A OUTRA
João Eichbaum
Mais jovem, mais bonita, feita sob medida para
a prática daqueles desatinos debaixo dos lençóis, a outra é sempre melhor. A
outra se presta para confidências,
oferece o ombro para molhar de lágrimas, escuta queixas e lamúrias, narrativas
de fracassos e glórias, sem dizer que você está errado, e sem dar conselhos que
não lhe são requeridos.
Ela conserva sua saúde em
bom estado, até cura câncer, se for preciso, mantém seu humor em alta,
transforma seu problemão em coisinha à toa. Nos braços dela você não tem crise
de identidade, nem de consciência, e fica mandando o mundo todo se phuder.
A outra não fica
vendo novela, quando você quer ver futebol, aguenta na frente da TV aqueles
negrões lustrados de suor, correndo atrás da bola. Mesmo que sejam os do
Corintians.
A outra sabe
ganhar sem pedir. Sabe pedir sem irritar. E tem uma grande capacidade de
aliciar. Vem como quem não quer nada, mas vai ganhando confiança, conquistando
espaço, comendo pelas beiradas: “Que é isso, excelência, parece aborrecido,
estressado...? Vou lhe preparar um chá.”
Até aquele
momento você nem tinha reparado muito nela, na assessora. Quem a trouxe para
“trabalhar” com você foi seu amigo Zé. E mulher de amigo, para você, sempre foi
homem.
Mas aí você
repara que ela lhe deposita olhares especiais, dá importância a tudo o que você
faz, sua presença passa a embebedá-lo. Chega o ponto em que ela se torna
indiscutível, porque você já passou da admiração para o encantamento e não dá
para voltar atrás. Diante da onipotência
do sexo você perde o domínio e acaba levando para cama, em segunda mão, aquela que
já foi a outra do seu amigo.
Se você é
Presidente da República, por exemplo, e vive voando, dando palpites furados no
grupo dos países ricos, fazendo discursos na ONU e arrancando aplausos dos
países pobres, vai levar sempre aquela baranga da dona Letícia, que tem muito
mais de caipira do que de diplomata, mal arranha o português e nunca vai
aprender a falar inglês?
Claro que não. Não, não vai querer comidinha
caseira em viagens internacionais. Em vez de levar a dona Letícia, que tem o
ano todo para dormir com você, ouvindo seus roncos e aguentando a emanação
tóxica de seus puns, é melhor levar a assessora.
Grande
assessora! Ela quebra todos os galhos, de dia e de noite, com porre ou na
absoluta sobriedade. Assessoria é um preço muito baixo pelo que ela faz para você. Então você tem um estalo: a chefia de gabinete!
Nomeia-a, dá
emprego para o marido e para filha dela, põe-lhe à disposição os cartões
corporativos, e a mantém como chefe de gabinete, até depois de apear da
presidência, com a sobra dos poderes que lhe permite sua sucessora.
Até que um
dia... Até que um dia, antes mesmo de abrir os jornais, você percebe que ficou sem alma, o
mundo já caiu sobre você: as manchetes são montanhas que despencaram. Sua chefe de gabinete, indo muito
além dos lençóis, multiplicou os poderes que você lhe deu e começou a faturar
em cima do seu nome e da República. E aí apareceu a Polícia Federal...
Então você
sente uma dor inexplicável, como se estivesse com o rego cheio de furúnculos, e
perde a voz. Mas antes disso ainda tem tempo para dizer “fui apunhalado pelas
costas”. Sem se dar conta de que perereca de ouro tem seu preço.
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