O TESTEMUNHO VIVO DE UM MORTO
João Eichbaum
Na noite anterior ao dia de
finados, Júlio Miguel Molinas Dias foi assassinado a tiros dentro do seu C4,
quando chegava em casa, na rua Professor Ulisses Cabral, no seletivo bairro
Chácara das Pedras, em Porto Alegre.
Molinas era coronel
reformado do exército, morava sozinho, e estaria voltando da casa de uma das
filhas, quando foi morto. Consta que o autor dos disparos fatais teria sido um
homem que estava sentado no banco do carona do automóvel dirigido por Molinas.
Então havia mais de uma
vertente de hipóteses para se chegar a quem, ao como e ao porquê do crime. Será
que o coronel não era viado, tinha contratado um garoto de programa e, sem
acerto no preço, a coisa terminou na base do tiro? Será que o coronel gostava
de viado, para sair da rotina de sua atividade sexual? Ou teria sido
seqüestrado e, ao tentar reagir, teria sido assaltado?
Viúvo, morando sozinho e com
um contracheque atraente, é claro que o coronel não podia dispensar mulher
também, e estava sujeito às desordens do amor. Então: “cherchez la femme”. A
mulher não foi encontrada, mas telefonemas levaram à conclusão de que Molinas
havia contratado serviços de detetive particular. Supostamente para apurar se, ou
com quem, estava sendo passado para trás. Então, mais uma vertente: tem mulher
no meio?
O delegado estava coçando a
cabeça, porque com tanta coisa para fazer não tinha tempo de coçar o saco,
quando os investigadores lhe puseram em cima da mesa a papelada que haviam
encontrado na casa da vítima.
A papelada revelava o
passado. O coronel era comandante do DOI-Codi no Rio de Janeiro em 1981, na
época em que um artefato explosivo matou um sargento e feriu um capitão no
Riocentro, onde se concentravam cerca de vinte mil pessoas para um show de
protesto contra o governo militar de então. A Molinas, como comandante, cabia a
tarefa de substituir a verdade altissonante de que o atentado tinha sido
planejado pelo aparelho repressor do exército, pela mentira oficial de que fora
obra da subversão. A farsa ia desde a tentativa de calar para sempre o capitão
ferido, ao afastamento de oficial que não compartilhava da mentira. Tudo
escrito no diário do coronel, que foi descoberto pela polícia e depois estampado na imprensa.
Entre esses papéis também
foi encontrado e saudado como troféu um ofício com o timbre do Exército, dando
conta de que Rúbens Paiva, um deputado desaparecido sem deixar vestígios de
vida ou morte, tinha sido levado para o DOI-Codi.
O Tarso Genro aproveitou o
fato para tapar com a peneira o sol que mostra a todos os gaúchos o fracasso do
seu governo: organizou um ato solene para entregar uma cópia (um "xerox," como
diz o povo) desse ofício à filha do deputado. Com pompa, circunstância e
holofotes da imprensa, como se fosse a obra prima de sua administração.
Tudo isso aconteceu graças a
um bandido, diga-se de passagem. Que pode até ser um viado
Será que o Tarso Genro vai
condecorá-lo?
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