PERPÉTUA E A OUTRA
A vida já é naturalmente complicada. E existem ainda os que adoram complicá-la um pouco mais. Me refiro a esse draminha secundário após o resgate dos 33 mineiros soterrados em Atacama. Durante a tragédia, a mulher de um dos mineiros, Yonni Barrios, descobriu que ele mantinha relações com outra. E queria se encontrar com as duas ao emergir da terra. Marta Salinas Cabello, a Perpétua, decidiu não ir à mina receber o marido. "Estou contente porque ele se salvou, é um milagre de Deus, mas não vou acompanhar o resgate. Ele me pediu, mas acontece que também convidou a outra mulher e eu tenho decência. A questão é clara, ou ela ou eu", disse ela ao Terra alguns dias atrás, enquanto atendia em seu mercado.
Perpétua está magoada. Barrios foi recebido pela Outra, Susana Valenzuela. Seria o único dos 33 soterrados a viver esta condição? Não acredito. Reúna 33 homens. Você não vai encontrar apenas um entre eles que tenha – ou tenha tido - mais de uma mulher. A traição, como costuma chamar-se este comportamento, hoje é mais ou menos regra no mundo contemporâneo. Já vivi seis décadas e se contar nos dedos de minhas mãos os casais fiéis um ao outro, vai sobrar um monte de dedos. Às vezes, há consenso entre ambos. Na maior parte dos casos, Perpétua sabe muito bem o que está acontecendo. Só não quer que isto lhe seja jogado na cara. No fundo, hipocrisia da Perpétua.
Como costuma chamar-se este comportamento, dizia. Porque há nuanças. Quando um parceiro não mente para o outro, não há traição. Assim conduzi minha vida e até hoje continuo reunindo na mesma mesa minhas namoradas. Com também convivi com namorados delas. Hoje, se se reunirem uma trintena de amigos de longa data – se é que alguém consegue reunir trinta amigos – há muitas trocas de camas na mesma mesa. Faz parte da vida. Estamos no Ocidente, não no mundo islâmico.
Maridos convivendo amistosamente com ex-parceiros de suas mulheres – e vice-versa – fazem parte de minha vida. Parceiro já é mais difícil, mas também acontece. Isto é civilização. O conceito de corno pertence a um mundo bárbaro e medieval. Estamos no século XXI. Ou quem sabe não estamos todos. Alguns ficaram na época dos chamados crimes de honra.
Tento colocar-me no lugar de Barrios. Após mais de dois meses enterrado a quase um quilômetro da superfície, em meio a escuridão, eu não quereria ver apenas duas. Mas todas. Coisa mais mesquinha! Em vez de alegrar-se por reencontrar o marido vivo, Perpétua reclama da Outra. Apesar de ter dito que se sente contente por vê-lo vivo, a conclusão lógica é que preferiria vê-lo morto a vê-lo vivo, mas partilhando seu afeto com a Valenzuela.
Quando tudo seria bem mais simples se as pessoas não mentissem...
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário