terça-feira, 6 de novembro de 2012


A REDAÇÃO DO “ENEM”

João Eichbaum

Oficialmente estamos chegando no limite da tolerância em matéria de cultura.  Depois de tantos cursos de especialização, de mestrado, de doutorado, os mestres e doutores desnudam seus conhecimentos, tropeçando nas coisas mais simples do vernáculo.
“O Movimento Imigratório para o Brasil no século XXI”. Esse foi o título da redação do “Enem”, instrumento de avaliação oficial de conhecimentos dos estudantes que concluem o ensino médio no Brasil. Por favor, me corrijam, se estou enganado, porque em matéria de “projetos e programas” do Governo Federal estou por fora.
Falei nos “mestres e doutores”, supondo que a elaboração das questões do referido exame seja confiada a pessoas qualificadas por esse diapasão. Não me seria lícito pensar que um tipo de avaliação de tal gênero passa pelo crivo da mediocridade.
Mas, por outro lado, a simples leitura do título da redação me autoriza a duvidar da valia do diploma de doutor.
Os verbos “emigrar” e “imigrar” não são sinônimos. São antônimos. Emigrar significa sair de um lugar para outro. Imigrar, chegar a um lugar, vindo de outro. O primeiro tem encaixado o sufixo “ex” do latim, que indica “donde”. O segundo, o sufixo “in”, que designa “onde”. Os europeus emigraram para o Brasil. Saíram de lá como emigrantes e aqui chegaram como imigrantes.
Coisa simples. Isso todo mundo sabe. Mas, para os “doutores” que prepararam as provas do “Enem” a questão não parece muito bem definida.
A preposição tem que respeitar o sentido do vocábulo. É isso que os “doutores” não sabem. Uma preposição pode estar gramaticalmente correta e, ao mesmo tempo, conceitualmente incorreta.
Foi o que aconteceu com a prova de redação do “Enem”. Conceitualmente, a preposição “para” não combina com o verbo “imigrar”. Emigra-se para, mas não se “imigra” para.
Em sendo empregado o substantivo “movimento” qualificado pelo adjetivo “imigratório”, a preposição adequada, tanto do ponto de vista gramatical quanto do ponto de vista conceitual, seria “em” e não “para”: “o movimento imigratório no Brasil”. Melhor ainda soaria o adjetivo “migratório”, porque nesse caso o emprego da preposição “para” definiria cristalinamente a ideia: “o movimento migratório para o Brasil”.
O erro de conceito gera, necessariamente, ambiguidade, desconserto e confusão de ideias, sendo imperdoável numa avaliação oficial de conhecimentos. Responsáveis por ele, os examinadores de língua portuguesa são os primeiros reprovados do Enem desse ano. Só lhes resta rasgar o diploma de doutor e retomar o curso médio, a partir da estaca zero.




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