quarta-feira, 14 de abril de 2010

COM A PALAVRA, PAULO MARINHO

ORGANIZADAS

Paulo Marinho

A notícia deu num destes programas esportivos: a sociedade – representada por delegados, militares, cartolas e promotores de justiça – prepara uma frente contra as torcidas organizadas de futebol. Para quem só assiste futebol pela tevê, torcida organizada é aquele monte de gente brincando, pulando, acendendo palitos luminosos e ondulando como um corpo único em coreografias fantásticas. Pela tevê, as torcidas organizadas são as responsáveis pela cantoria emocionada. Com-muito-orgulho-no-coraçãã-aão. Pela tevê.

Porque, ao vivo, o espetáculo é outro. Começa que você, simples e comum torcedor, não pode escolher aquele lugarzinho que dá bem no meio da risca do campo. Aquele espaço nobre é da Organizada. Sim com maiúscula. Ou, melhor, de uma delas. Porque são várias, cada qual arrogando para si o poder e a glória suprema de torcer para o seu time. Caso um desavisado, seja idoso, do sexo feminino ou portador de necessidade especial, cometa a desatenção de aboletar-se por ali, ai Jesus. Três lobões parrudos sairão do meio da alcatéia e, aos berros, expulsarão o fortuito invasor.

Torcedor de Organizada tem prerrogativas e critérios únicos. Só ele, em especiais ocasiões, pode vaiar o próprio time. Vai um outro fazer isto, que já vem uma enxurrada de palavrões, com exortações ao símbolo augusto do clube. Na eventualidade de uma reação, é fundamental que a vítima tenha um plano de saúde que contemple remoções de helicóptero. Organizada não bate, massacra. Aliás, seus membros não vêm para o estádio preocupados em ver futebol. Vêm é arrumar confusão.

É verdade. Torcedores das Organizadas não olham o jogo. Seu passatempo predileto é provocar a torcida adversária. E, na falta dela, os outros torcedores, os mortais, que não fazem parte de sua raça de semideuses uniformizados. As Organizadas acham-se acima de gente como eu e você que bota um radinho de pilhas na orelha, rói as unhas e ainda veste a camiseta com o logotipo do patrocinador da temporada passada. O mais humilde servidor público, a mais rampeira das prostitutas, o mais humilhado dos boys de escritório e o mais infeliz dos desocupados, na Organizada são doutores. Titãs capazes de puxar um coro de milhares de vozes, em repetição de seus slogans ufanistas e muitas vezes ofensivos.

Na sua fanática e exacerbada visão, são eles que levam o time nas costas. São todos Mel Gibson do Coração Valente, a frente de uma horda ensandecida. São os arianos puros do III Reich. Matariam as próprias mães em sua obstinação obtusa e cruel. A um sinal do centroavante, são capazes de arrancar o fígado do primeiro parvo que apareça e mastigá-lo em frente as câmeras, para todo o Brasil.

Já vem tarde a movimentação contra estes covis de intolerância. Não bastasse a cartolagem ladroeira, os meia-direitas pipoqueiros e os zagueiros piores do que eu, ainda termos que nos cuidar da nossa própria torcida é, literalmente, o fim da bola!

Nenhum comentário: