João Eichbaum
Há um consenso geral de que Jesus Cristo existiu. Poucos se atrevem a negar sua existência, desde que o historiador Flávio Josefo referiu uma pessoa com esse nome.
Bem, mas, entre admitir a existência de um judeu chamado Jesus Cristo que foi condenado à morte como subversivo, indesejável ao sistema, e ter esse Jesus como o “Filho de Deus”, o “Salvador”, vai infindável distância.
O nome Josué (Jesus, em grego,Yeshuá em aramaico) era muito comum entre os exilados que retornavam da Babilônia, segundo o Dicionário Bíblico organizado por H. D. Douglas. Milhares e milhares de judeus tinham esse nome, portanto. E muitos deles, certamente, tinham um pai chamado José, que era carpinteiro e tinha uma mãe com nome de Miriam.
Então, com base na realidade, que é construída em cima de hipóteses perfeitamente aceitáveis, não se pode negar que há dois mil e onze anos atrás tenha existido um Yeshuá, com apelido de Cristo, que se dizia “Filho de Deus”.
Não é raro verem-se, nos dias de hoje, nas praças e vias públicas, principalmente onde o povo se concentra, pessoas simplórias que, de bíblia na mão, levantando a voz como os bêbados nos seus discursos, anunciam a “palavra de Deus” e vociferam contra Satanás. Alguns têm a sorte de atrair outros mais doentes do que eles para aquele blábláblá.
Evidentemente, não são pessoas normais, dotadas de bom senso. Discurso de religião se faz em igreja e não no meio da rua, por onde passa o povo preocupado com seus exames de laboratórios, com sua consulta médica, com sua pensão do INSS, com seu horário de trabalho, com sua conta no banco, com o cliente que tem de visitar, com a queda das bolsas, com o pontapé que levou do grande amor de sua vida, etc.
E quem focar as pessoas que resolvem prestar atenção no discurso religioso em plena hora do batente irá notar logo que são pessoas de baixo extrato social e de baixa instrução.
Pois são esses “pregadores” que me fazem lembrar de Jesus Cristo. Exatamente como eles, que se cercam de pessoas simplórias, de instrução quase nula e baixo nível social, quiçá desempregadas, Jesus Cristo se cercou dos “apóstolos”: pescadores, gente da periferia, sem nenhuma representação social. Entre eles o que tinha melhor instrução era um “arrecadador de impostos”, tido pela população como “pecador”.
Foi para esse tipo de gente que Jesus Cristo prometeu “liberdade e recompensa”, acentuando em seus discursos o preconceito contra os ricos (é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus).
O povo, que se alimenta de ilusões e esperanças e empurra os infortúnios com a barriga, nunca se libertou das crendices que atenuam a realidade apavorante da morte. É por isso que os Edir Macedo da vida e outros menos votados se dão bem, fundando igrejas e religiões, sempre prometendo “uma vida melhor”.
O Jesus Cristo, de que se ocupa a literatura religiosa, só difere do Edir Macedo e dessas outras figuras de pregadores, num quesito: ele não tinha ambições financeiras. Ele se limitava às suas doentias alucinações (provavelmente era epiléptico) que o faziam anunciar-se, ora como o “filho de Deus”, ora como o “filho do homem”, destituído inteiramente de libido e desapegado de bens materiais.
Não se pode duvidar que, naquele tempo, tenha existido um Yeshuá, com tais características - que não são raras. Mas as pessoas simplórias que o seguiram não tinham condições de aquilatar os arroubos doentios que o levaram a se autoproclamar: eu sou o caminho, a verdade e a vida (ego sum via, veritas et vita). E o legaram aos pósteros como um rebento da divindade judaica.
Assim como há espertalhões que, enxergando de longe os produtos, os serviços e as idéias que caem no gosto do povo, fazem de qualquer Lula da vida um “líder carismático”, que enrola idiotas por trezentos mil a “palestra” regada a uísque de quatrocentos dólares, houve quem investisse nesse pregador de rua, chamado Jesus Cristo. O investimento rendeu e continua rendendo, mantendo muita gente na boa vida, cercada de luxo, sem trabalhar.
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