terça-feira, 5 de outubro de 2010

CRÔNICAS IRRADIANTES

FIM DA PICADA

PAULO WAINBERG
Twitter.com/paulowainberg


Restaram Dilma e Serra.
Será a Dilma uma continuação de Lula, sem o carisma e a genialidade dele? Ficará ela à mercê dos petistas linha-dura, incongruentes, carreiristas e corruptos? Saberá ela lidar com as mazelas ideológicas das correntes do partido, aquelas que planejam o Poder ilimitado, aquelas que, anacronicamente, querem adaptar a realidade à tese?
E o Serra, mais lulista do que a própria Dilma, aparentemente falando? Reimplantará o neoliberalismo fhcardosiano quando o mundo já abandonou tal espírito e está mais preocupado em prover o consumo, à custa do trabalho e graças à produção?
Iremos, como um coral de igreja, afinal reconhecer que Gramsci tinha razão?
Digo isto porque, quando ouço Lula falar em ‘democracia popular’ e quando ouço Tarso Genro – o grande vencedor no RS – falar em ‘democracia social’, tremo de alto a baixo, ouço Stalin falando, ouço Mussolini tripudiando, ouço Hitler vociferando.
Getulio Vargas implantou, em 1930, uma democracia popular e, em 1937, uma democracia social.
Democracia é a palavra que mais rola na boca dos ditadores, tanto quanto Deus, na boca dos religiosos.
Tanto se fala em democracia, todos os países do antigo comunismo alardeavam seus valores democráticos e se autodenominavam repúblicas democráticas.
Numa plena democracia, ‘popular’ e ‘social’ são adjetivos malignos, que contradizem o conceito, afrontam o espírito, negam a idéia.
Dilma que, no furor libertário da juventude, foi além da luta armada e beirou o terrorismo, é adepta de qual democracia? A popular ou a social?
E o Serra, que na mesma juventude, ousou, mas não excedeu, a qual democracia se remete quando menciona valores e ideais?
No mundo contemporâneo, certas democracias não se questionam nem carecem de complementos, adjuntos e adjetivos. Estados Unidos, França, Inglaterra, por exemplo, são países democráticos na essência, encaram as próprias dificuldades de frente, reconhecendo as próprias imperfeições, lidando com elas e, na maioria das vezes, resolvendo e as deixando para trás, sem que o espírito democrático de seu povo seja evocado ou posto em discussão.
No Brasil, cujas instituições são corruptas e corruptoras – falo dos três poderes – a democracia é, ainda, um exercício diário de conquista e de cidadania.
Somos jovens democráticos, ainda temos muito o que aprender. Portanto, não podemos nos distrair nem nos encantar com frases de efeito e expressões ufanistas que, no seu cerne, mascaram outras verdades, outros projetos.
Democracia popular foi a União Soviética e a Alemanha Oriental, antes da queda do Muro de Berlim. Democracia Social foi a Itália de Mussolini, pioneira nos direitos trabalhistas, amavelmente importados pelo Estado Novo.
As mais aterrorizantes, duras, maléficas e corrosivas ditaduras adoram proclamar-se como democracias.
A democracia americana é popular, é social, é ambas? Não. Ela é a democracia, o respeito a lei, a fé nas instituições.
Na verdadeira democracia acredita-se no valor intrínseco das instituições, isto é, o povo realmente crê que o poder executivo governa, o poder legislativo legisla e o poder judiciário julga.
Crendo nisto, não como um ato de fé, mas devido ao espírito democrático, os poderes exercem suas funções para o cumprimento de suas finalidades.
No Brasil, não cremos nelas, duvidamos de suas utilidades, debochamos de seus integrantes e achamos que tudo se resolve com o jeitinho.
É por isto, os que lá estão transformam os Poderes em finalidade em si mesma, que se esgota no simples exercício da função, tudo destorce e mascara: O executivo é cabide de emprego, o legislativo é tráfico de influência e o judiciário, bem, o judiciário é uma enorme caixa preta que, se um dia for aberta, será como a caixa de Pandora onde todo o mal está guardado.
Na verdadeira democracia, o Poder Judiciário não pode se eximir de julgar, de conceder a prestação jurisdicional para o qual é convocado, sempre que se precisam definir ou declarar direitos.
Entretanto, para espanto de qualquer estudante de Direito, o Supremo Tribunal Federal recusou-se a decidir sobre aplicabilidade da chamada Lei da Ficha Limpa.
E todos os eufemismos foram aceitos.
A grande falácia da suprema corte, embutida em suas togas, exarando vaidade por poros perfumados, que empatou a decisão e o Presidente, cujo voto de Minerva – a deusa da sabedoria – por ser de desempate, isentou-se da responsabilidade porque “não gostaria de carregar esse peso”.
E não renunciou ao cargo nem a renúncia lhe foi exigida.
Cordatos entre si, os supremos ministros buscaram todas as tangentes possíveis por onde pudessem sair, até que, abençoados pela sorte, pela gentileza do autor da ação, por telefonemas obscuros em plenário, viram-se livres da incumbência constitucional, com a renúncia do candidato em nome da própria esposa!
Dias depois negaram a aplicação da lei eleitoral que exigia título de eleitor e carteira de identidade, na hora de votar, com absurdo atraso, incompreensível morosidade, que custou milhões ao País na confecção de novos títulos e gastou milhões de horas de brasileiros, nos cartórios eleitorais.
Insisto e repito sempre: A Democracia é o Reino do Judiciário, porque da decisão judicial não cabe mais nada, a não ser cumpri-la.
Como, então, confiar num Poder que se coloca à disposição, que sofre influências externas poderosas, quando em julgamentos, nas cortes, os magistrados ignoram o conteúdo do processo e se valem das próprias experiências, dificuldades e subjetividades para decidir?
Como confiar num Poder Judiciário que institui uma corrente corporativista, de cunho político absoluto, denominada ‘ direito alternativo ‘, como se o Direito, na democracia, pudesse ser alternativo?
Num País Democrático, tal não é uma opção. Isto é, não é cogitável que um Poder da República negue-se a exercer sua função constitucional.
No Brasil, pode. Porque não nos acreditamos, ainda, um País democrático.
Ainda somos caudilhistas, peleguentos, concessivos, frágeis e inconseqüentes.
Ainda acreditamos em currais, zonas da mata e promessas.
Ainda não crescemos e, portanto, somos presas fáceis das palavras enganosas, dos conchavos e dos jogos de interesses.
Condescendemos com fraude por ser coisa “deles”, embora seja nossa a apetência para a transgressão.
Reelegemos Waldemar, o ícone primeiro do mensalão, então presidente do PTB, que renunciou para não ser cassado!!!
E tantos outros que não quero sequer lembrar.
Sarney passou mal depois que o PMDB afundou nas próprias fezes? Não sei por quê? Ele, afinal, não afundou, nem Renan.
Ganhe Dilma, ganhe Serra, eles não afundarão.
Está neles, e em muitos como eles, o estereótipo brasileiro da democracia de mentira, em que vale tudo para estar “lá”, sendo “lá” o paraíso do vale tudo.
Restou-nos Dilma e Serra.
Um deles vai ter que me conquistar, porque eu votei na Marina.

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