MORTE SEM BUROCRACIA
João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com
Não adianta escrever para quem morreu. Não adianta
também escrever para quem, agora, está mergulhado na dor, dominado pelo
desespero da perda, dando de ombros para o mundo, para a vida, para tudo aquilo
que não diga respeito ao ser amado que tombou sem ar, foi pisoteado e
transformado em número, ficou exposto seminu, ou sem identidade, debaixo duma
lona, no chão de uma praça de esportes.
Então, o que resta é escrever para os vivos.
Experimente você botar um negócio qualquer, um
mercadinho, um escritório, uma lojinha de fundo de quintal. Você terá de correr
entre Herodes e Pilatos um sem número de vezes, até que o Corpo de Bombeiros,
com agenda cheia, encontre um tempinho para vistoriar o local pretendido para a
instalação do seu negócio.
Ah, como você é um joão ninguém, não tem amigos políticos,
não amigos influentes e, sobretudo, não tem dinheiro, vocês estará esmagado
pela burocracia e pela má vontade de funcionários mal pagos e de mau humor. E
vai ralar muito até conseguir instalar seu negocinho, se os bombeiros
permitirem, é claro.
Falo isso, porque sei que você, nessas condições, sem
dinheiro, sem influência, sem padrinhos políticos jamais conseguiria instalar
uma boate em pleno centro da cidade, numa cidade como Santa Maria, por exemplo,
num prédio apertado entre dois outros, com uma única saída. Ainda mais – e principalmente
– porque você precisaria calafetar totalmente eventuais aberturas e revestir o
prédio com material para conter o som, a fim de não se incomodar com a
vizinhança. E material desse tipo é comburente. Então, além de não ter dinheiro
para fazer tudo isso, você não conseguiria instalar essa boate, porque está na
cara que, sem rota de fuga, sem saídas de emergência, sem brigadas de incêndio
e sem influências, bombeiro nenhum aprovaria seu projeto.
Ainda bem que você não tem nada disso. Você é pobre e
pode dormir tranqüilo e está livre de vir a público para dar desculpas idiotas.
E sua consciência jamais o acusará de ter matado mais de uma centena de jovens,
por ganância.
Um comentário:
Meu edifício, em que moram quem sabe 60 pessoas, foi compelido a treinar pelo menos 5 pessoas em prevenção de incêndio. A boate, não. Agora "o governador Tarso Genro afirmou hoje que a casa não poderia estar funcionando "em hipótese alguma". "Qualquer leigo vê que aquilo se transformaria numa armadilha", disse. O governador desautorizou as declarações dos comandantes da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros ao afirmarem que o funcionamento da casa era regular. "O chefe dos Bombeiros não falou demais, ele falou completamente errado", avaliou." http://wp.clicrbs.com.br/andremachado/2013/01/29/tarso-genro-a-kiss-nao-poderia-estar-funcionando/?topo=52,1,1,,171,e171 O governador e o Estado estão assumindo suas responsabilidades?
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