segunda-feira, 28 de julho de 2008

COLUNA DO MÁRIO SIMON

AO RÉS DO CHÃO

Mário Simon

A bem da verdade, eu nunca dormi com ela. Não é como dizem por aí, que tivemos um caso, que deitamos e rolamos. Não. Eu ficava ali, olho aceso no más, ouvido atento. A cama não era lá esses coisas e havia um cheiro de mofo que me fazia espirrar. Alergia, você sabe! Ah, sim, e tinha o revólver. Desse ela não gostava.
- Pra que duas armas, Fininho? - me dizia com malícia.
Não sei qual das “armas” ela mais temia. O que sei é que eu odiava aquele “Fininho”. De onde subtraíra esse nome que não me cabia de jeito nenhum? Seria uma referência caluniosa a minha “arma”? Essa não, pois que de fininho era só a cabelama das adjacências, segundo meu entendimento.
Mas ninguém nunca compreendeu o que é que eu fazia na cama dela toda santa noite. Dois meses, para ser mais preciso. Esquentar a megera é que não haveria de ser. Homem que é homem não esquenta: mete a brasa.
Hoje eu digo. Nem esquentava e nem metia a brasa. Mas quem acreditar há de? Não era eu lá um macho de trepar primeiro e depois perguntar se queria? Até corria a fama que, de uma feita... mas aí eu perco o fio da meada.
Dizia, pernoitei na cama, junto, ali, no bafo, dois meses. E não que fosse na marra. Ia porque ia, livre, por conta e risco. Só não vão me entender é o porquê alertava aquelas cobertas de lã mofadas. Dava minhas duas ou três espirradas - saúde - e dormia. Já disse, alergia!
O caso é que, naquela época, as coisas foram se parando feias e eu andava como galinha que cisca não por frescura, mas por precisão. Qualquer minhoca dava um bife. Não havia trabalho nem para um vivente em pé de morrer. Foi miséria da braba. Tinha vindo da roça, fazia o quê, um mês?
Pois eu digo! Foi que, um dia, saí disposto a pegar serviço nem que fosse no cu do mundo. Fome, tchê, dói. Um pé de galinha dava um assado. Aí que dei na casa de
- Hermosa, mas pode me chamar de Mosa.
Isso foi quando perguntei qual era sua graça. Mas já estava dentro de casa, nem sei como me adentraram. Só dei em mim quando, no relance de umas cortinas de franjinha, umas mesas de bar no lusquefusque de umas luzinhas de cor, vi que era casa de putedo.
- Não quer sentar?
Daquela sentada até umas horas depois não tive tempo de dizer sim nem não. A dona Mosa botou preço e condição. Cama e comida, no sentido bilateral dessas palavras. Meio resvalento, pensava. E mais uns cruzados meio tipo um mínimo, por aí. E deu no que deu. Obrigação minha era deitar na cama dela, com ela ou sem ela. Fazia, ali, um serviço de desobrigação para a pobre, na verdade. Freguês que arrastava a asa pra banda da Mosa, ela já dizia:
- Não dá, meu bem, ele está aí...
Esse ele era eu. Mas tem umas voltas por esse emprego de emergência que até me custa acreditar e é ruim de revelar. Pela manhã, meu serviço era recolher os penicos dos quartos das putas e esvaziar o conteúdo deles numa latrina que havia no fundo do pátio. Danado, demais, tchê. Houve uma vez que jurei procurar o oco do mundo e mandar tudo a puta que o pariu, já que ali, com perdão da palavra, era isso que eu era.
Mas o caso não tinha por que terminar. Mermava a raiva, você me entende. Cão danado dá em agosto, dizem. Até que, duma feita, me emborrachei de cachaça, perdi as estribeiras e me pelei na sala dando uns vexames dos diabos. Atentei uma garrafada num cuera, mas o puterio me empurrou pro quarto antes que apanhasse. Fiquei lá, o forro rodeando feio, a cama ladeando e o revólver ali, frio, aquele jeito quietão.
Então resolvi. E quando resolvo, sai da frente. Hermosa chegou pra deitar, se pelou toda, a pelanca um saco velho, os peitos beirando o umbigo murcho, a bunda uma plasta solta.
- Que tá olhando, Fininho?
Pensei, se pensei: merda meia, merda toda. Meti o revólver no meio dos peitos e babei:
- Me dá o rabo!
Pois desgraça das desgraças, ela deu. Olha, tchê, que tem muito homem aqui dentro. Mas já que estava naquela, fui. Não costumo pedir pra depois não aceitar. No entretanto, já que ninguém nos ouve, não fiz. Não pude! Olhei pra baixo e vi que o Fininho era fininho mesmo e, caído assim, um dedo minguinho entortado. Me lembro, agora, que mirei o revólver, mas, tchê, é brabo. Quem nasce pra cisco acaba sempre nos cantos. Me agachei, peguei o pinico debaixo da cama e fui virar lá fora, que a Mosa não dormia com urina no quarto.

Nenhum comentário: