sexta-feira, 30 de novembro de 2012


NOVELA MEXICANA COM ALI BABÁ E OUTROS LADRÕES

João Eichbaum

Assim, ó. Rosemary Nóvoa de Noronha, casou com José Cláudio de Noronha e fez uma filhinha, a Mirelle.
Rosemary tem porte de mulherão, com um par de peitos de boa qualidade, lábios espessos, um olhar de languidez sensual, e o cabelo escorrido que nenhuma mulher “sexy” dispensa.
Com todo esse currículo ela foi assessora do José Dirceu – você já ouviu esse nome de algum lugar, não é? – durante doze anos.
De outras qualidades, além dessas, ninguém fala. Mas só essas já bastariam para que o José Dirceu a apresentasse para o Lula, que a colocou, imediatamente na sua assessoria.
Não vou falar aqui das viagens que ela fez com o Lula, sem constar da lista oficial da equipe, para não chamar a atenção da dona Marisa, nem insinuar bobagens,  tipo que ela sempre ocupava nessas viagens um apartamento próximo do Lula, para atendê-lo em suas necessidades imediatas.
Só vou resumir tudo assim: quando o Lula passou a faixa presidencial para a Dilma, um dos seus pedidos foi o de que mantivesse a Rosemary como chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo, com um salário de mais de onze mil reais.
Com intimidade suficiente para chamar o Lula de “Luiz Inácio”, a Rosemary não só se arrumou na vida como arrumou emprego para o marido e para os amigos Paulo e Rubens Vieira. Depois de colocá-los no governo, cobrou um emprego também para sua filha, a Mirelle.
A coisa andava assim  nesse pé, quando entrou um personagem chamado Cyonil em cena. Cyonil da Cunha Borges, auditor do TCU, recebeu uma cantada do Paulo Vieira, amigo da Rosemary: tocar  um parecer favorável à empresa Tecondion, que opera no Porto de Santos, e é cliente de “consultoria” de José Dirceu, por trezentos mil pilas. 
Cyonil recebeu só cem mil e não recebeu a resto. O resto, os duzentos, que não foram pagos, transformaram o Cyonil em pessoa honesta e ele jogou os dejetos humanos do Paulo Vieira no ventilador.
E aí deu nisso: polícia federal na parada, os irmãos Vieira, a Rosemary, a filha dela e outros figurantes demitidos.
Agora que a coisa fedeu, o Lula diz que foi apunhalado pelas costas, o José Dirceu diz que nada tem a ver com isso, a Dilma diz que apertou o botãozinho do “phodam-se”, e sobrou até para o, agora, ex-marido da Rosemary, José Cláudio, cuja única colaboração consistiu em botar a mulher, com aquela belezura toda, na vitrine do poder.
Ou vocês queriam que uma novela mexicana terminasse bem, com esses personagens felizes para sempre?

quinta-feira, 29 de novembro de 2012


A OUTRA
João Eichbaum

 Mais jovem, mais bonita, feita sob medida para a prática daqueles desatinos debaixo dos lençóis, a outra é sempre melhor. A outra se presta para  confidências, oferece o ombro para molhar de lágrimas, escuta queixas e lamúrias, narrativas de fracassos e glórias, sem dizer que você está errado, e sem dar conselhos que não lhe são requeridos.
Ela conserva sua saúde em bom estado, até cura câncer, se for preciso, mantém seu humor em alta, transforma seu problemão em coisinha à toa. Nos braços dela você não tem crise de identidade, nem de consciência, e fica mandando o mundo todo se phuder.
A outra não fica vendo novela, quando você quer ver futebol, aguenta na frente da TV aqueles negrões lustrados de suor, correndo atrás da bola. Mesmo que sejam os do Corintians.
A outra sabe ganhar sem pedir. Sabe pedir sem irritar. E tem uma grande capacidade de aliciar. Vem como quem não quer nada, mas vai ganhando confiança, conquistando espaço, comendo pelas beiradas: “Que é isso, excelência, parece aborrecido, estressado...? Vou lhe preparar um chá.”
Até aquele momento você nem tinha reparado muito nela, na assessora. Quem a trouxe para “trabalhar” com você foi seu amigo Zé. E mulher de amigo, para você, sempre foi homem.
Mas aí você repara que ela lhe deposita olhares especiais, dá importância a tudo o que você faz, sua presença passa a embebedá-lo. Chega o ponto em que ela se torna indiscutível, porque você já passou da admiração para o encantamento e não dá para voltar  atrás. Diante da onipotência do sexo você perde o domínio e acaba levando para cama, em segunda mão, aquela que já foi a outra do seu amigo.
Se você é Presidente da República, por exemplo, e vive voando, dando palpites furados no grupo dos países ricos, fazendo discursos na ONU e arrancando aplausos dos países pobres, vai levar sempre aquela baranga da dona Letícia, que tem muito mais de caipira do que de diplomata, mal arranha o português e nunca vai aprender a falar inglês?
 Claro que não. Não, não vai querer comidinha caseira em viagens internacionais. Em vez de levar a dona Letícia, que tem o ano todo para dormir com você, ouvindo seus roncos e aguentando a emanação tóxica de seus puns, é melhor levar a assessora.
Grande assessora! Ela quebra todos os galhos, de dia e de noite, com porre ou na absoluta sobriedade. Assessoria é um preço muito baixo pelo que ela faz  para você. Então você tem um estalo: a chefia de gabinete!
Nomeia-a, dá emprego para o marido e para filha dela, põe-lhe à disposição os cartões corporativos, e a mantém como chefe de gabinete, até depois de apear da presidência, com a sobra dos poderes que lhe permite sua sucessora.
Até que um dia... Até que um dia, antes mesmo de  abrir  os jornais, você percebe que ficou sem alma, o mundo já caiu sobre você: as manchetes são montanhas que  despencaram. Sua chefe de gabinete, indo muito além dos lençóis, multiplicou os poderes que você lhe deu e começou a faturar em cima do seu nome e da República. E aí apareceu a Polícia Federal...
Então você sente uma dor inexplicável, como se estivesse com o rego cheio de furúnculos, e perde a voz. Mas antes disso ainda tem tempo para dizer “fui apunhalado pelas costas”. Sem se dar conta de que perereca de ouro tem seu preço.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012


O TESTEMUNHO VIVO DE UM MORTO
João Eichbaum

Na noite anterior ao dia de finados, Júlio Miguel Molinas Dias foi assassinado a tiros dentro do seu C4, quando chegava em casa, na rua Professor Ulisses Cabral, no seletivo bairro Chácara das Pedras, em Porto Alegre.
Molinas era coronel reformado do exército, morava sozinho, e estaria voltando da casa de uma das filhas, quando foi morto. Consta que o autor dos disparos fatais teria sido um homem que estava sentado no banco do carona do automóvel dirigido por Molinas.
Então havia mais de uma vertente de hipóteses para se chegar a quem, ao como e ao porquê do crime. Será que o coronel não era viado, tinha contratado um garoto de programa e, sem acerto no preço, a coisa terminou na base do tiro? Será que o coronel gostava de viado, para sair da rotina de sua atividade sexual? Ou teria sido seqüestrado e, ao tentar reagir, teria sido assaltado?
Viúvo, morando sozinho e com um contracheque atraente, é claro que o coronel não podia dispensar mulher também, e estava sujeito às desordens do amor. Então: “cherchez la femme”. A mulher não foi encontrada, mas telefonemas levaram à conclusão de que Molinas havia contratado serviços de detetive particular. Supostamente para apurar se, ou com quem, estava sendo passado para trás. Então, mais uma vertente: tem mulher no meio?
O delegado estava coçando a cabeça, porque com tanta coisa para fazer não tinha tempo de coçar o saco, quando os investigadores lhe puseram em cima da mesa a papelada que haviam encontrado na casa da vítima.
A papelada revelava o passado. O coronel era comandante do DOI-Codi no Rio de Janeiro em 1981, na época em que um artefato explosivo matou um sargento e feriu um capitão no Riocentro, onde se concentravam cerca de vinte mil pessoas para um show de protesto contra o governo militar de então. A Molinas, como comandante, cabia a tarefa de substituir a verdade altissonante de que o atentado tinha sido planejado pelo aparelho repressor do exército, pela mentira oficial de que fora obra da subversão. A farsa ia desde a tentativa de calar para sempre o capitão ferido, ao afastamento de oficial que não compartilhava da mentira. Tudo escrito no diário do coronel, que foi descoberto pela  polícia e depois  estampado na imprensa.
Entre esses papéis também foi encontrado e saudado como troféu um ofício com o timbre do Exército, dando conta de que Rúbens Paiva, um deputado desaparecido sem deixar vestígios de vida ou morte, tinha sido levado para o DOI-Codi.
O Tarso Genro aproveitou o fato para tapar com a peneira o sol que mostra a todos os gaúchos o fracasso do seu governo: organizou um ato solene para entregar uma cópia (um "xerox," como diz o povo) desse ofício à filha do deputado. Com pompa, circunstância e holofotes da imprensa, como se fosse a obra prima de sua administração.
Tudo isso aconteceu graças a um bandido, diga-se de passagem. Que pode até ser um viado
Será que o Tarso Genro vai condecorá-lo?


terça-feira, 27 de novembro de 2012


CÚMPLICE DOS MENSALEIROS
ASSUME PRESIDÊNCIA DO STF
 

Janer Cristaldo

O país todo parece estar obnubilado pelo brilho da careca de Joaquim Barbosa. Por sua atuação no julgamento do mensalão, já foi lançado por ingênuos como candidato à Presidência da República. A imprensa toda, demonstrando um racismo empedernido, saúda o primeiro ministro negro do STJ. Que interessa a cor da pele? O que importa é que tenha competência, isenção, cultura jurídica. 

Outros, mais apressados, defendem que a nomeação de Barbosa evidencia o absurdo da lei de cotas: o afrodescendentão teria sido nomeado por seus próprios méritos. “O novo presidente tem origem humilde. Filho de pedreiro, aos 16 anos viajou sozinho à capital federal, onde trabalhou como faxineiro e em uma gráfica. Formou-se em Direito pela Universidade de Brasília, foi oficial de chancelaria e advogado de órgãos públicos até iniciar sua carreira como procurador”.
Devagar com o andor, gente. Como por seus próprios méritos? Barbosa pode ter chegado à magistratura por seus próprios méritos. Mas foi nomeado ministro exatamente por ser negro. Lula quis ser o primeiro presidente a colocar um negro na Suprema Corte e hoje deve estar se arrependendo amargamente de sua idéia.

Ao assumir a Presidência do STJ, Barbosa defendeu o tratamento igualitário das pessoas que apelam ao Judiciário. "É preciso ter honestidade intelectual para dizer que há um grande déficit de justiça entre nós. Nem todos os brasileiros são tratados com igual consideração quando buscam o serviço público da Justiça. O que se vê aqui e acolá, nem sempre, é claro, é o tratamento privilegiado, o by-pass (ignorar, em inglês), a preferência desprovida sem qualquer fundamentação racional", disse Barbosa durante seu discurso. 

Quem está afirmando isto é o homem que votou pela instituição das cotas raciais. Isto é, defendeu a idéia de que negro tem mais direitos que branco só por ser negro. Votou pelo tratamento privilegiado, pela preferência desprovida sem qualquer fundamentação racional. Pior ainda, rasgou a Constituição ao fazer letra morta do artigo que versa sobre a igualdade de todos perante a lei. A bem da verdade, desta decisão racista participaram todos os demais membros do egrégio sodalício - como eles, ministros, adoram definir o STF.
Não bastasse esta manifestação evidente de racismo às avessas, Barbosa criou agora uma nova categoria, a dos jornalistas brancos. Quando o jornalista Luiz Fara Monteiro, da TV Record, perguntou-lhe se estava "mais tranquilo, mais sereno", após a sua primeira sessão presidindo o STF, Barbosa reagiu com animosidade. 

"Logo você, meu brother! Ou você se acha parecido com a nossa Ana Flor [repórter da agência Reuters, que é loira]? A cor da minha pele é igual à sua. Não siga a linha de estereótipos porque isso é muito ruim. Eles [os demais jornalistas, majoritariamente brancos] foram educados e comandados para levar adiante esses estereótipos. Mas você, meu amigo?"

Fara é negro. Ou seja, há perguntas que um jornalista negro não pode fazer. Só são admissíveis em jornalistas brancos. Assim é o homem que a imprensa hoje saúda como salvador da pátria.

Os jornalistas esquecem – e parece que sou o único a lembrar – que o juiz que hoje pune a compra de votos é o mesmo que ratificou a legislação decorrente da compra de votos. O Joaquim Barbosa que hoje é visto como herói é o mesmo Joaquim Barbosa que votou pela improcedência da ADI 3104/07, sacramentando assim a compra de votos. O STF que hoje envia mensaleiros para a cadeia é o mesmo que um dia rasgou a Constituição, avalizando a tunga dos aposentados e negando o direito adquirido.
Ora, direis, o ministro não sabia. Difícil não saber, quando o mensalão foi denunciado em 2005. Mesmo que Joaquim Barbosa – aliás, como Lula – de nada soubesse, Joaquim Barbosa votou contra o direito adquirido. Será por isso que o STF faz boquinha de siri quando se fala em anular a lei comprada. Afinal seus juízes avalizaram a compra de parlamentares. 

Barbosa, caríssimos, foi cúmplice dos mensaleiros. E jornal algum fala nisso.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012


POSSE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
João Eichbaum

Dois mil e quinhentos convidados. Casa cheia. Todo mundo com a melhor roupa. Alguns, com roupa sob medida, para a ocasião especial, uma festa que parecia dedicada a alguém que não pertence a este mundo. Nunca houve tanta transparência no Supremo, o preto no branco. Teve gente que jamais pensou em pisar naquele solo sagrado dos deuses de toga, e estava lá. Por ser negro, em primeiro lugar. Em segundo lugar, por ser artista, cantor: o Djavan, o Martinho da Vila, o Lázaro Ramos, o Milton Gonçalves.
Mas, também marcavam presenças aquelas figurinhas capazes de estragar a festa de qualquer pessoa decente. Porque, naquele momento, até os ateus se lembrariam de Jesus Cristo no Calvário. De um lado, o Marco Maia, siderúrgico de Canoas, transformado em Presidente da Câmara dos deputados, sem outras razões nem méritos, que não barganhas, quer dizer, surubas políticas: é dando que se recebe.  Do outro, eternamente vacinado contra a vergonha, o poeta, aquele lá do Maranhão, com a cara de pau de sempre, que só um Sarney pode ter.
A Dilma, gorda e bem pintada, cumprimentou formalmente o afrodescendente mais famoso da atualidade brasileira, o Joaquim Benedito, conhecido popularmente por Joaquim Barbosa. Negou-lhe, porém, o esplendor do seu sorriso, apesar da boca cheia de dentes, naquele momento solene, porque estava louca de vontade de mandar o clone de São Benedito à puta que pariu.
O contrário ocorreu, quando ela foi cumprimentar o vice-presidente da Corte, Ricardo Lewandowski. Aí, extravasou, não quis saber de cerimônias, não tava nem aí pra solenidades. Suspirou sem querer, e tacou um beijão no cara pálida, descendente de polacos.
Ah, e além do hino da pátria tocado em bandolim, houve comes e bebes, claro, pagos por nós, que somos depenados todos os anos pela Receita Federal, trabalhamos de sol a sol, não temos motoristas particulares, nem carros oficiais, muito menos diárias e ajudas de custo, e não fomos convidados nem com a ajuda de Deus para a festa: uísque (que não era o Drurys, aquele que, uma vez por ano, você toma com a patroa, no bar da esquina, pra limpar a barra) vinho, espumante e canapés. Tudo isso aos cuidados de uma irmã do Joaquim Barbosa, numa prova de que, já na entrada, o “brother” se despe do pudor: “Mateus, primeiro os meus”. Ou vocês pensam que não há um serviço de copa e cozinha no STF? Que não há funcionários especializados nessa parte, para preparar aquele lauto lanche, com o qual jamais sonhou a pobreza, e que é servido todas as tardes, lá no Olimpo?
É. A irmã do Barbosa é que foi a “maîtresse”. Mas eu só queria saber se, não contente com a limpeza dos sanitários, ele, que leva uma vida de celibatário, sem mulher fixa, mandaria chamar a irmã para fazer a faxina.
Só não deixou que ela contratasse os músicos. Do alto do seu trono de  glória, ele próprio se encarregou de ordenar o som da festa, com o respectivo repertório cheio de discriminação: nada de sertanejo e nem “funk”. Então o Fux pegou a guitarra, abriu a goela e distraiu os presentes com aquele inglês chiado de carioca, mostrando que o STF perde juristas, mas ganha artistas.
E aí temos o Joaquim Barbosa na presidência do STF. Já vimos como foi a entrada. Agora vamos ver o que vai dar na saída.



sexta-feira, 23 de novembro de 2012


PERGUNTINHA A QUEM
INTERESSAR POSSA
 

Janer Cristaldo

Leitores mais antigos devem lembrar de uma velha piadinha. Um candidato a prefeito insistia em sua plataforma em reformas das prisões e nada falava sobre educação. Interrogado sobre seus critérios, foi curto e grosso: "Da escola, já escapei".

Após as últimas condenações dos mensaleiros, o PT tem se parecido ao prefeito da piada. De repente, seus defensores descobriram o horror do sistema prisional brasileiro. O ministro Dias Toffoli, que tem sido mais advogado que juiz dos réus petistas, defendeu, na sessão da última quarta-feira do julgamento do mensalão, que o Supremo Tribunal Federal (STF) inove ao punir os réus com o pagamento de multas pesadas, em vez de condená-los a muitos anos de cadeia. “As penas restritivas de liberdade que estão sendo impostas neste processo não tem parâmetros no judiciário contemporâneo brasileiro”, criticou. Segundo ele, “prisão combina com idade média”. E foi mais longe: “Os parâmetros de hoje não são aqueles da época da Torquemada, da época das condenações às fogueiras”.
O ministro exagera. Torquemada era mais adepto de uma boa fogueira do que a curtas e quase simbólicas penas em regime fechado. O responsável maior do mensalão, por exemplo, foi condenado teoricamente a dez anos e dez meses de prisão. Teoricamente. De fato, só cumprirá um ano e nove meses de prisão firme. Se cumprir. Pois apesar de o julgamento pelo STF não admitir recursos, há muita gente manobrando neste sentido, falando inclusive em recorrer a tribunais internacionais. O que relegaria o cumprimento da pena para o dia de São Nunca. Sem falar que a tese do ministro é de uma generosidade divina: o bandido rouba e se devolver o roubado fica tudo como dantes no quartel de Abrantes. 

Não sei se o leitor lembra, mas até bem pouco tempo o PT defendia a tese de que a corrupção é mais grave que o latrocínio. Pois se um assaltante matava um, a ação do corrupto matava muitos, no sentido em que subtraía um dinheiro que era vital para escolas, hospitais, programas de saúde. De repente, não mais que de repente, líderes petistas se espantam que seus companheiros, que não mataram ninguém, sejam condenados a penas bem maiores que muito assassinos,como foi o caso de Marcos Valério. Nada como uma sentença para mudar a cabeça de um petista.

De repente, a Idade Média virou referência. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou o sistema prisional do país de “medieval” e disse que “preferia morrer a passar muito tempo preso no país”. Ele sustentou que a corte precisa sinalizar às instâncias inferiores e à sociedade que existem alternativas à banalização da cadeia. No caso específico dos crimes financeiros, sem uso de violência, alternativas mais contemporâneas e até mesmo eficientes. “Já ouvi leituras dizendo que o pedagógico é mandar para a cadeia, mas o pedagógico o é recuperar o dinheiro”, acrescentou. 
Segundo o ministro, as penas fixadas pelo STF para os réus do mensalão ultrapassam até mesmo as arbitradas no país para assassinos e latrocidas. “Crimes contra a vida são apenados com penas menores do que essas pessoas aqui, que não acarretam risco para a segurança”, acrescentou. Para ele, os condenados do “mensalão” não representam risco nenhum para a ordem pública ou para as instituições democráticas, como foi dito e reafirmado na corte. “O motivos desses crimes era o vil metal. Que se pague com o vil metal”, defendeu. 

Quem disse que o motivo dos crimes era o vil metal? O vil metal foi apenas o instrumento usado pelo governo para domesticar o congresso e legislar a seu talante. Foi a tentativa de instaurar uma ditadura travestida de democracia, no melhor estilo do PRI mexicano. Tampouco é verdade que as penas ultrapassem até mesmo as arbitradas no país para assassinos e latrocidas. Ultrapassaram no caso dos operadores do mensalão. No caso dos mentores, os juízes foram bem mais lenientes.

Na falta de provas para condenar o mentor da compra de votos, os togados do STF recorreram a uma tese alemã, a do domínio dos fatos, segundo a qual considera-se autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua realização. Em nota divulgada pela direção do partido, os petistas foram rápidos em associá-la ao nazismo. "O STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em 1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada superada por diversos juristas".
O PT sempre dominou a novilíngua orwelliana. Tem-se a impressão que a teoria do domínio dos fatos é obra de nazistas. O que o PT omite é que a tese foi elaborada exatamente combater o nazismo. E, neste sentido, adapta-se como uma luva ao julgamento de um partido cujos líderes julgam-se acima de toda e qualquer lei. 

Audace, toujours de l’audace et encore de l’audace, monsieurs les Juges. Estão faltando provas para pôr no fundo das grades o grande beneficiado pela tramóia toda. Por que não dirigir as acusações ao capo di tutti i capi? Chefes não costumam deixar vestígios. 

Por que não o domínio dos fatos nele?

quinta-feira, 22 de novembro de 2012


O LULA SE LIVROU DE MAIS ESSA
João Eichbaum

O Lula é que nem muçum, difícil de pegar. Primeiro escapou da ação penal 470, aquela que está mandando para cadeia o Zé Dirceu e menos do que quarenta ladrões. Não sei se por burrice ou conivência do Ministério Público Federal, ele escapou.
Ao invés de colocá-lo como primeiro na lista dos réus, o MPF o deixou fora e botou o Zé Dirceu a puxar o cordão.
Se a exclusão do Lula foi por falta de provas, o mesmo deveria ter acontecido com o Zé Dirceu. Presunção por presunção, é inegável que o interesse maior em ter o Congresso na mão era do Lula. Afinal, a incumbência de governar era dele e não de seus companheiros de partido.
Encarada desse ponto de vista a questão, se pode afirmar, sem receio de erro, que a Procuradoria Geral da República foi leniente para com o ex-torneiro mecânico, não usando contra ele a mesma presunção que fez figurar o Zé Dirceu na lista dos denunciados.
Mas, como nem todo mundo gosta do amarelo, nem todo mundo gosta do Lula também. Na turma do Direito Público da Procuradoria Geral da República havia quem não estivesse a fim de dizer “amén” para as patacoadas do aposentado mais bem pago deste país. Aí nasceu a ação de improbidade administrativa.
Nasceu, mas não se criou. Foi extinta, debaixo do argumento de que o Presidente da República só responde por crime de responsabilidade e não pode ser réu em ação de improbidade.
Está certo o juiz Paulo Cezar Lopes. Ele não fez como aquela juíza de Santa Maria que só faltou soltar foguetes para comemorar o recebimento de uma ação de improbidade administrativa que envolvia, entre outros, a então governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius. Só depois de uma batalha, que lhe custou incalculável desgaste emocional e político, Yeda conseguiu, no Superior Tribunal de Justiça, a exclusão do processo.
E vocês sabem por quais razões ela foi excluída do processo? Pelas mesmas razões que agora motivaram a extinção do processo contra o Lula: ela só poderia responder por crime de responsabilidade.
Deu empate. E não adianta agora a Procuradoria Geral da República querer ir para os pênaltis. Ela tem mais é que selecionar melhor os procuradores.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012


O MENSALÃO NO JOSÉ DIRCEU
João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com

O José Dirceu está revoltado com o julgamento do mensalão. Para ele, a sentença que lhe impuseram é injusta.
Não, a sentença não é injusta. É injurídica. Injusta não é porque, se o José Dirceu tivesse consciência limpa, ele reconheceria que, na sua vida pública e privada, aprontou tantas e boas, que uma cadeia de alguns pares de anos estaria de bom tamanho: um cara que faz cirurgia plástica e muda de nome comete crime de falsidade ideológica ou, no mínimo, de falsa identidade. A pena que lhe foi imposta agora é com juros.
A sentença, em razão da qual ele foi condenado a mais de dez anos de prisão, não representa uma injustiça. De um jeito ou de outro ele devia pagar pelo que fez.
A sentença é injurídica, repito, mas não é injusta.
É injurídica porque aquele calhamaço que o Joaquim Barbosa leu, durante mais de três meses, não é uma sentença: é um relatório. Um relatório de fatos de que o Barbosa, pinçando daqui, pinçando dali, fez  uma costura na base de presunções e deu no que deu: uma coisa chamada sentença.
O Lewandowski tentou mostrar os erros, as incongruências, a falta de fundamentação e, sobretudo, a falta de provas. Não teve êxito: todos, à exceção de Toffoli, estavam preparados para condenar o José Dirceu. As duas mulheres, a Rosa Weber e a Carmen Lúcia, por não entenderem coisa nenhuma de Direito Penal, não teriam cacife para destruir o voto do Barbosa.  Os demais, como eu disse, já estavam preparados para condenar. O Celso de Mello, o mais culto de todos os ministros, porque sua memória privilegiada guarda tudo o que ele lê, já tinha uma diatribe própria, sem fundamentos, sem alusão a provas, mas com uma contundência capaz de suprir aquilo que mais se exige em Direito Penal, que é a certeza da materialidade e da autoria do delito.
Uma condenação sem provas, como foi o caso da condenação de José Dirceu, nem sempre há de ser uma condenação injusta, mas com certeza é uma condenação injurídica.
Então, o José Dirceu não tem razão. Ele contava com as garantias do direito de defesa, esquecido de que a vaidade dos ministros do STF é bem maior do que a sabedoria dos próprios. Então venceu a vaidade, que praticou justiça por vias travessas: menosprezou o Direito, para condenar o artífice de um projeto de conquista do poder, em cujo currículo a única virtude que não comparece é a honestidade.
Mas, se a injurídica sentença servir de base legal para o exílio do José Dirceu na Venezuela, o fiasco do STF vai ser bem maior do que o destempero do Joaquim Barbosa.
Pediu, levou.


terça-feira, 20 de novembro de 2012


A LINGUAGEM RIDÍCULA DO STF
João Eichbaum

Enquanto este blog elogiava ontem o desempenho mágico de Percival Puggina na arte da escrita, o colunista J.R. Guzzo, da revista “Veja”, fazia exatamente o contrário, com relação ao linguajar dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Pinçando algumas expressões usadas pelos ministros, tais como “vértice axiológico”, “crivo probatório”, “exordial acusatória”, “egrégio sodalício”, o colunista de “Veja” pergunta: “que raio de língua seria essa”?
 Guzzo encerra sua crônica, dizendo de que os ministros “imaginam, com isso, que estão exibindo sua sabedoria para o mundo”. Mas em seguida contrapõe: “estão apenas mostrando sua recusa, ou incapacidade, de se expressar no idioma oficial do país”.
Vamos por partes.
A axiologia, dentro da filosofia, estuda a função dos valores, assim como a fisiologia, dentro da biologia, estuda a função do pênis.  Dizer “vértice axiológico” é o mesmo que chamar de “ereção do pênis fisiológico” aquela prontidão do melhor amigo do homem para o seu serviço predileto.
O único “crivo” pelo qual passam as provas é a cabeça do juiz, ou o bestunto dele, como queiram. É o juiz que analisa as provas, emprestando-lhes ou negando-lhes valor. Então, “crivo probatório” só pode ser a cabeça do juiz.
“Exordial acusatória”? Isso é coisa de analfabeto. Exordial é adjetivo, referente a exórdio, e exórdio é a parte introdutória de um discurso. Acusatória é também adjetivo, que diz respeito a acusação. Então “exordial  e acusatória” são simplesmente dois adjetivos, que nada significam, porque  sem o substantivo não há lugar para o adjetivo na face da terra.
Vocês sabem o que é “sodalício”? Se não sabem, sentem-se, por favor, para não caírem duros. Sodalício é “sociedade de pessoas que vivem juntas ou em comum; contubérnio”- define o indefectível Caldas Aulete. Quer dizer, é a união de pessoas que vivem sob o mesmo teto, conceito que abrange quem vive como marido e mulher (independentemente do sexo, consoante decisão do próprio STF).
De modo que todo mundo tem o direito de supor que o contubérnio praticado no Supremo Tribunal Federal tem um diferencial: é egrégio.
Então, o seguinte. Ao invés de exibirem sua “sabedoria” para o mundo, os ministros estão mostrando ao vivo e a cores a pobreza do seu vocabulário. Donde decorre que, sendo a linguagem o único instrumento do Direito, quem ainda não sabe usá-la, para lidar no mundo jurídico, não passa de aprendiz.
Outra conclusão inevitável: um dos critérios do apadrinhamento, que garante a investidura no STF, é a capacidade de se expor ao ridículo e ainda ficar “se achando”.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012


DA ARTE DE ESCREVER
João Eichbaum

Percival Puggina é a prova mais concreta, mais viva e palpitante de que, para ser jornalista, não é necessário diploma: basta saber escrever. Puggina tem o diploma de arquiteto. Mas se tornou um grande arquiteto das palavras.
Saber escrever. Não. Não é tão simples assim. Saber escrever não significa apenas respeitar as regras gramaticais, colocando o verbo no tempo certo, observando as regências e evitando tropeços nos vícios gramaticais mais abjetos.
Não é a escrita, a frase, a oração ou o período que qualificam a boa expressão. É a forma como se transmite o pensamento. Quer dizer: só sabe escrever quem consegue exprimir o pensamento de forma correta, elegante, fácil e natural.
E Percival Puggina é mestre nessa arte. Ele escreve sem o hermetismo dos filósofos, sem a janotice dos literatos, sem a vulgaridade dos levianos e sem a embriaguez dos poetas. Seu pensamento é denso, sem ser fechado. Seus vocábulos são fáceis, sem serem triviais. Suas frases são sedutoras, sem serem artificiais.
Nem mesmo o longo espaço que ele ocupa no jornal, do cabeçalho ao rodapé, certamente por exigência da diagramação, consegue lhe atrair a pecha de prolixo. Exatamente por isso – desculpem a repetição – porque ele escreve de forma correta, elegante, fácil e natural.
A correção da frase é imposição do respeito pela gramática. A elegância é virtude ditada pela necessidade de fugir do rasteiro. A facilidade é o caminho que leva com mais rapidez o pensamento até o leitor. A naturalidade representa o texto despojado de artifícios destinados especificamente a seduzir a quem o lê.
Tudo o que digo aqui pode ser aplicado a qualquer escrito do Percival Puggina. Mas ele é um escritor tão perfeito que consegue o milagre de superar a si mesmo. Como, por exemplo, em sua crônica na ZH de ontem, “Notas do cárcere”.
Sem qualquer compromisso com a parcimônia, abordando o assunto do crescimento da criminalidade, eu diria, matando jacaré a botinadas: o Estado, com os impostos que nos arranca, sob ameaça de confisco, pratica uma desordem pior do que a de bêbados brigando em puteiro. Com isso facilita  a organização do crime.
Percival Puggina, não. Com elegância e estilo ele atribui, com propriedade, à inoperância do Estado - Legislativo, Executivo e Judiciário - o poder crescente da criminalidade. E retrata fielmente o drama vivido pelos cidadãos de bem, da tortura íntima de quem sofre o ataque, ao desencanto público de quem lê as manchetes. Tudo com a serenidade de quem domina as palavras, usando-as como instrumento de expressão do pensamento.
É uma pena que talentos como o de Percival Puggina sejam subjugados pela ganância dos que só querem dinheiro, fama e poder. Com um Percival Puggina em cada jornal, este país seria outra coisa.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012


FILHA MAIS VELHA
ABRE AS PERNAS
 

Janer Cristaldo

Aconteceu em Lyon, França, nos anos 70. Um bolsista gaúcho, querendo fazer uma festa a seus colegas, ofereceu-lhes um churrasco. Entre os convivas havia um árabe. O assado era de leitão, mas o anfitrião preferiu dizer que era de cordeiro. Assador de mão cheia, ninguém reclamou da comida. Quis saber o que havia achado o árabe. Havia adorado o churrasco.

Pelo menos até saber que não era de cordeiro, mas de porco. Ao saber o que havia comido, começou a vomitar. Ora, é preciso ter o fanatismo impregnado nos gens, para vomitar ao saber que a comida da qual havia gostado sabendo que era de cordeiro, na verdade era de porco.
Não é que eu queira voltar ao tema. O tema é que volta a mim. A revista Le Pointtraz uma série de reportagens sobre os avanços do Islã na França, atropelando hospitais, cantinas, piscinas, programas escolares. O conflito chegou aos jardins de infância. Pais muçulmanos não aceitam que uma filha seja vigiada durante a siesta por um professor. Um menino tapa as próprias orelhas em uma escola de Courcouronnes no momento de ouvir música com os outros, porque é contrário ao Islã.

Em uma empresa que pratica o jejum de Ramadã proíbe aos demais de comer. Uma instrutora manager recebe em seu celular um SMS aconselhando-a a se portar como uma boa muçulmana, retirar sua maquiagem e se vestir de outra forma. Há recusas de apertar a mão de colaboradoras ou de dividir o escritório com uma mulher.

“Muitos não desejam se comportar assim – diz Laurent Depont, que ocupa o curioso cargo de Diretor de Diversidade na empresa Orange, com mais de cem mil funcionários -, mas são ostracizados por seus colegas. Acabam fazendo a mesma coisa para serem reintegrados”. Mulheres veladas recusam-se a posar para a foto do crachá da empresa ou exigem ser fotografadas unicamente pelo marido.
Nos hospitais, as muçulmanas exigem ser atendidas por médicas. Ginecologistas, no masculino, nem pensar. Ocorre que o número de ginecologistas mulheres, na França, é bem menor que o de homens, e elas estão sobrecarregadas de trabalho. Na Academia de Medicina, as queixas se acumulam: recusa de tomar medicamentos durante o ramadã, recusa de tirar o véu em salas de trabalho, recusa de qualquer cuidado quando este é praticado por um homem sobre uma mulher, ataques de cólera quando o paciente percebe que um remédio continha gelatina de porco, recusa de ser tratado por um canhoto.

Houve caso, há menos de um ano, de uma muçulmana que teve um colapso por ter parido sobre um gramado, após ter deixado precipitadamente uma maternidade onde só havia homens para cuidar dela.

Nas cantinas, o conflito é maior. Para começar, queixas de crianças de apenas três anos, que gritavam “é nojento” cada vez que se lia “Os três porquinhos”. Sentiam-se enojadas não pelo lobo mau, mas pelos inofensivos protagonistas da história, os porquinhos, animais considerados impuros pelos pais das crianças. Continuando, cestas de lixo que se enchiam misteriosamente de bombons nos dias de festas de aniversário, largados por crianças de sete anos, porque continham gelatina de porco. 
A religião tomou conta das creches. Nas cozinhas, desapareceram as garrafas de vinagre desapareceram, porque contém vinho, e as facas que serviram para cortar carne não-halal são afastadas. Com a adoção de menus sem carne de porco, mesas diferentes foram criadas e se formaram grupos. Nos grupos por afinidade religiosa a pressão é forte.

Muitas crianças se sentem obrigadas a recusar carne de porco, com medo de serem tratadas de “maus muçulmanos”. Estas crianças estão abandonando as cantinas, não por razões financeiras, mas religiosas. O problema não é só o porco, mas também a carne, que as crianças deixam em seus pratos, por não ter sido preparada segundo o ritual halal. Há quem deixe de lado até mesmo os legumes que a acompanham.

Em meio à indefinição legislativa, os prefeitos se atolam em questionamentos insolúveis: será necessário, em nome da laicidade, optar por uma mesma comida para todos e dela privar certos alunos? Como não é fácil fazer arranjos específicos, o prefeito de Aulnay-sous-Bois propõe pratos sem carne. Em respeito aos muçulmanos, seja vegetariano.
Em Villeurbaine, encontrou-se uma solução peculiar. Cada aluno deve colocar um cartão colorido sobre o prato. Azul para o menu standard, verde para os sem-carne e amarelo para os sem-porco. Imigrantes que chegam na França para matar a fome, recebem educação, saúde e comida, coisas às quais nem sempre têm acesso em seus países. Na hora do atendimento, não aceitam ler historinhas que têm porcos como personagens, mulheres não aceitam médicos homens, crianças recusam carne de porco ou qualquer carne de animal não abatido segundo o ritual halal. E os franceses, em nome da diversidade cultural e do respeito às crenças religiosas, aceitam bovinamente estas exigências absurdas dos mortos de fome.

Os conflitos se estendem ao mundo dos esportes. Na última Copa do Mundo, descobriu-se que um bufê halal foi imposto à equipe de futebol dos Azuis (os franceses), para não criar conflito com os muçulmanos. Os jogos têm de respeitar os horários das preces. Sem falar que muçulmano não aceita jogar durante o ramadã. As datas dos jogos são pautadas pelos cabeças-de-toalha.

No futebol feminino, a Fifa autorizou o porte do hidjab pelas atletas nas competições internacionais. A Federação Francesa de Futebol bateu pé e manteve a proibição do véu islâmico nos jogos nacionais e na seleção, invocando a “preocupação de respeitar os princípios constitucionais e legislativos da laicidade que prevalecem em nosso país e que constam dos estatutos”.
A França cede em todos os fronts. Cá e lá, alguma voz isolada toma a defesa da sensatez. Frederic Thiriez, presidente da Liga de Futebol Profissional, não transigiu: “Legitimar hoje o uso do véu nos campos é infringir uma terrível rejeição, a todos aqueles, homens e mulheres, que lutaram durante anos pela universalidade do esporte e pela emancipação da mulher”. Mas agora é tarde.

Em meio a isso, a revista francesa entrevista Tarik Ramadan, professor suíço que faz uma defesa acirrada do Islã no Ocidente. Para Ramadan, o Islã é uma religião francesa. O que o professor quer, no fundo, é legitimar comportamentos que ferem não só as conquistas francesas no campo dos direitos humanos, como inclusive sua legislação. Islamismo nunca foi religião francesa. A rigor, nem mesmo o cristianismo. As religiões monoteístas contemporâneas surgiram no deserto. Mais precisamente, no que hoje chamamos de Oriente Médio. Deus nasce da areia. 

Se a França tem uma religião, esta é o cristianismo, adotado em decorrência da expansão do poder romano e por imposição de Constantino. Mais precisamente, o catolicismo. Tanto que a França é conhecida historicamente como “la fille aînée de l’Église”. Pois seus reis são sucessores diretos de Clovis Iº, primeiro rei bárbaro a ser batisado cristão.
Se o Islã ocupa hoje o segundo lugar na França, em número de seguidores, isto não significa que seja uma religião francesa. É, isto sim, uma religião hostil e invasora, que não concebe a idéia de um Estado laico. A Europa também já foi teocrática. A experiência histórica dos europeus levou-os a considerar que é melhor separar Igreja de Estado. Religião, quando unida ao poder do Estado, é incompatível com democracia. Os muçulmanos ainda não chegaram lá. E pelo jeito não chegarão tão cedo.

Impossível considerar religião francesa uma religião que pretende legislar sobre uma nação. Estes conflitos todos, entre europeus e muçulmanos, decorrem do fato de que o Islã não aceita outras leis senão as de Alá. Jeová ou Cristo há muito não apitam na Europa, e disto decorre o desenvolvimento do Velho Continente. 

Sem ser teísta, acho muito triste ver a filha mais velha da Igreja abrindo as pernas para o obscurantismo islâmico. Uma quinta-coluna esquerdista está entregando o continente aos bárbaros. O pior é que esta traição não tem volta. Os comunistas falharam na tentativa de destruir a Europa com o marxismo. Estão agora tentando via Islã. Parece que desta vez vai.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012


DOIS TABEFES NO SUPREMO
João Eichbaum

Por obra de um amigo meu de Santa Maria, travei conhecimento com a verve de Jânio de Freitas. Como não tenho o hábito de ler a Folha de São Paulo, não conhecia esse jornalista. Agora sei que ele é um provecto senhor de oitenta anos, o que, por si só, o qualifica como profissional respeitável. É daqueles que não se tornaram jornalistas pelo diploma, mas pela aptidão pessoal. Não é por menos que ele carrega no currículo o título de membro do conselho editorial da Folha.
Pois o meu amigo me remeteu cópia da crônica subscrita pelo excelente jornalista, intitulada “A voz das provas”, de que reproduzo alguns tópicos:
Tanto na exposição em que pediu a condenação de José Dirceu como agora no caótico arranjo de fixação das penas, o relator Joaquim Barbosa se expandiu em imputações compostas só de palavras, sem provas.
Em um dos muitos exemplos que fundamentaram a definição de pena, foi José Dirceu quem "negociou com os bancos os empréstimos". Se assim foi, é preciso reconsiderar a peça de acusação e dispensar Marcos Valério de boa parte dos 40 anos a que está condenado. A alternativa é impossível: seria apresentar alguma comprovação de que os empréstimos bancários tiveram outro negociador -- o que não existiu segundo a própria denúncia.
E arremata seu artigo, de forma candente:
Ignoro se alguém imaginou absolvições de acusados de mensalão. Não faltam otimistas, nem mal informados. Mas até entre os mais entusiastas de condenações crescem o reconhecimento crítico do descritério dominante, na decisão das condenações, e o mal-estar com o destempero do relator Joaquim Barbosa. Nada disso "tonifica" o Supremo, como disse ontem seu presidente Ayres Britto. Decepciona e deprecia-o -- o que é péssimo para dentro e para fora do país.
Além dessa aguçada interpretação, Jânio de Freitas menciona a entrevista do jurista alemão Claus Roxin às jornalistas Cristina Grillo e Denise Menchen, alertando que a sua “teoria do domínio do fato” não dispensa a prova.
Fui à procura da entrevista e ali encontrei a pergunta fundamental que lhe fizeram as jornalistas: seria possível utilizar a teoria do domínio do fato para fundamentar a condenação de um acusado, presumindo-se a sua participação no crime a partir do entendimento de que ele dominaria o fato típico por ocupar determinada posição hierárquica?  
Resposta de Claus Roxin:
A pessoa que ocupa uma posição no topo de uma organização qualquer tem que ter dirigido esses fatos e comandado os acontecimentos, ter emitido uma ordem. Ocupar posição de destaque não fundamenta o domínio do fato. O 'ter de saber' não é suficiente para o dolo, que é o conhecimento real e não um conhecimento que meramente deveria existir. Essa construção de um suposto conhecimento vem do direito anglo-saxônico. Não a considero correta.  
As citações, tanto de Jânio de Freitas como de Claus Roxin servem para ilustrar as críticas que partiram deste blog à falta de fundamentação, à fraqueza da hermenêutica e, sobretudo, ao comportamento de Joaquim Barbosa  individualmente e do STF como um todo.
Saibam, então, os leitores que este blogueiro não é uma voz isolada, explicando o funcionamento do anzol para peixes mortos, enganados pela minhoca.


terça-feira, 13 de novembro de 2012


DESAPARECIDA EM APARECIDA

João Eichbaum

Há cerca de um mês, um casal de idosos, ele com 82 anos e ela com 77, tomou parte numa excursão à Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Ambos, fervorosos católicos, desses que gastam sua velhice com atividades participativas na paróquia onde residem, foram a Aparecida, movidos pela fé.
Lá chegados, entregara-se ele à piedosa ocupação de acender velas para pedir ou agradecer benefícios da Virgem Maria, enquanto sua esposa contemplava as belezas do templo. Ao voltar-se para se juntar a ela, não a encontrou. Foi até a porta da igreja e também não a viu. Meteu-se à sua procura entre os magotes de peregrinos que por ali circulam o dia todo, sem sucesso.
Ela que, segundo consta, às vezes tem a memória comprometida, teria dito a circunstantes, na porta da igreja: “vou para casa”.
Desde aquele dia a família não descansa e, embora já tenham sido mobilizados todos os meios, incluindo a direção da igreja, a polícia e alguns meios de comunicação, até agora não há pistas sobre o paradeiro da idosa.
Ontem, por acaso, me detive por alguns minutos na TV Rede Vida. É um canal de televisão de propriedade dos religiosos responsáveis pela basílica Nossa Senhora Aparecida. Naquele canal, cujo objetivo principal é difusão de temas ligados à religião católica, transmitem-se missas, sermões, fala-se muito no “amor de Deus” e nas “graças da Senhora Aparecida”. Mas o que me chamou a atenção, verdadeiramente, foi um quadro publicitário que apresenta pessoas prestando depoimentos, exaltando  milagres, curas, graças e melhorias de vida, atribuídas àquela personagem que a Virgem Maria encarna, sob o nome de Nossa Senhora Aparecida.
Parece que a Virgem de Aparecida discrimina, e discrimina sem critérios. Enquanto “concede graças” para alguns, deixa que o destino se encarregue de fazer o que quiser com uma senhora idosa, sem rumo, sem referência, que outra coisa não faz na vida senão rezar e pedir graças. O misterioso desaparecimento, de dentro do Santuário, que tem a denominação de Aparecida, soa como verdadeira contrapropaganda.
E o resultado dos insucessos das orações perante a Senhora Aparecida é que os familiares da desaparecida já estão correndo atrás de curandeiros e espíritas, em busca do benefício que lhes foi negado.
Isso é a prova de que aquilo a que denominam “fé” não é senão um sentimento, e que está sujeito a mutações tanto quanto qualquer outro sentimento.
Reaparecendo a idosa, e espero que isso aconteça, quero ver quem vai levar os louros do milagre: a Virgem Aparecida, os curandeiros ou os adeptos de Xico Xavier, que não jogam no mesmo time.
A menos que ela tenha fugido com o sacristão.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012


A INTELIGÊNCIA É INIMIGA DA VIRTUDE

João Eichbaum

O homem é o mais inteligente dos animais, o mais malicioso, o mais concupiscente, o mais vaidoso, o mais ganancioso e, exatamente por tudo isso, o mais feroz. Só não é o mais preguiçoso, porque a inteligência lhe impede que seus esforços sejam limitados, quando tem em mira as satisfações exigidas pelo ego.
Por ser o mais inteligente, ele concebe e fabrica as armas que, subsidiando suas forças, o tornam mais feroz do que qualquer outro animal, quando se trata de derrotar o inimigo, ou de conquistar alvos ditados por seus interesses.
É o mais malicioso porque, também usando de sua inteligência, concebe armadilhas, materiais ou morais, para atingir seus objetivos: a concupiscência, a ganância, a vaidade.
A serviço da concupiscência, que é a exacerbação da necessidade sexual imposta pela natureza, ele não poupa a inteligência, nem aceita limites, a ponto de transformar em objetivo do sexo atividades fisiológicas destinadas para outros fins.
Mais armadilhas do que armas o homem coloca a serviço de sua vaidade. Com a sedução ele conquista a fama, que é a mais aguda materialização da vaidade.
Mas o alvo maior da ganância do homem é o poder, exatamente porque esse lhe proporciona dinheiro e satisfação da concupiscência e da vaidade.
Como se vê, é um verdadeiro círculo vicioso, que começa no ego e volta para esse ego em forma de satisfação, ou de frustração, porque não se pode esquecer que todos os concorrentes da espécie querem os mesmos objetivos e muitos deles têm armas ou armadilhas mais eficientes.
É por isso que a vida não é outra coisa senão um monstruoso “salve-se quem puder”: poucos têm muito, muitos têm pouco, outros, nem sentido têm para viver. E sendo um círculo vicioso, nada, até hoje, conseguiu transformar o homem. A maior das tentativas talvez tenha sido a do cristianismo, que está fracassando cada vez mais, exatamente porque a ideia foi concebida e desenvolvida por homens, que podem escapar de alguns, mas não de todos os defeitos, exacerbados pela inteligência.
Afinal, só há uma vaidade maior do que a de criar uma filosofia de vida, considerando-a inspiração divina: a de se atribuir a infalibilidade como “representante” de Deus na terra.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012


O JOAQUIM BARBOSA NÃO SABE CONTAR ATÉ DEZ

João Eichbaum

Quando comecei a acompanhar o julgamento do mensalão, ao vivo e a cores, pensei que iria enriquecer meus conhecimentos. E havia lógica nisso: afinal tinha na tela da televisão, supostamente, onze homens de “notório saber jurídico e ilibada conduta”. Senão todos, quase todos mestres, doutores, especialistas na ciência do Direito.
Não me espantei com a vaidade dos ministros, porque essa “capitis deminutio” de caráter já está ínsita na própria aceitação do cargo. Hoje, mais ainda, quando, além do simples assentimento para vestir a toga, o candidato sai à cata de padrinhos de todas as cores, tamanhos e matizes. E se pedirem ao candidato que venda a alma ao diabo em troca de tão insigne honra, tenho certeza de que ele, sem pestanejar, se prostrará aos pés de Satanás para chamá-lo de mestre e senhor.
Então, noves fora a vaidade, o resto, para mim, seria uma grande lição de doutos e ilibados senhores.
Antes não tivesse começado a assistir o julgamento.
A partir dele, me convenci de que os ministros sabem menos do que qualquer advogado com uma boa carga de experiência. Em matéria de conhecimento de Direito eles não são expoentes. E em matéria de experiência deixam muito a desejar porque, vivendo no Olimpo, sem os pés no chão, desfrutando daquele palácio deífico, em pouco tempo desaprenderam o que é ser povo, o que é viver no dia a dia, lutando para sobreviver.
Exatamente por falta de experiência na vida, por deficiência de conhecimento das pessoas, dos seres humanos, dos bons e dos maus, eles têm uma enorme dificuldade de fixação das penas.
Mas, afora esses defeitos, com a chegada do Joaquim Barbosa a imagem que se tinha do STF desandou. Sua intemperança, sua agressividade, sua intolerância e o riso sardônico com que o ministro afrodescendente recebe as opiniões contrárias dos colegas, estão tornando o Supremo um bom alvo de bazófia, de deboche. As discussões que ele protagoniza, verdadeiras pândegas, nos fazem retroceder no tempo, no tempo em que havia lavadeiras, personagens sempre lembradas nos “bate-bocas”.
Ontem, no lançamento da campanha contra a violência sob o lema, “Conte até dez”, o presidente da OAB nacional, Ophir Cavalcante fez um acréscimo, que retrata o desapontamento de quem acreditava na “conduta ilibada dos ministros: “conte até dez, STF”.
Acho que o problema do Barbosa é só matemática.


quinta-feira, 8 de novembro de 2012


NOSSAS ORIGENS

João Eichbaum

O “homo neandertalensis" e o “homo sapiens” se acasalaram na marra. Disso, não há a menor dúvida. Qual é o homem branco que não gosta de pegar uma negrinha? Qual é o homem branco que não gosta de pegar uma fêmea da raça amarela, uma japonesinha de olhos puxados, de pernas finas e arqueadas, com pouca bunda? Qual é o “homo sapiens” que não fica de olho na vizinha, seja ela de que origem for?
O “homo neandertalensis” sumiu, mas deixou herdeiros, seguidores, meio mistos, é verdade, mas deixou. Por uma razão muito simples: qualquer animal tem tesão. E quando existe tesão, não importa quais sejam os personagens: podem ser de qualquer espécie, de qualquer raça. Se têm vida animal, é o bastante.
 A vida do “homo neandertalensis” consistia em comer, transar e dormir. Era feroz, carnívoro, não vivia com menos de dois quilos de carne por dia. E gostava muito de sexo, não poupava as fêmeas do “homo sapiens”. O “homo sapiens” já foi um pouco mais longe: acrescentou às suas necessidades, a de conquista. Por isso se armou e acabou vencendo o mais forte pelo uso da inteligência.
Foi aí que a humanidade se misturou e o “homo sapiens” imprimiu o seu predomínio, pois, tendo exercitado a atividade intelectual, sabia como comandar os “menos dotados”. O homem de Neandertal desapareceu, decerto porque gostava mesmo das mulheres do “homo sapiens”. Enquanto procriava, sobretudo estuprando as sábias, ia deixando sua patroa de fora da jogada, porque a sábia era melhor e de certo já fingia o orgasmo.
Em razão do acasalamento forçado do homem de Neandertal com as fêmeas do “homo sapiens”, hoje temos uma legião de homens diferenciados: aqueles que puxaram pelos neandertalensis e aqueles que saíram ao “homo sapiens”. Temos os Lulas da vida, mas temos também os Bill Gates.
Conclusão: o homem de Neandertal, que não pensava, não tinha escrúpulos, não obedecia a normas, não desapareceu definitivamente. Seus herdeiros estão aí por toda a parte.


quarta-feira, 7 de novembro de 2012


INVEJA DA SURDINHA 

Janer Cristaldo

Já fui fascinado pelo cinema. Ainda o sou, de certa forma. Mas permaneci em um cinema já passado: Chaplin, Bergman, Visconti, Louis Malle, Fellini, Kurosawa, Peckinpah, cineastas personalíssimos, cujas obras eram sempre esperadas com sofreguidão. Hoje, está difícil encontrar quem os substitua. Depois destes, vi obras interessantes - e mesmo genais -, dessas que jamais encherão várias salas ao mesmo tempo. Arte não é para massa. Quando se faz arte para multidões, não é mais arte.

Cinema foi algo importante para minha geração. Em Porto Alegre havia um intenso movimento cinematográfico, impulsionado pelo Cineclube de Porto Alegre, tocado pelo P.F. Gastal. À meia-noite das sextas-feiras sempre havia a pré-estréia de algum filme de um diretor de renome, ainda que fossem chatos como Goddard ou Antonioni. No sábado, debatíamos os filmes na Rua da Praia ou Praça da Alfândega e no domingo, algum crítico iluminado, dava seu veredito nas páginas do Correio do Povo. Era uma época em que havia diretores, algo que hoje quase não mais se vê. Cada filme era esperado com certa ansiedade e cinema fazia parte da vida intelectual da cidade.
O movimento cinematográfico era intenso em Porto Alegre. Podia não se fazer cinema no Rio Grande do Sul, mas havia uma crítica cinematográfica atuante, que não se furtava a opinar como os cineastas de Paris, Roma ou Califórnia deviam conduzir seus filmes.

Cinéfilo contumaz, orientei minha correspondência em Paris um pouco para o cinema. Fiz a cobertura de três festivais de Cannes, dois de Berlim e um de Cartago, na Tunísia. Fora Apocalipse Now, acho que jamais comentei esses filmes que lotam salas. Sempre buscava o cinema menos conhecido, de pequeno público, de países como a Dinamarca, Finlândia, Iugoslávia, Grécia, Bulgária, Tunísia, Romênia. Nesses países sempre encontramos gratas surpresas, que raramente chegam ao Brasil.

Escrevi muito tempo sobre cinema e estudei um ano de cinema na Stockholms Universitet. Em sua cinemateca, vi filmes desde os primórdios do cinema, que jamais foram vistos por estas bandas. Durante meus quatro anos de Paris, com minha credencial de jornalista, não pagava entrada em sala alguma. Foi uma festa. Um de meus critérios básicos: não ver filmes franceses. Com isto não quero dizer que os filmes franceses sejam ruins. Apenas que não gosto do jeito deles filmarem. São muito literários. O cômico francês Louis de Funès estabelecia uma diferença entre o cinema francês e o americano. Diante de uma porta, no cinema americano o personagem abre a porta e entra. No cinema francês, o personagem não abre a porta sem antes falar: "Voilà, la porte!" E só depois entra.
Hoje, meu interesse pela dita sétima arte diminuiu um pouco. Acho que começou com a literatura. Há mais de vinte anos não leio ficção. Histórias inventadas me cansam. O real é sempre mais fascinante. Verdade que ainda restam ficções soberbas no cinema capazes de me fascinar. Falo de filmes como A Festa de Babete, de Gabriel Axe. Certamente, o mais belo e sensível filme que já vi. Mexeu muito comigo também The Map of Human Heart, de Vicent Ward, que creio não ter passado no Brasil. No fundo, a busca de uma filha pelo pai, um esquimó que, por circunstâncias da vida, tornou-se fotógrafo em um bombardeiro inglês durante a Segunda Guerra. Comovente. Ultimamente, os melhores que vi foram Adeus Lênin, do alemão Wolfgang Becker, e Slogans, do albanês Gjergj Xhuvani, uma sinistra comédia situada nos dias da ditadura de Nicolae Ceaucescu.

Com o tempo e os novos hábitos, cansei até mesmo de ir a salas de cinema. Surgiu ultimamente um público inculto, que leva para a sala de cinema os vícios do cinema caseiro. Acostumados a ver cinema em casa, conversando uns com outros, levam para as salas públicas esta prática infame. Sem falar no ruído dos saquinhos de pipoca. Pior ainda, os filmes hoje tendem a ser dublados.

Nunca suportei filme dublado. Ver um filme sueco ou italiano em português – ou mesmo em francês - destrói qualquer filme. Um Marcelo Mastroianni ou Liv Ullmann falando em carioquês chiado me faz doer o estômago. Ano passado, para meu conforto, comprei um televisor de 56 polegadas, se de plasma ou LED, não me perguntem: não sei. Assim, pensei, posso curtir algum cinema em tela confortável sem precisar entrar em filas ou enfrentar um público mal-educado. Assinei também TV a cabo, para escapar da miséria nossa.
Com alguma sorte, encontrei bons filmes, que jamais chegaram ao Brasil. E sempre posso reaver algum faroestão de meus dias de guri, ou algum James Bond, que como entretenimento serve. Mas, de uns dois anos para cá, uma praga invadiu os canais estrangeiros, o filme dublado. Não está fácil encontrar um filme legendado na televisão. Os exibidores oferecem às vezes uma opção com legenda. Mas com diálogos em português. Você é tratado como um surdo. Já que se recusa a ouvir, vai legenda. Mas ver um filme legendado e dublado ao mesmo tempo é uma tortura só suportável por analfabetos. Acabo utilizando um recurso que não deixa de mutilar a obra: desligo o som. Tenho me dedicado, ultimamente, ao cinema mudo.

Mas quem pediu filmes dublados? O público não há de ser. É óbvio que esta dublagem generalizada de filmes é fruto da guilda de dubladores. Que, para ganhar a vida, impõem suas mediocridades – não há dublagem brasileira que não seja ridícula – a um público que assinou televisão paga para ver televisão – ou melhor, cinema - inteligente. 

Leio na Folha de São Paulo de hoje que uma auxiliar de escritório surda, de Belo Horizonte, ganhou na Justiça o direito de receber indenização de um cinema que não exibia filmes legendados no dia em que ela queria comemorar o aniversário de dois anos de namoro.
A sentença foi divulgada nesta semana. O cinema pode recorrer da decisão que o obrigou a pagar R$ 10 mil à jovem por danos morais e a doar outros R$ 10 mil a uma creche. Em agosto de 2010, K. R. C., 25, foi assistir ao filme Shrek para Sempre, no complexo de exibição do Cineart Multiplex, com o namorado I. V. R., 30, que também é surdo. Como o longa só era exibido dublado, o casal optou por ver outra animação, Meu Malvado Favorito, mas enfrentou o mesmo problema.

Os dois, então, registraram um boletim de ocorrência. K. disse à Folha, em entrevista por e-mail, que tem direito de assistir a filme igual a todo mundo. "Tem mais filme dublado do que legendado. Fico olhando ouvintes entrando animados no cinema e eu nervosa, lá fora, com vontade de ver", afirmou.

Na decisão, o juiz Fabrício da Cunha Araújo afirmou que o exibidor tem o dever de passar pelo menos um filme de cada gênero compreensível para surdos por dia. A televisão até que oferece legendas. Mas me empurra junto a dublagem. Como não posso reclamar que não entendo o filme, estou no mato sem cachorro. E meu belo televisor acabou perdendo sua utilidade. 
Qualquer dia, dublam até ópera. Melhor curtir algumas, antes que tal hora chegue. Enquanto isso, meus respeitos à surdinha. Pessoas assim, com uma rígida consciência de seus direitos, são moedas cada vez mais raras neste país onde se engole tudo que é servido.