segunda-feira, 11 de outubro de 2010

COM A PALAVRA, JANER CRISTALDO

UM FALSO DEBATE

Neste Brasil em que chega a um milhão o número de abortos por ano, os candidatos à Presidência discutem a legalização do aborto. Segundo a Veja, o cenário teria sido bem pior na década de 80, quando os abortos clandestinos podem ter chegado a quatro milhões por ano. A redução desse número se deveria ao aperfeiçoamento dos métodos anticoncepcionais e à disseminação no país de políticas de planejamento familiar, logo estas duas medidas às quais à Igreja se opõe ferozmente.

Aborto é crime? Ora, quando se cometem um milhão de crimes ao ano – ou quatro milhões – há muito o crime deixou de ser crime. Aborto entrou na categoria dos usos e costumes. Neste país onde 250 mil criminosos, já condenados, vivem livres como passarinho, porque não há mais vagas nas prisões, onde colocar um milhão – ou quatro milhões – de mulheres, mais os milhares de profissionais que as assistiram durante o aborto? Se aborto ainda é considerado crime pela legislação, é crime de condenação impossível. E sem sanção não há crime.

Sempre foi possível neste país incrível, para quem tivesse algum dinheiro, encontrar médicos e clínicas confiáveis – ainda que clandestinas – para interromper a gravidez. O risco sempre foi quinhão dos pobres, que tinham de submeter-se a açougueiros sem maiores habilitações. Ainda segundo a Veja, as complicações decorrentes de abortos mal feitos, sem condições de higiene ou segurança, constituíram, em 2008, a quarta causa de morte materna, atingindo 200 mulheres.

Em meio a isto, Dilma Rousseff, que declarou com todas as letras ser a favor da descriminalização do aborto, insiste agora em ser “a favor da vida”. Sua defesa do aborto, gravada em alto e bom som, agora são calúnias da oposição. Não bastasse isto, está exibindo fotos junto ao papa. A guerrilheira marxista virou, de repente, católica desde o berço. Para o PT, desdizer hoje o que foi dito ontem faz parte da estratégia. Se pegar, pegou.

Seu oponente José Serra andou afirmando em entrevista à Folha de São Pauloque a liberação do aborto promoveria uma carnificina no País. Está dizendo que os países do Primeiro Mundo, onde o aborto é legalizado, promovem carnificinas diariamente. Temos carnificinas cotidianas na Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Suécia, Estados Unidos, Canadá e por aí afora. No Primeiro Mundo, as carnificinas fazem parte do dia a dia. Só não comete carnificinas este impoluto país, onde se pratica um milhão de abortos por ano.

"Considero o aborto uma coisa terrível", afirmou Serra, durante a sabatina promovida pela Folha. Que horror! O candidato considera esta prática, tão nossa, algo terrível. Os candidatos estão promovendo um falso debate. Estão discutindo a legalização de algo que há muito já não é ilegal. Foi consagrado pelos costumes. Grupos religiosos, cristãos e evangélicos, fingem defender uma proibição que na prática não existe. Incorrem na mesma hipocrisia dos defensores da legalização das drogas, quando a droga, em verdade, também está há muito está legalizada. Ou você viu, nas últimas décadas, alguém preso pelo uso de drogas?

Deixemos de hipocrisia. O aborto está há muito legalizado no país. Como a droga. Só não vê isto quem acredita em conto de fadas. Ou em leis que há muito não vigem. Os candidatos falam de um país de ficção. Aproveitando o azo, a Igreja Católica finge ser o fiel da balança. Normal, padres vivem de ficções. Sem elas, morreriam de fome.

Bobalhões é o que não falta para achar que Serra ou Dilma falam de um país real.



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