segunda-feira, 18 de outubro de 2010

cOLUNA DO PAULO WAINBERG

PRECE A OSMAR

PAULO WAINBERG
Twitter.com/@paulowainberg



Osmar, você sabe, é meu correspondente que não corresponde e não responde. Jamais se dignou a responder uma carta minha. Sei que ele é sexagenário, barrigudo, levemente careca e obstinado bebedor de cerveja, “a única bebida que incha e embebeda ao mesmo tempo”, como costuma dizer.
Mas, vamos à carta:

Meu querido Osmar.
Você não gostaria de mudar de opinião e, desta vez, me responder?
Por que você não segue o exemplo da Dilma e do Serra?
Bem, vou deixar na sua consciência, se é que ela exerce algum poder sobre você.
Meu assunto hoje é outro.
Li que, nos Estados Unidos, estão fazendo um tratamento inédito com células embrionárias numa pessoa que ficou paraplégica, com boas perspectivas de cura ou substancial melhora: recuperar os movimentos!
Em cobaias deu certo, Osmar, os ratinhos paralíticos recuperaram os movimentos. Já pensou se funcionar em humanos? Quantas doenças, quantas deficiências poderão ser curadas, quantas tragédias evitadas?
Entretanto, igrejas e os soberbos moralistas são contra.
Como é que pode?
Nada entendo de células tronco, células embrionárias e de quaisquer células. Minha abalizada opinião científica é...não sei.
Entendi que células embrionárias são encontradas no cordão umbilical que une o feto à mãe e, após o nascimento, é cortado e posto fora. Material descartável, jogado na cesta de lixo hospitalar.
Já existe um bebê, separado da mãe e nos braços dela.
Parece que uma das objeções religiosas consiste no fato de que o embrião já é um ser vivo, e utilizar suas células tronco para salvar outras vidas é intolerável.
Isto eu também acho: matar alguém para salvar outro é, do ponto de vista da ética humana, um crime, e do ponto de vista da ética religiosa, um pecado mortal.
Grande discussão para definir se o embrião é um ser humano ou ainda não é, por lhe faltar consciência, formação completa e, sobretudo, alma.
Porém, e isto já se sabe, não é preciso matar o embrião para utilizar suas células tronco, porque elas estão, in totum, presentes no cordão umbilical.
É aí que a discussão vai para um viés totalmente absurdo, na minha opinião. As religiões sustentam que as células tronco embrionárias contem a complexidade necessária para criar a vida e, portanto, são vivas.
Acredito que a aversão natural que as religiões sustentam, historicamente, contra as descobertas científicas e respectiva utilização, decorre mais do receio de perder Poder do que princípios religiosos propriamente ditos.
Não quero discutir a Fé, muito menos as religiões.
Supondo, para argumentar, que o que elas afirmam é verdade, temos então que há um desígnio divino para tudo o que diz respeito à criação.
Ainda que o ser humano tenha sido brindado com o livre arbítrio, não está imune à vontade de Deus.
Não serão, as descobertas com as células tronco, o resultado de um desígnio divino? Não estará Deus, com sua infinita bondade, querendo mitigar os sofrimentos de sua principal criatura? Melhorar nossa qualidade de vida? Diminuir o número de doenças incuráveis que nos afligem e das quais tanto medo temos?
Talvez, querido Osmar, você tenha respostas para essas questões e, se tiver, ajude com elas, a reduzir tantas superstições, tanto falso moralismo, tanta intransigência.
Eu lhe imploro, Osmar, dê o ar de sua graça.
Do seu eterno expectante, Haroldo.

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