para a Ilha de Alba ou de Santa Helena onde ele poderá proferir suas sentenças sem incomodar ninguém nem me obrigar a escrever esta crônica.
Nem você a lê-la.
segunda-feira, 7 de julho de 2008
AS COISAS DA VIDA
ELAS MOSTRAM O REGUINHO
João Eichbaum
Ah, aquela faixa de pele nova, fresca e desembaraçada logo abaixo dos quadris, que as minas gostam de mostrar. Elas deixam, de propósito, pra gente ver. Às vezes, sabe-se lá, por costume ou por arrependimento, elas puxam as calças pra cima e, nesse movimento de estica e puxa, não sei se por querer, ou querendo, elas rebolam os quadris, para que as calças se ajustem. A bundinha sobe e desce, ligeiramente, mexendo prum lado e pra outro, as carnes tremem e a gente fica parado, quieto, em êxtase, como o padre Réus, quando rezava a missa e subia quatros palmos, pairando no ar, e perdendo o entendimento das coisas.
Numa hora dessas a gente até esquece de meter o pau na prefeitura por causa dos buracos na rua e de xingar o governo por causa do MST, que atravanca o trânsito e nos faz perder a hora.
É claro que esse esforço da gata é por nada ou por pouco. Em seguida, resolutas e renitentes, as calças deslizam de novo, monte glúteo abaixo, que geralmente é de uma abundância suficiente para deslumbrar o mais distraído dos machos.
Há variações naquelas faixas, de carne branca, morena ou mais escurinha. Algumas são discretas, mal e mal aparecem. Mas o que mostram é o suficiente para deixar o cara mais excitado porque, na verdade, - é sempre assim – quanto maior é a curiosidade, maior é a excitação, o anelo pelo território desconhecido. As mais generosas, aquelas de aproximadamente quatro dedos, mostram horizontes mais amplos, zonas mais nítidas, naturalmente: a pontinha da coluna dorsal, a curva bem pronunciada dos quadris e – ah, sim – a parte superior da calcinha, que nos faz pensar na beleza das cores, no contraste da pele, na impertinência da calça jeans, em como seria a dona sem ela. Enfim, a síntese de toda a beleza.
Tudo isso sem contar a comissão de frente, aquela parte que mostra uma barriguinha sarada, não poucas vezes ornamentada por um brilhante “piercing”.
São assim as mulheres. Elas aguçam a curiosidade, levam-nos para o mundo movediço e flutuante da imaginação, despertam fantasias, solicitam-nos, por favor, os olhares, mas ai de nós se mostrarmos efetivamente e concretamente um vivo e real interesse. Aí já falam em assédio, taradismo ou coisas do tipo “esse velho não se encherga”..
Não temos idéia do que lhes vai pela mente, sabendo que a espécie macho sempre carrega consigo o seu armamento, mesmo aqueles que fingem castidade. Não sabemos até que ponto o ego delas é capaz de ir, para atrair admiração, para congregar olhares, para despertar suspiros e tesões., para aguçar desejos alheios, nem sabemos porque o fazem se, na hora do melhor, elas nos dão um “chega pra lá”.
Mulher não é como mosquito, que irrita e propaga o mal. Mas quem é que a entende?
João Eichbaum
Ah, aquela faixa de pele nova, fresca e desembaraçada logo abaixo dos quadris, que as minas gostam de mostrar. Elas deixam, de propósito, pra gente ver. Às vezes, sabe-se lá, por costume ou por arrependimento, elas puxam as calças pra cima e, nesse movimento de estica e puxa, não sei se por querer, ou querendo, elas rebolam os quadris, para que as calças se ajustem. A bundinha sobe e desce, ligeiramente, mexendo prum lado e pra outro, as carnes tremem e a gente fica parado, quieto, em êxtase, como o padre Réus, quando rezava a missa e subia quatros palmos, pairando no ar, e perdendo o entendimento das coisas.
Numa hora dessas a gente até esquece de meter o pau na prefeitura por causa dos buracos na rua e de xingar o governo por causa do MST, que atravanca o trânsito e nos faz perder a hora.
É claro que esse esforço da gata é por nada ou por pouco. Em seguida, resolutas e renitentes, as calças deslizam de novo, monte glúteo abaixo, que geralmente é de uma abundância suficiente para deslumbrar o mais distraído dos machos.
Há variações naquelas faixas, de carne branca, morena ou mais escurinha. Algumas são discretas, mal e mal aparecem. Mas o que mostram é o suficiente para deixar o cara mais excitado porque, na verdade, - é sempre assim – quanto maior é a curiosidade, maior é a excitação, o anelo pelo território desconhecido. As mais generosas, aquelas de aproximadamente quatro dedos, mostram horizontes mais amplos, zonas mais nítidas, naturalmente: a pontinha da coluna dorsal, a curva bem pronunciada dos quadris e – ah, sim – a parte superior da calcinha, que nos faz pensar na beleza das cores, no contraste da pele, na impertinência da calça jeans, em como seria a dona sem ela. Enfim, a síntese de toda a beleza.
Tudo isso sem contar a comissão de frente, aquela parte que mostra uma barriguinha sarada, não poucas vezes ornamentada por um brilhante “piercing”.
São assim as mulheres. Elas aguçam a curiosidade, levam-nos para o mundo movediço e flutuante da imaginação, despertam fantasias, solicitam-nos, por favor, os olhares, mas ai de nós se mostrarmos efetivamente e concretamente um vivo e real interesse. Aí já falam em assédio, taradismo ou coisas do tipo “esse velho não se encherga”..
Não temos idéia do que lhes vai pela mente, sabendo que a espécie macho sempre carrega consigo o seu armamento, mesmo aqueles que fingem castidade. Não sabemos até que ponto o ego delas é capaz de ir, para atrair admiração, para congregar olhares, para despertar suspiros e tesões., para aguçar desejos alheios, nem sabemos porque o fazem se, na hora do melhor, elas nos dão um “chega pra lá”.
Mulher não é como mosquito, que irrita e propaga o mal. Mas quem é que a entende?
OURO POR OURO, PENTE POR PENTE
Paulo Wainberg
Durante muito tempo pensei que Talião fosse o nome de algum cruel tirano da antiguidade, brutal e vingativo, que a ninguém perdoava e, olho por olho, dente por dente, punia os desagravos com ferocidade implacável.
Muitas coisas na vida são assim, ouve-se falar, tira-se as próprias conclusões e acredita-se nelas como se fossem verdadeiras.
Não recordo como a expressão “olho por olho, dente por dente” entrou na minha esfera de conhecimento, se através de amigos, de alguma leitura, notícia de jornal ou citação e sempre teve, para mim, a conotação de incitar vingança, de ser uma norma cruel e de péssima reputação.
Ocorreu que certa madrugada despertei pensando: “Quem foi Talião?”. A pergunta ficou martelando até que adormeci novamente. Quando acordei pela manhã, a perguntou ressurgiu e, antes de querer a resposta, eu perguntava o motivo da pergunta.
Na época eu fazia terapia em grupo, uma grande experiência por sinal. Coloquei a questão para grupo, na esperança de ouvir uma explicação dos colegas e uma interpretação do terapeuta.
Vã esperança. O assunto não deu IBOPE, o máximo que ouvi, “em passant” como diz o Lula, foi um comentário distraído: - ter curiosidade não é problema – e foi-se o grupo a tratar do problema de um rapaz que vomitava sempre que se aproximava de uma mulher.
Não me amofinei, sinceramente. Se eu queria saber quem foi Talião, então que fosse pesquisar e saberia. Na época as fontes rápidas de informação eram as enciclopédias, enormes coleções que tratavam, sinteticamente, do manancial do conhecimento e tinham que ser atualizadas todos os anos. Não era fácil a procura. O último volume em geral era um índice alfabético que remetia ao número do volume e da página correspondente. Se você não encontrasse o que procurava no índice podia desistir, a informação não existia ou não estava disponível.
Havia três enciclopédias na biblioteca do meu pai: a Jackson, a Barsa e o Tesouro da Juventude.
Durante algumas semanas olhei para as estantes e deixei para amanhã a pesquisa, eu tinha coisas mais importantes a fazer, a principal delas era esperar que meus pais saíssem para o cinema para tentar comer a empregada doméstica.
Durante o dia não dava para pesquisar, tinha o colégio, o futebol, o tema de casa – que sempre ficava para depois, os amigos, as gurias, atividades prioritárias que teimavam em reforçar minha preguiça, meu pecado capital preferido, depois da luxúria e da gula.
Passaram os dias e passou o desejo de saber quem foi Talião. O assunto afastou-se da minha realidade tanto quanto a desova dos bacuris ou as leis de consumo na Groelândia.
Seguiu a vida como os rios, Talião e sua Lei repousando em algum limbo da memória, arquivo não utilizado.
Alguém já usou a expressão: “os insondáveis mistérios da mente”? Caso ninguém tenha usado alegre-se, você está diante de uma originalidade. Mas não se empolgue, tenho certeza que já ouvi essa expressão, literariamente falando.
Pois.
A mente possui insondáveis mistérios, o maior deles é o comportamento. Explico melhor: a mente se comporta tão misteriosamente que, nem usando as mais modernas técnicas de hipnose, de lavagem cerebral, lobotomia central ou lateral, introdução de chips aleatórios, condicionantes ou perspicazes, biópsias eletrônicas, autópsias médico-legais, perfurações profiláticas, anodos sinodiais e ondas nanomagnéticas, se consegue sondar.
Não é que, há quinze dias, acordo de madrugada querendo saber quem foi Talião? Olhei o relógio, eram quatro e meia. Levantei e fui ao banheiro, fazer xixi. Terei acordado para fazer xixi e pensado em Talião ou terei acordado pensando em Talião e aproveitado para fazer xixi?, era o que me perguntava, observando as borbulhas na água do vaso sanitário. Puxei a água, lavei as mãos e, decidido a não prolongar a matéria e adiar a dúvida, combati herculeamente a preguiça e fui pesquisar.
Diante de mim, no lugar das imensas estantes e suas enciclopédias intermediáveis, a tela e o teclado do computador.
Ó benesses da vida moderna e suas simplificações.
Contive a impaciência enquanto minhas configurações eram abertas, os ícones da área de trabalho se revelavam, os negocinhos da barra de ferramentas entravam em ordem e o anti-virus realizava uma atualização automática. Cliquei na internet, entrei no Google, digitei Lei de Talião entre aspas e em 0,12 segundos apareceram aproximadamente 47.100 informações.
Não pesquisei todas, na verdade apenas duas.
Descobri, espantado, que “talião” não é ninguém, não é um lugar, não é sequer o nome de alguma coisa. É uma palavra composta originária do latim: talis onis ou talio onis, isto é, “pena igual à ofensa”, norma descoberta pela primeira vez no Código de Hamurabi e depois referida na Tora judaica, manifestada pelo aforismo universal, Olho por Olho, Dente por Dente.
Estarrecido, continuei lendo e aprendi uma coisa que, como advogado, eu devia saber há muito: a lei de talião constitui a primeira manifestação legal que estabelece que a indenização deve corresponder exatamente ao dano causado, nem mais nem menos. Dela provem as proibições existentes nos Códigos Civis, desde o Direito Romano, de enriquecimento ilícito, isso é, alguém obter vantagem indevida a custa de outrem, ainda que o outrem tenha causado um dano.
Ao contrário de ser a expressão imperativa para “vingança”, a Lei de Talião limita o direito do prejudicado em ver reparado o dano sofrido e impede que o causador desse dano seja explorado, tendo que indenizar além do prejuízo que causou. Se me tirares um olho, terás que me devolver um olho. Se me tirares um dente, terás que me devolver um dente.
A conotação vingativa foi introduzida pela Igreja Católica que tanto revisou o Velho Testamento. Segundo a nova interpretação, se me tirares um olho, tenho o direito de te tirar um olho, se me tirares um dente, tenho o direito de te tirar um dente.
Ou seja, vingança pelo prazer da vingança, visto que nenhuma vantagem aufere alguém que se cobra de um olho perdido tirando um olho do outro.
A norma original, que continha um conceito primordial da Justiça – reparação do dano no limite do dano - foi transformada em apologia do ódio gratuito, enriquecendo o manancial das pregações religiosas e suas eternas e inúteis sagas em favor do Bem, na eterna luta contra o Mal.
Que coisa!
Não sei você mas eu prefiro o sentido original: se você me prejudicar em dez, tem que me indenizar em dez e não vinte.
Bem melhor do que aleijar a sua perna, caso você tenha aleijado a minha num acidente causado por você.
Para que serviriam, aos olhos do mundo, das religiões e dos deuses, mais dois mancos atravancando o fluxo de pedestres, nas calçadas?
Paulo Wainberg
Durante muito tempo pensei que Talião fosse o nome de algum cruel tirano da antiguidade, brutal e vingativo, que a ninguém perdoava e, olho por olho, dente por dente, punia os desagravos com ferocidade implacável.
Muitas coisas na vida são assim, ouve-se falar, tira-se as próprias conclusões e acredita-se nelas como se fossem verdadeiras.
Não recordo como a expressão “olho por olho, dente por dente” entrou na minha esfera de conhecimento, se através de amigos, de alguma leitura, notícia de jornal ou citação e sempre teve, para mim, a conotação de incitar vingança, de ser uma norma cruel e de péssima reputação.
Ocorreu que certa madrugada despertei pensando: “Quem foi Talião?”. A pergunta ficou martelando até que adormeci novamente. Quando acordei pela manhã, a perguntou ressurgiu e, antes de querer a resposta, eu perguntava o motivo da pergunta.
Na época eu fazia terapia em grupo, uma grande experiência por sinal. Coloquei a questão para grupo, na esperança de ouvir uma explicação dos colegas e uma interpretação do terapeuta.
Vã esperança. O assunto não deu IBOPE, o máximo que ouvi, “em passant” como diz o Lula, foi um comentário distraído: - ter curiosidade não é problema – e foi-se o grupo a tratar do problema de um rapaz que vomitava sempre que se aproximava de uma mulher.
Não me amofinei, sinceramente. Se eu queria saber quem foi Talião, então que fosse pesquisar e saberia. Na época as fontes rápidas de informação eram as enciclopédias, enormes coleções que tratavam, sinteticamente, do manancial do conhecimento e tinham que ser atualizadas todos os anos. Não era fácil a procura. O último volume em geral era um índice alfabético que remetia ao número do volume e da página correspondente. Se você não encontrasse o que procurava no índice podia desistir, a informação não existia ou não estava disponível.
Havia três enciclopédias na biblioteca do meu pai: a Jackson, a Barsa e o Tesouro da Juventude.
Durante algumas semanas olhei para as estantes e deixei para amanhã a pesquisa, eu tinha coisas mais importantes a fazer, a principal delas era esperar que meus pais saíssem para o cinema para tentar comer a empregada doméstica.
Durante o dia não dava para pesquisar, tinha o colégio, o futebol, o tema de casa – que sempre ficava para depois, os amigos, as gurias, atividades prioritárias que teimavam em reforçar minha preguiça, meu pecado capital preferido, depois da luxúria e da gula.
Passaram os dias e passou o desejo de saber quem foi Talião. O assunto afastou-se da minha realidade tanto quanto a desova dos bacuris ou as leis de consumo na Groelândia.
Seguiu a vida como os rios, Talião e sua Lei repousando em algum limbo da memória, arquivo não utilizado.
Alguém já usou a expressão: “os insondáveis mistérios da mente”? Caso ninguém tenha usado alegre-se, você está diante de uma originalidade. Mas não se empolgue, tenho certeza que já ouvi essa expressão, literariamente falando.
Pois.
A mente possui insondáveis mistérios, o maior deles é o comportamento. Explico melhor: a mente se comporta tão misteriosamente que, nem usando as mais modernas técnicas de hipnose, de lavagem cerebral, lobotomia central ou lateral, introdução de chips aleatórios, condicionantes ou perspicazes, biópsias eletrônicas, autópsias médico-legais, perfurações profiláticas, anodos sinodiais e ondas nanomagnéticas, se consegue sondar.
Não é que, há quinze dias, acordo de madrugada querendo saber quem foi Talião? Olhei o relógio, eram quatro e meia. Levantei e fui ao banheiro, fazer xixi. Terei acordado para fazer xixi e pensado em Talião ou terei acordado pensando em Talião e aproveitado para fazer xixi?, era o que me perguntava, observando as borbulhas na água do vaso sanitário. Puxei a água, lavei as mãos e, decidido a não prolongar a matéria e adiar a dúvida, combati herculeamente a preguiça e fui pesquisar.
Diante de mim, no lugar das imensas estantes e suas enciclopédias intermediáveis, a tela e o teclado do computador.
Ó benesses da vida moderna e suas simplificações.
Contive a impaciência enquanto minhas configurações eram abertas, os ícones da área de trabalho se revelavam, os negocinhos da barra de ferramentas entravam em ordem e o anti-virus realizava uma atualização automática. Cliquei na internet, entrei no Google, digitei Lei de Talião entre aspas e em 0,12 segundos apareceram aproximadamente 47.100 informações.
Não pesquisei todas, na verdade apenas duas.
Descobri, espantado, que “talião” não é ninguém, não é um lugar, não é sequer o nome de alguma coisa. É uma palavra composta originária do latim: talis onis ou talio onis, isto é, “pena igual à ofensa”, norma descoberta pela primeira vez no Código de Hamurabi e depois referida na Tora judaica, manifestada pelo aforismo universal, Olho por Olho, Dente por Dente.
Estarrecido, continuei lendo e aprendi uma coisa que, como advogado, eu devia saber há muito: a lei de talião constitui a primeira manifestação legal que estabelece que a indenização deve corresponder exatamente ao dano causado, nem mais nem menos. Dela provem as proibições existentes nos Códigos Civis, desde o Direito Romano, de enriquecimento ilícito, isso é, alguém obter vantagem indevida a custa de outrem, ainda que o outrem tenha causado um dano.
Ao contrário de ser a expressão imperativa para “vingança”, a Lei de Talião limita o direito do prejudicado em ver reparado o dano sofrido e impede que o causador desse dano seja explorado, tendo que indenizar além do prejuízo que causou. Se me tirares um olho, terás que me devolver um olho. Se me tirares um dente, terás que me devolver um dente.
A conotação vingativa foi introduzida pela Igreja Católica que tanto revisou o Velho Testamento. Segundo a nova interpretação, se me tirares um olho, tenho o direito de te tirar um olho, se me tirares um dente, tenho o direito de te tirar um dente.
Ou seja, vingança pelo prazer da vingança, visto que nenhuma vantagem aufere alguém que se cobra de um olho perdido tirando um olho do outro.
A norma original, que continha um conceito primordial da Justiça – reparação do dano no limite do dano - foi transformada em apologia do ódio gratuito, enriquecendo o manancial das pregações religiosas e suas eternas e inúteis sagas em favor do Bem, na eterna luta contra o Mal.
Que coisa!
Não sei você mas eu prefiro o sentido original: se você me prejudicar em dez, tem que me indenizar em dez e não vinte.
Bem melhor do que aleijar a sua perna, caso você tenha aleijado a minha num acidente causado por você.
Para que serviriam, aos olhos do mundo, das religiões e dos deuses, mais dois mancos atravancando o fluxo de pedestres, nas calçadas?
quinta-feira, 3 de julho de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
AMULETOS FEBRÍS
Paulo Wainberg
Meu horóscopo anda aprontando para mim.
Como é de conhecimento público, não sou absolutamente supersticioso nem acredito em mau-olhado. Quebro espelhos com tranqüilidade, nem me importo quando derramo sal ou se um gato preto cruzar à minha frente. E quando vejo uma escada passo por baixo dela sem nenhuma cerimônia.
Além disso não saio de casa sem ler meu horóscopo, e já vão décadas. É leitura obrigatória no jornal, durante meu café da manhã. Faço isto por duas razões perfeitamente justificáveis.
A primeira é que gosto de saber o que os astros reservam para o meu dia. Em quais conjunções se envolveram para determinar se devo fazer isto ou aquilo e se o momento é propício para dar mais atenção àquela tarefa ou à pessoa que, nos últimos dias, negligenciei.
A segunda, e mais importante, é porque, como me disse alguém que não lembro mais, tanto tempo faz, que sair de casa sem ler o horóscopo dá um azar danado, se eu não quisesse que coisas ruins me acontecessem, que jamais, jamais repetiu ele, saísse de casa sem ler meu horóscopo.
Por via das dúvidas, nunca se sabe e porque não custa nada, venho obedecendo à recomendação com fidelidade idêntica à conjugal, se é que me entende.
Não sei se você já se deu conta que as coisas ruins estão à espreita, prontas para acontecer a qualquer momento, principalmente aquelas que, lá no fundo mais profundo do seu eu, você teme que aconteçam e, todos os dias, na hora de dormir, você respira aliviado porque não foi hoje.
Ao contrário, as coisas boas em geral pegam você de surpresa, demoram tanto para acontecer que você nem esperava mais.
Então, para que fique bem claro e você não pensar que sou supersticioso, leio meu horóscopo todos os dias para dificultar o trabalho das coisas ruins e não para provocar o surgimento de coisas boas. Aí sim, seria superstição, compriende?
Entre as várias facetas da minha personalidade a de menor expressão é a originalidade, razão pela qual, por instinto de defesa, copio o que os outros dizem com a maior cara de pau, porém com honestidade.
Quando copio, eu digo.
E é copiando os grandes mestres da auto-ajuda que ouso dizer a V. Excelência que diante das coisas ruins, deveis lutar para melhorá-las e para conseguir as coisas boas, batalhai por elas sem esperar que elas vos caiam do céu, como caem granizo, aviões e cocô de pombas.
Meu horóscopo costumava dar conselhos, orientar meu dia e fazer previsões, gerais, é verdade, mas previsões.
“Você, libriano, se sente melhor no imaginário do que no real, mas às vezes é bom olhar para a terra.”
“Aquário, seu ascendente, influencia negativamente seu signo. É tempo de refletir mais, antes de agir.”
“Marte está sob a influência de Vênus, bom período para o amor. Já é hora de dar aquele telefonema que você vem adiando”.
“Excelente período para assinar papéis, assumir compromissos e adquirir a tão sonhada casa própria. Leituras favorecidas.”
Alguns vaticínios mais filosóficos:
“Não perca tempo com aquilo que você não compreende, entre o céu e a terra”.
“Se um é ruim, dois é bom e três é demais, não insista. Contente-se com o que tem e pare de cobiçar o que não tem.”
“A lua está em fase propícia, libriano. Liberte-se, solte as amarras que impedem você de voar.”
“Estão culpando você por tudo? Lembre-se, você não tem a missão de carregar o mundo nas costas. Avalie as possibilidades e deixe de lado o lixo do dia a dia.”
Conselhos mais diretos:
“Deixe de lado a tendência de querer ajudar os outros. Não esqueça que, para ajudar alguém você precisa primeiro ajudar a si mesmo.”
“Encucar-se não adianta, aja! Você só saberá o significado do sorriso que ela(e) lhe deu se for perguntar”.
“Não perca a oportunidade, marque logo aquele almoço, diga o que tem a dizer e verá que o retorno será imediato.”
Alguns até com alguma dose de ironia e bom-humor:
“O alinhamento astral é turbulento. Se eu fosse você não saia da cama, hoje.”
“Levante daí, Libriano, sacuda a poeira, dê a volta por cima. Mercúrio, no periélio, convida você para a aventura.”
Prognósticos, portanto, com os quais eu lido muito bem, não me causam sobressaltos, inclusive as metáforas astrais que, sem maior dificuldade, interpreto muito bem. Posso sair de casa tranqüilo e arremeter dia adentro, com força e com vontade.
Ultimamente, entretanto, meu horóscopo mudou o estilo e o foco, o que muito está me perturbando.
E o jornal não trocou o horoscopista, pelo menos o nome é o mesmo.
Meu horóscopo abandonou a linha do conselho, do prognóstico e da orientação e passou a me fazer perguntas:
“Um libriano normalmente desconhece a própria força. Você conhece a sua?”
Como assim? Não é ele quem tem que me dizer qual o tamanho da minha força? Qual força ele está falando, a física, a moral, a psíquica? Estará ele me sugerindo ir a uma academia de ginástica erguer halteres? Me desafiando a recusar dez milhões de Euros de propina? Propondo que eu leia pensamentos ou movimente objetos só com o olhar?
“Quando os conflitos vão ao extremo a razão cede e o impulso assume o controle. O que você vai fazer, quanto a isso?”
Você não imagina como eu fico quando, mastigando pão com manteiga e tomando um gole de café, leio uma coisa dessas escrita no meu horóscopo. Engasto, tusso, entra um farelo de pão pela faringe (ou laringe), espirro, meu cachorro fica louco (ele enlouquece com espirros), derramo café no pijama e queimo a perna, espirro de novo, tusso mais ainda, levo cinco minutos para escapar da apoplexia e respirar normalmente.
O que é que eu vou fazer quanto a isso? Como é que eu vou saber, por Meu Pé de Laranja Lima?!!!!!! Estarei por acaso no Iraque? Alguém cortou a minha frente no trânsito? Os funcionários do meu escritório me esperam com escopetas, floretes e socos-ingleses? Algum magistrado me jurou de morte por causa de um recurso?
“As meias-medidas servem para obter apenas meias soluções. Você já é bastante grande para procurar soluções inteiras. Qual vai ser a sua atitude, daqui para frente?”
Isso lá e coisa que um horóscopo pergunte aos membros de um signo? Por acaso todos nós, nascidos em Libra com ascendente em Aquário estamos tão defasados, quanto às soluções?
Dia desses, assustado, fiz o que nunca faço em materia horoscopal e li os outros signos. Fiquei mais assustado pois meu temor se confirmou: Marte e Áries sabiam, com perfeita clareza, que o período não era recomendado para jogos de azar e apostas em geral. Os leoninos entravam no período da fecundidade e podiam fazer planos para aumentar a família ou iniciar uma. Todos os signos dentro da mais absoluta normalidade.
O que eu suspeitava se confirmou de forma aterrorizadora: era uma questão pessoal. Meu horóscopo está falando diretamente comigo, querendo saber de mim quais providências vou tomar para, no futuro incerto, merecer outra vez o que ele, por tanto tempo, tem me ofertado.
Vivo atormentado, posto diante de um dilema, sem saber qual atitude tomar: continuo a ler meu horóscopo e seus angustiantes questionamentos a me torturar? Ou paro de ler e afundo na onda de azar inevitável que sobre mim desabará?
Como, felizmente, não sou supersticioso, resolvi fazer o seguinte: comprei um pé de coelho, catei um trevo de quatro folhas num banhado lá perto de casa, guardei um dólar na carteira e pendurei ferraduras em todas as portas de minha casa.
E dei um tempo para o horóscopo que é para ele saber quem é que manda.
Paulo Wainberg
Meu horóscopo anda aprontando para mim.
Como é de conhecimento público, não sou absolutamente supersticioso nem acredito em mau-olhado. Quebro espelhos com tranqüilidade, nem me importo quando derramo sal ou se um gato preto cruzar à minha frente. E quando vejo uma escada passo por baixo dela sem nenhuma cerimônia.
Além disso não saio de casa sem ler meu horóscopo, e já vão décadas. É leitura obrigatória no jornal, durante meu café da manhã. Faço isto por duas razões perfeitamente justificáveis.
A primeira é que gosto de saber o que os astros reservam para o meu dia. Em quais conjunções se envolveram para determinar se devo fazer isto ou aquilo e se o momento é propício para dar mais atenção àquela tarefa ou à pessoa que, nos últimos dias, negligenciei.
A segunda, e mais importante, é porque, como me disse alguém que não lembro mais, tanto tempo faz, que sair de casa sem ler o horóscopo dá um azar danado, se eu não quisesse que coisas ruins me acontecessem, que jamais, jamais repetiu ele, saísse de casa sem ler meu horóscopo.
Por via das dúvidas, nunca se sabe e porque não custa nada, venho obedecendo à recomendação com fidelidade idêntica à conjugal, se é que me entende.
Não sei se você já se deu conta que as coisas ruins estão à espreita, prontas para acontecer a qualquer momento, principalmente aquelas que, lá no fundo mais profundo do seu eu, você teme que aconteçam e, todos os dias, na hora de dormir, você respira aliviado porque não foi hoje.
Ao contrário, as coisas boas em geral pegam você de surpresa, demoram tanto para acontecer que você nem esperava mais.
Então, para que fique bem claro e você não pensar que sou supersticioso, leio meu horóscopo todos os dias para dificultar o trabalho das coisas ruins e não para provocar o surgimento de coisas boas. Aí sim, seria superstição, compriende?
Entre as várias facetas da minha personalidade a de menor expressão é a originalidade, razão pela qual, por instinto de defesa, copio o que os outros dizem com a maior cara de pau, porém com honestidade.
Quando copio, eu digo.
E é copiando os grandes mestres da auto-ajuda que ouso dizer a V. Excelência que diante das coisas ruins, deveis lutar para melhorá-las e para conseguir as coisas boas, batalhai por elas sem esperar que elas vos caiam do céu, como caem granizo, aviões e cocô de pombas.
Meu horóscopo costumava dar conselhos, orientar meu dia e fazer previsões, gerais, é verdade, mas previsões.
“Você, libriano, se sente melhor no imaginário do que no real, mas às vezes é bom olhar para a terra.”
“Aquário, seu ascendente, influencia negativamente seu signo. É tempo de refletir mais, antes de agir.”
“Marte está sob a influência de Vênus, bom período para o amor. Já é hora de dar aquele telefonema que você vem adiando”.
“Excelente período para assinar papéis, assumir compromissos e adquirir a tão sonhada casa própria. Leituras favorecidas.”
Alguns vaticínios mais filosóficos:
“Não perca tempo com aquilo que você não compreende, entre o céu e a terra”.
“Se um é ruim, dois é bom e três é demais, não insista. Contente-se com o que tem e pare de cobiçar o que não tem.”
“A lua está em fase propícia, libriano. Liberte-se, solte as amarras que impedem você de voar.”
“Estão culpando você por tudo? Lembre-se, você não tem a missão de carregar o mundo nas costas. Avalie as possibilidades e deixe de lado o lixo do dia a dia.”
Conselhos mais diretos:
“Deixe de lado a tendência de querer ajudar os outros. Não esqueça que, para ajudar alguém você precisa primeiro ajudar a si mesmo.”
“Encucar-se não adianta, aja! Você só saberá o significado do sorriso que ela(e) lhe deu se for perguntar”.
“Não perca a oportunidade, marque logo aquele almoço, diga o que tem a dizer e verá que o retorno será imediato.”
Alguns até com alguma dose de ironia e bom-humor:
“O alinhamento astral é turbulento. Se eu fosse você não saia da cama, hoje.”
“Levante daí, Libriano, sacuda a poeira, dê a volta por cima. Mercúrio, no periélio, convida você para a aventura.”
Prognósticos, portanto, com os quais eu lido muito bem, não me causam sobressaltos, inclusive as metáforas astrais que, sem maior dificuldade, interpreto muito bem. Posso sair de casa tranqüilo e arremeter dia adentro, com força e com vontade.
Ultimamente, entretanto, meu horóscopo mudou o estilo e o foco, o que muito está me perturbando.
E o jornal não trocou o horoscopista, pelo menos o nome é o mesmo.
Meu horóscopo abandonou a linha do conselho, do prognóstico e da orientação e passou a me fazer perguntas:
“Um libriano normalmente desconhece a própria força. Você conhece a sua?”
Como assim? Não é ele quem tem que me dizer qual o tamanho da minha força? Qual força ele está falando, a física, a moral, a psíquica? Estará ele me sugerindo ir a uma academia de ginástica erguer halteres? Me desafiando a recusar dez milhões de Euros de propina? Propondo que eu leia pensamentos ou movimente objetos só com o olhar?
“Quando os conflitos vão ao extremo a razão cede e o impulso assume o controle. O que você vai fazer, quanto a isso?”
Você não imagina como eu fico quando, mastigando pão com manteiga e tomando um gole de café, leio uma coisa dessas escrita no meu horóscopo. Engasto, tusso, entra um farelo de pão pela faringe (ou laringe), espirro, meu cachorro fica louco (ele enlouquece com espirros), derramo café no pijama e queimo a perna, espirro de novo, tusso mais ainda, levo cinco minutos para escapar da apoplexia e respirar normalmente.
O que é que eu vou fazer quanto a isso? Como é que eu vou saber, por Meu Pé de Laranja Lima?!!!!!! Estarei por acaso no Iraque? Alguém cortou a minha frente no trânsito? Os funcionários do meu escritório me esperam com escopetas, floretes e socos-ingleses? Algum magistrado me jurou de morte por causa de um recurso?
“As meias-medidas servem para obter apenas meias soluções. Você já é bastante grande para procurar soluções inteiras. Qual vai ser a sua atitude, daqui para frente?”
Isso lá e coisa que um horóscopo pergunte aos membros de um signo? Por acaso todos nós, nascidos em Libra com ascendente em Aquário estamos tão defasados, quanto às soluções?
Dia desses, assustado, fiz o que nunca faço em materia horoscopal e li os outros signos. Fiquei mais assustado pois meu temor se confirmou: Marte e Áries sabiam, com perfeita clareza, que o período não era recomendado para jogos de azar e apostas em geral. Os leoninos entravam no período da fecundidade e podiam fazer planos para aumentar a família ou iniciar uma. Todos os signos dentro da mais absoluta normalidade.
O que eu suspeitava se confirmou de forma aterrorizadora: era uma questão pessoal. Meu horóscopo está falando diretamente comigo, querendo saber de mim quais providências vou tomar para, no futuro incerto, merecer outra vez o que ele, por tanto tempo, tem me ofertado.
Vivo atormentado, posto diante de um dilema, sem saber qual atitude tomar: continuo a ler meu horóscopo e seus angustiantes questionamentos a me torturar? Ou paro de ler e afundo na onda de azar inevitável que sobre mim desabará?
Como, felizmente, não sou supersticioso, resolvi fazer o seguinte: comprei um pé de coelho, catei um trevo de quatro folhas num banhado lá perto de casa, guardei um dólar na carteira e pendurei ferraduras em todas as portas de minha casa.
E dei um tempo para o horóscopo que é para ele saber quem é que manda.
quarta-feira, 2 de julho de 2008
VARIAÇÕES EM TORNO DO TEMA FIADASPUTAS
MINISTÉRIO PÚBLICO X MST
João Eichbaum
O Ministério Público, até alguns anos atrás, era pouco conhecido. A gente, quando muito, ouvia falar do Promotor de Justiça. Mas, sobre o Ministério Público ninguém falava. E até não era das mais honrosas a fama dos promotores de justiça. Seu pareceres, muitas vezes, não passavam de um “nada a opor”. Ou, quando muito, “nada a opor, peço Justiça” – como se justiça não se faria sem o pedido do Promotor. O Promotor aparecia, isso sim, na tribuna do Júri. Grandes oradores ali se fizeram e houve até um Presidente da República que iniciou sua fama de orador como Promotor de Justiça, o Getúlio Vargas.
O Promotor de Justiça muitas vêzes não comparecia nas audiências. Então o juiz nomeava um “ Promotor ad hoc”. Qualquer pessoa podia ser nomeada “ Promotor ad hoc”, para que fosse cumprida a formalidade legal que exigia a presença do Promotor de Justiça.
Com a Constituição de 1988, mudou a feição do Ministério Público. A partir dela, praticamente desapareceu a figura do Promotor de Justiça, para aparecer o Ministério Público, espécie de Quarto Poder, com autonomia financeira e administrativa garantida na Constituição.
Hoje, o Ministério Público, com essa autonomia, não é propriamente um órgão do Poder Executivo e, muito menos do Judiciário. Não é um órgão de soberania, mas exerce funções soberanas, em todas as áreas da sociedade.
Hoje, o Ministério Público mete medo. Falou em Ministério Público, a turma treme, como se a mencionada instituição tivesse poderes iguais ou superiores aos do Judiciário. E graças a esse respeito que granjeou da sociedade, o Ministério Público, hoje, é como um deus: está em toda a parte. Fiscaliza hospitais, estádios de futebol, escolas, atividades públicas e privadas, anda atrás de máquinas caça-níqueis, se ocupa dos quiosques na praia, enfim, onde quer que haja uma atividade humana lá está o Ministério Público.
Parece que custou muito, mas o Ministério Público, finalmente, descobriu o MST, chegando à conclusão de que não se trata de uma organização de freirinhas inocentes, mas de gente que organiza arruaças, desrespeita o direito de propriedade, usa crianças como escudos, destrói o patrimônio alheio, ocupa vias públicas, prejudica o ir e vir das pessoas e congrega gente entregue ao ócio, remunerado não se sabe por quem.
Até hoje ninguém havia reclamado das atividades do Ministério Público. Mas foi ele se meter com o MST, surgiram clamores de todos os lados, clamores esses orquestrados pela gente que se abebera nas tetas do partido que governa o país. De repente, lançou-se suspeição sobre o Ministério Público, por conta dessa República dos Coitadinhos, que acha que preguiça é virtude e que a pobreza autoriza a violência, a depredação, os crimes ambientais e por aí afora.
Agora é que vamos ver até onde vão os poderes e a verdadeira autonomia do Ministério Público, que deve ser a autonomia moral. Agora vamos ver se a força do Ministério Público está acima da gandaia política e se tudo o que fez até hoje não foi apenas para aparecer e fazer esquecer os tempos do “Promotor ad hoc”.
João Eichbaum
O Ministério Público, até alguns anos atrás, era pouco conhecido. A gente, quando muito, ouvia falar do Promotor de Justiça. Mas, sobre o Ministério Público ninguém falava. E até não era das mais honrosas a fama dos promotores de justiça. Seu pareceres, muitas vezes, não passavam de um “nada a opor”. Ou, quando muito, “nada a opor, peço Justiça” – como se justiça não se faria sem o pedido do Promotor. O Promotor aparecia, isso sim, na tribuna do Júri. Grandes oradores ali se fizeram e houve até um Presidente da República que iniciou sua fama de orador como Promotor de Justiça, o Getúlio Vargas.
O Promotor de Justiça muitas vêzes não comparecia nas audiências. Então o juiz nomeava um “ Promotor ad hoc”. Qualquer pessoa podia ser nomeada “ Promotor ad hoc”, para que fosse cumprida a formalidade legal que exigia a presença do Promotor de Justiça.
Com a Constituição de 1988, mudou a feição do Ministério Público. A partir dela, praticamente desapareceu a figura do Promotor de Justiça, para aparecer o Ministério Público, espécie de Quarto Poder, com autonomia financeira e administrativa garantida na Constituição.
Hoje, o Ministério Público, com essa autonomia, não é propriamente um órgão do Poder Executivo e, muito menos do Judiciário. Não é um órgão de soberania, mas exerce funções soberanas, em todas as áreas da sociedade.
Hoje, o Ministério Público mete medo. Falou em Ministério Público, a turma treme, como se a mencionada instituição tivesse poderes iguais ou superiores aos do Judiciário. E graças a esse respeito que granjeou da sociedade, o Ministério Público, hoje, é como um deus: está em toda a parte. Fiscaliza hospitais, estádios de futebol, escolas, atividades públicas e privadas, anda atrás de máquinas caça-níqueis, se ocupa dos quiosques na praia, enfim, onde quer que haja uma atividade humana lá está o Ministério Público.
Parece que custou muito, mas o Ministério Público, finalmente, descobriu o MST, chegando à conclusão de que não se trata de uma organização de freirinhas inocentes, mas de gente que organiza arruaças, desrespeita o direito de propriedade, usa crianças como escudos, destrói o patrimônio alheio, ocupa vias públicas, prejudica o ir e vir das pessoas e congrega gente entregue ao ócio, remunerado não se sabe por quem.
Até hoje ninguém havia reclamado das atividades do Ministério Público. Mas foi ele se meter com o MST, surgiram clamores de todos os lados, clamores esses orquestrados pela gente que se abebera nas tetas do partido que governa o país. De repente, lançou-se suspeição sobre o Ministério Público, por conta dessa República dos Coitadinhos, que acha que preguiça é virtude e que a pobreza autoriza a violência, a depredação, os crimes ambientais e por aí afora.
Agora é que vamos ver até onde vão os poderes e a verdadeira autonomia do Ministério Público, que deve ser a autonomia moral. Agora vamos ver se a força do Ministério Público está acima da gandaia política e se tudo o que fez até hoje não foi apenas para aparecer e fazer esquecer os tempos do “Promotor ad hoc”.
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