terça-feira, 1 de julho de 2008

RELAÇÕES RELATIVAS
Paulo Wainberg





Minha relação com Charles Aznavour sempre foi fria e distante. Ele nunca fez questão de mudar isso nem eu.
Entre nós as coisas estão bem definidas: ele lá e eu aqui.
Desconfio do motivo de tal distanciamento e indiferença mútuos, embora ele nunca tenha me feito de mal e eu, com certeza, jamais lhe fiz algum favor. Inclusive nunca comprei um disco dele.
Teria ele, por acaso, descoberto isso? Saberia ele, através de seus controles, fichários, agentes e marqueteiros que nunca contribui com um centavo para a sua fortuna? Por causa disso mantém essa atitude pouco comunicativa?
Certas coisas eu simplesmente não compreendo. Elas simplesmente acontecem como se alguma imposição extra-sensorial determinasse o rumo dos acontecimentos.
Sou dado a certas manias inexplicáveis, subjetivismos circunstanciais que, não é que me incomodem, entende?, mas funcionam negativamente nos âmbitos das minhas prioridades.
Nunca, por exemplo, assisti Tangos e Tragédias. Um espetáculo vintenário, digno dos maiores louvores, elogios e recomendações e eu nunca fui. Todos os anos ele volta ao cartaz, todos os anos eu digo que agora eu vou e na hora, não vou.
Também não assisto, como se fosse um princípio ético, as séries Lost e Law and Order, na TV a cabo.
Por que faço isso? Palavra de honra que não sei.
Mil outras coisas que não faço simplesmente, como se fosse uma birra, uma questão de princípio ou um imperativo de foro íntimo, vez em quando me perturbam, algo assim como se eu estivesse sendo preconceituoso, coisa da qual me orgulho de não ser.
Jamais fui assistir às sessões contínuas no cine Apolo, especializado em filmes pornográficos.
Não ando de lotação e ônibus nem que a vaca tussa, vá pro brejo e se achegue ao boi atolado.
Simplesmente me recuso a ler o segundo parágrafo de Ulisses de Joyce e há muito desisti de ler o primeiro.
Apesar de achar que ela é um fenômeno da televisão, passo pelo programa da Hebe Camargo como um carro de Fórmula Um passa pela frente de um poste.
Passear com meu cachorro, nem pensar. Ele que se contente com o quintal lá de casa.
Não assisti a nenhum filme da série O Senhor dos Anéis e basta anunciar uma Maratona que eu vou saindo de perto.
Jogos de basquete, por Meu Pé de Laranja Lima! Que, aliás, nunca li.
Porém nem tudo é negativo, nas minhas manias. Não perco um jogo do Internacional, desde que passe na televisão. Freqüento qualquer restaurante, assisti a todos os filmes do Jacques Tati, do Chaplin, li a obra completa de Balzac, Madame Bovary seria meu livro de cabeceira caso eu tivesse uma cabeceira na moderna decoração do meu quarto.
Ambigüidades tais que, do fundo do meu coração, não consigo explicar.
Ainda ontem estava conversando com o Toneco, um grande músico que faz assim nas cordas do violão e você não quer mais nada na vida a não ser ouvir, lembrando que nos meus tempos antigos não perdia baile em que o conjunto fosse o do Norberto Baldauf. O detalhe, hoje impressionante para mim é que a “crooner” dele era nada mais nada menos do que Elis Regina e que, seu eu soubesse que ela seria “a” Elis Regina, teria aproveitado muito mais. Ela estava bem ali à mão, uma garotinha da minha idade, poderia ter sido um grande amigo dela.
Nunca gostei do Charles, esta é a grande verdade. Acho que ele é um tangueiro frustado, não gosto da cara dele nem da voz esganiçada que, aos meus ouvidos, sempre soou como um arranhão. E o repertório? Aqui Del Rei, meus sais, meus sais!
Meus ídolos franceses da época eram Gilbert Bécaud cantando Et Maintenent e Nilo Ventura, o ator mais humanamente verdadeiro que já vi atuar. Ele tinha e mostrava os dedos amarelados de cigarro durante o filme, sabe lá o que é isso?
Charles? Eu passava batido.
Não me acusem de heresia ó vocês, peixinhos do homem. Nem vocês que nunca gostaram tanto dele assim mas estão aí a venerá-lo, só porque ele resolveu cantar por aqui.
Já expliquei anteriormente, em outra crônica, que sendo impossível discutir política, religião, mulher, futebol, cinema, supositórios, ópera, colchões, marca de desodorante, papel de parede, vodka pura ou com gelo, absorventes femininos e pastel de siri, a única coisa que resta para discutir é Gosto.
E Gosto, como se sabe, não se discute.
Acredito que esteja aí a verdadeira explicação para o distanciamento que Charles faz questão de manter, fingindo absoluta falta de interesse na minha pessoa.
Sofro com a ingratidão de algumas personalidades do mundo das artes a quem tanto admiro e que mantém idêntica indiferença. Até entendo que circunstâncias da vida, desencontros ocasionais, frações de segundos a nos separar, impedem que elas saibam o que perdem ao não me procurar. Mas sofro bastante.
Catherine Zeta-Jones, Renné Zweitzeger, Xuxa, a própria Brigitte Bardot, nos tempos áureos e a Sharon Stone de dez anos atrás são exemplos elucidativos de tamanho sofrimento.
Enfim, nem tudo é o que parece e o que parece nem sempre é tudo, seja lá o que isso queira dizer.
Eu não gostava do Charles quando ele era moço, não é agora que vou gostar, quando ele já está com mais de oitenta anos. No meu exército, antiguidade não é posto, duela a quien duela.
Dei-lhe, com a elegância de um barão francês do século XVI, um tapa de luvas e não fui assistir ao show dele aqui em Porto Alegre.
Espero que ele tenha aprendido a lição.

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