O DONO DA ESTRADA
Crônica de Mário Simon
- Olha, ele mandou você tomar no “óxla”!
- Quá-quá-quá! Fazia tempo que não ouvia essa expressão. Mas como é que sabes que ele me mandou tomar no “óxla”?
- Ele fez assim – e meu companheiro juntou a ponta do polegar com a ponta do indicador formando um famoso círculo altamente suspeito.
- Que nada, compadre! Ele quis dizer OK! Tudo OK, como fazem os americanos.
- Sei não! A posição da mão não indicava isso, e pela cara dele deve ter acompanhado com uns vapequetepe!
Balancei a cabeça e encolhi os ombros significando “não esquente”, “deixe pra lá”, “fique frio”. No entanto, eu sabia que por muito menos do que aquele gesto e aqueles palavrões, um bom número de motoristas donos da estrada já morreram – não por acidentes, mas com uma bala bem na testa.
Mas o que fiz eu para merecer o vapequetepe acompanhado do gesto tradicional redondinho que muito bem vislumbrei pelo retrovisor?
O que fiz foi andar atrás dele por não menos de seis quilômetros, mas também por não mais do que isso, a menos de 30 km/hora. Foi próximo a Passo Fundo, na BR 285, onze horas da manhã. De repente, aquela camioneta flamante na minha frente. Lenta, tão lenta que bem pude observar os dois dentro da cabina. Dois que pareciam um, tal o grude dos corpos, num “amasso” de soltar vapores de calor pelas janelas.
Subíamos em curva, longa faixa amarela dupla. Teimei em não ultrapassar, mesmo porque era proibido. Outros dois automóveis que vinham atrás passaram e sumiram. eu fiquei, um pouco saboreando a bela visão romântica, outro pouco me “lascando”, porque o cara do grude resolveu me dar uma lição. Tão logo o caminho permitiu a ultrapassagem, ele meteu o carro à esquerda, quase na contramão, de forma mais do que acintosa.
Então tentei, mesmo assim, passá-lo, mas ele fechou mais ainda e, por incrível que pareça, sem desgrudar da moça. Voltei à direita, ele voltou também. E como se deve fazer nesses casos quando a gente encontra o dono da estrada, - neste episódio, o dono da BR 285 -, comecei a rir.
- E você ainda ri? – surpreendeu-se meu companheiro de viagem.
- Compadre, eles estão trepando e, pelo jeito, já no finalzinho. Espere um pouco que eles desgrudam. Não há trepada que dure para sempre, quá-quá-quá.
Mas meu companheiro estava nervozinho. Meteu a mão na buzina, forte e brabo. Foi pior! O proprietário da estrada quase parou, e ficou olhando atento com um olho para nossos possíveis movimentos. Como não meto a mão em cumbuca, igualzinho a macaco velho, fiquei na retaguarda, abrindo cancha para que outros veículos passassem sem problemas. E seguimos, os dois, como veículos acompanhando enterro de rico.
Pouco antes do primeiro acesso a Passo Fundo, ele abriu para o acostamento. Então passei, sem pressa, ao natural. Afinal, era o dono da BR 285 que eu estava ultrapassando e não qualquer porqueira. Tanto que ele ainda me cumprimentou com aquele amável sinal e dois ou três vapequetepe. Que mais eu queria de sua bondade? A manhã estava linda! De jeito nenhum iria tomar satisfações de um desqualificado.
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