A REDAÇÃO DO “ENEM”
João Eichbaum
Oficialmente estamos
chegando no limite da tolerância em matéria de cultura. Depois de tantos cursos de especialização, de
mestrado, de doutorado, os mestres e doutores desnudam seus conhecimentos,
tropeçando nas coisas mais simples do vernáculo.
“O Movimento Imigratório para
o Brasil no século XXI”. Esse foi o título da redação do “Enem”, instrumento de
avaliação oficial de conhecimentos dos estudantes que concluem o ensino médio
no Brasil. Por favor, me corrijam, se estou enganado, porque em matéria de
“projetos e programas” do Governo Federal estou por fora.
Falei nos “mestres e doutores”,
supondo que a elaboração das questões do referido exame seja confiada a pessoas
qualificadas por esse diapasão. Não me seria lícito pensar que um tipo de
avaliação de tal gênero passa pelo crivo da mediocridade.
Mas, por outro lado, a
simples leitura do título da redação me autoriza a duvidar da valia do diploma
de doutor.
Os verbos “emigrar” e
“imigrar” não são sinônimos. São antônimos. Emigrar significa sair de um lugar
para outro. Imigrar, chegar a um lugar, vindo de outro. O primeiro tem
encaixado o sufixo “ex” do latim, que indica “donde”. O segundo, o sufixo “in”,
que designa “onde”. Os europeus emigraram para o Brasil. Saíram de lá como
emigrantes e aqui chegaram como imigrantes.
Coisa simples. Isso todo
mundo sabe. Mas, para os “doutores” que prepararam as provas do “Enem” a
questão não parece muito bem definida.
A preposição tem que
respeitar o sentido do vocábulo. É isso que os “doutores” não sabem. Uma
preposição pode estar gramaticalmente correta e, ao mesmo tempo,
conceitualmente incorreta.
Foi o que aconteceu com a
prova de redação do “Enem”. Conceitualmente, a preposição “para” não combina
com o verbo “imigrar”. Emigra-se para, mas não se “imigra” para.
Em sendo empregado o substantivo
“movimento” qualificado pelo adjetivo “imigratório”, a preposição adequada,
tanto do ponto de vista gramatical quanto do ponto de vista conceitual, seria
“em” e não “para”: “o movimento imigratório no Brasil”. Melhor ainda soaria o
adjetivo “migratório”, porque nesse caso o emprego da preposição “para”
definiria cristalinamente a ideia: “o movimento migratório para o Brasil”.
O erro de conceito gera,
necessariamente, ambiguidade, desconserto e confusão de ideias, sendo imperdoável
numa avaliação oficial de conhecimentos. Responsáveis por ele, os examinadores
de língua portuguesa são os primeiros reprovados do Enem desse ano. Só lhes
resta rasgar o diploma de doutor e retomar o curso médio, a partir da estaca
zero.
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