ATÉ DORMINDO SE GANHA DINHEIRO
João Eichbaum
Sabe o tipo que
chacoalha a vaca para ter “milk shake”?
A Justiça é assim.
Com a permissão da
Secretaria de Educação e outro tanto do comando da Polícia Militar, um brioso
soldado dessa não menos briosa milícia - hoje mais mista do que varonil - foi
morar no prédio de uma escola.
Todos nós temos o
direito de pensar que não foi por causa dos belos olhos do soldado, nem por
causa do seu peitão cheio de pêlos, nem por sua silhueta de deus grego e muito
menos por causa de seu desempenho sexual que lhe foi conferido tão particular
privilégio. Alguma coisa útil em favor da escola ele devia fazer.
Sim, sim, é exatamente
o que vocês estão pensando: ele devia vigiar a escola ou, pelo menos, levar
para dentro dela toda a moral de que se orgulha a corporação a que ele
pertence, para afugentar malfeitores.
Mas, eis senão quando,
certa noite arrombaram a escola e levaram o que puderam.
Bola picando para um
comentarista de noticiário de TV, que lascou: “e o PM não viu nada. Bota sono
profundo nisso!”
Se vocês estão pensando
que sobrou para o soldado e para a corporação militar, aqui, ó: nada disso.
Sobrou para a empresa de telecomunicações.
Sim, senhores, o PM “sofreu ofensa na sua honra”, disse o juiz. E os
desembargadores mandaram a empresa pagar
danos morais, porque “os fatos noticiados não eram verídicos” (leia-se: não é
verdade que o PM tem sono profundo, ou não é verdade que ele estivesse dormindo,
pois poderia estar se divertindo durante
aquele recreio noturno que todo mundo gosta).
Então tá. Dizer que
alguém tem “sono profundo” é ofensa à honra. Certamente porque o sono não é uma
necessidade física, não é aquele poder ancestral que domina o homem, faz os
vovôs cabecearem na frente da TV. O sono é um valor de conteúdo essencialmente
moral, tem tudo a ver com a honra. E todas as pessoas têm a mesma e linear
intensidade de sono.
A não ser sob tal
prisma, nenhuma pessoa de média inteligência conseguiria vislumbrar ofensa
nessa exclamação “bota sono pesado nisso”!
Segundo o PM, a partir
da notícia, seus colegas passaram a chamá-lo de “dorminhoco”. Ora, o que é uma
pessoa “dorminhoca”, senão alguém que dorme com facilidade?
Se chamar alguém de
“dorminhoco” é ofensa, se isso causa danos, se isso é capaz de desestruturar
emocionalmente alguém, quem deve responder é quem faz chacota, empregando esse horrível adjetivo, demolidor
da “honra”. E não quem dá a notícia, sem adjetivos.
Mas isso não é tudo. A
sentença que incrementou a conta bancária do soldado se esqueceu de que existe um artigo de lei que
cimenta o direito à reparação de danos. É o artigo 186 do Código Civil, onde
está claro que a reparação do dano depende de um pressuposto básico, a violação
de um direito..
Qual teria sido o
direito violado? O direito do PM ao sono? Mas, alguém lhe interrompeu o sono?
O que tirou o sono do PM foi o comentário na
TV, e não o furto. Desse a Justiça não se ocupou: deu mais valor ao “milk
shake” do que à vaca.
Um comentário:
Se alguém falar que eu estou dormindo à noite em sono profundo, quero ganhar o meu também. Mas, esse cronista ou colunista não cairá mais nessa, qual gato escaldado.
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