quinta-feira, 14 de outubro de 2010

COISAS DA VIDA

TRÊS VIDAS

João Eichbaum

O jovem de 23 anos era operário, dava duro num curtume. A muito custo e a longo prazo, mas graças à colaboração de sua companheira de cama e mesa, conseguiu comprar um “corsinha” usado e estava feliz por haver realizado o sonho de ter carro próprio.
No último sábado, nesse feriadão do “dia da criança”, ele saiu no seu Corsa, para disputar um torneio de futebol, outra de suas alegrias. Ao final do torneio, participou do churrasco de confraternização dos atletas. Mas a alegria de ter carro próprio, pelo qual já havia quitado a quarta prestação, foi abortada por uma curva, naquela madrugada: perdendo o controle do veículo, o jovem levou seu Corsa de encontro a um caminhão de verduras. O “corsinha”, com o choque, levou a pior e foi arremessado para dentro do Rio Feitoria: o jovem morreu afogado.
O empresário de 53 anos era um homem de sucesso: herdara, com outros irmãos, uma das mais poderosas empresas de transporte coletivo do Estado. Mas, ambicioso, empreendedor, e confiante no seu talento, abriu mão da parceria com os irmãos e montou o próprio negócio: a primeira concessionária de carros japoneses no Brasil. Em pouco tempo liderava o mercado nacional e mantinha, no Rio Grande do Sul, nada menos do que cinco concessionárias.
Segundo depoimento de amigos, era pessoa de “tino para negócios e espírito de liderança”, além da “habilidade para se relacionar”.
Pois esse homem, rico, privilegiado, realizado, amante de carros, que não jogava futebol, mas torcia pelo glorioso Inter, possuía, entre outros veículos, um “Porsche 911”, sonho de consumo que muitos ricos não conseguem realizar. Depois de jantar numa churrascaria, no domingo do feriadão do “dia da criança”, saiu com um amigo para lhe mostrar a excelência do carro importado. Na demonstração, porém, tendo perdido o controle do potente veículo, deu margem para que sua vida de sucesso encontrasse o fim, numa mureta de concreto.
O homem do interior, criador de porcos, mantinha um pequeno frigorífico. Fosse por falta de capital, fosse por falta de “tino para negócios”, sua empresa andava mal das pernas: estava cheio de dívidas, não conseguia sequer pagar os empregados, cuja remuneração, certamente, não passava do salário mínimo.
Mas, mesmo não pagando os empregados, apostou duzentos reais na “mega-sena” e ganhou mais de cem milhões de reais, poucos dias antes do “dia da criança”. Ficou rico da noite para o dia.
São três vidas: uma com muita privação, outra com muita fartura, e uma terceira plena de perspectivas.
Quem é que nos explica isso?
Aqueles que atribuem a um deus a criação e a administração do universo e do homem (feito à imagem e semelhança do dito deus) poderiam nos dizer algumas palavras sobre tão grandes disparidades? O que é que um homem tem melhor do que o outro? Qual será exatamente o critério para a distribuição de privilégios?
Se não nos derem explicações, nós, ateus, permaneceremos agarrados à certeza de que não é “Deus” que faz a bola bater na trave. O homem é que não passa de um animal entregue a sonhos e frustrações, governado inteiramente pelo acaso. E tudo isso a partir de óvulos e espermatozóides que nunca agendam seus encontros.

Um comentário:

Nubia Graziela disse...

São os acasos e coincidências da vida que naturalmente se encontram e não é somente o destino que Deus quer ou então venha revelar a cada ser humano.
Cada ser humano tem sua sorte...
BJ.