segunda-feira, 30 de julho de 2012

A ESTAGIÁRIA


João Eichbaum


A Daini (oxítona, se pronuncia com acento tônico no último i) é uma gata de olhos amendoados, pálpebras de artista de cinema, esguia, com um corpo que parece desenhado a nanquim.
Sabe a Gisele Bündchen? Nada a ver.
A Gisele Bündchen não chega nem aos pés da Daini. Ainda mais com aquele narigão, que atrapalha na hora de beijar.
Conheci a Daini na adolescência. Coisa mais fofa. Queria cursar a Faculdade de Direito aquela belezura toda.
Que que tu acha, eu passo?
E me olhava com aqueles olhos amendoados, de tal maneira, que o meu olhar de animal adormecido, sem poesia nenhuma, e ainda atordoado, tinha que procurar qualquer recanto na sala para se aninhar, com medo de algum artigo do Código Penal.
Pois é. Nada é perfeito neste mundo. A Daini, em quem a beleza  estacionou como quem veio para ficar, tem um cérebro desse tamanhinho. Escreve como fala. Para ela não há conjugação de verbo. Se falar em sintaxe na frente dela, ela é capaz de desmaiar, porque nunca ouviu esse palavrão. Apanhava da matemática a pobrezinha, sem dó, nem piedade, e da química, e da física, e da biologia e, diante de tudo quanto exigisse raciocínio, seu pensamento se esfarelava como pastel de vento
Para concluir o segundo grau, teve que mudar de escola. Para sorte sua, existem na região do Vale do Sinos várias faculdades de Direito, e essa concorrência não permite que se entregue ao desconserto da reprovação qualquer candidato, por mais analfabeto que seja.
Uns oito semestres antes de se formar, ouviu falar que um juiz da comarca andava à procura de estagiárias. Não teve dúvida, correu para o foro. E tendo sido apresentada por sua beleza, o juiz a recebeu imediatamente, sem o pedido de audiência que exigia dos advogados.
Não precisou dizer palavra: passou no exame que o ínclito magistrado fez, de alto a baixo, só com os olhos, naquele corpinho esguio de modelo. Começou a trabalhar no mesmo dia. Como estagiária ficou encarregada de lavrar sentenças e despachos, além de fazer companhia ao juiz - sem que o soubesse aquela ruiva química, com cara de travesti, que ele tinha assumido perante o altar, claro.
Ali ficou, até concluir seu curso de direito, a duras penas, e com os olhos e os ouvidos fechados de muitos professores, presos às metas comerciais da Faculdade. Quem fez o trabalho de conclusão por ela, nem sua mãe sabe.
Concluído o curso, perdeu o direito ao estágio. Para ela foi o fim, mas para o juiz, um recomeço: era longa a fila de novas candidatas a estagiária.
A moça, que lavrava sentenças e despachos, agora só tem a companhia do namorado, debruçada, com a inclemência do desespero, sobre antigas provas da OAB: não teve sucesso nas duas tentativas para obter a carteira de advogada.
E não sabe o que será do seu futuro.
Tomara que Hollywood a descubra, antes que passe no concurso de Juiz.



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