A RENÚNCIA
João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com
Joseph Ratzinger, o Papa
Bento XVI, deu aviso prévio para Deus. Não quer mais ser papa. Pediu as contas, deu os "trinta". Está abrindo mão das pompas, das
mordomias, do único reinado que, com jurisdição sobre o mundo inteiro,
capitaliza um respeito contra o qual ficam ladrando, sem eco, opositores
isolados. E com a indefectível disciplina alemã marcou dia e hora para depor a
tiara papal: 28.02.13, às 20:00.
Antes dele, outros três
tiveram que renunciar. O primeiro foi Ponticiano, no ano 235. Enfrentando uma
crise desencadeada pelo teólogo Hipólito, que não se conformava com o
afrouxamento das penitências para os cristãos egressos do paganismo, Ponticiano
a venceu, pondo cobro ao chamado “cisma de Hipólito”. Mas, ambos, Ponticiano e
Hipólito, acabaram se dando mal com Maximino Trácio, o bárbaro que se tornou
imperador romano, sem nunca ter botado os pés em Roma. O “porralouca” expulsou
os dois, exilando-os na Sardenha. O exílio obrigou Ponticiano a renunciar ao
trono papal.
Mais de mil anos depois,
ocorreu a segunda renúncia na história do papado. Como saída para driblar a
disputa de duas famílias pelo trono de Pedro, vago com a morte de Nicolau IV,
foi chamado a ocupar a sede pontifícia de Roma um pobre coitado, chamado Pietro
Angeleri, que vivia como eremita, entregue a orações. Simplório e sem malícia,
Pietro Angeleri, que adotou o nome de Celestino V, não tinha pulso, e servia de
instrumento para outros interesseiros. Acabou sendo convencido pelo cardeal Benedicto
Caetani a renunciar.
Gregório XII foi o nome usado por Angelo
Correr, numa página negra da história da Igreja, quando reinavam três papas ao
mesmo tempo: Gregório XII, João XXIII, o ex-corsário Baldassare Cossa, conhecido como “antipapa”, e Bento XIII. Foram
muitas as escaramuças, as disputas, os proveitos pessoais, tendo Gregório XII
arrumado muitos parentes em cargos chaves da Igreja, marcando os tempos áureos
do nepotismo, tão praticado no Brasil ainda hoje. Evidentemente, era pouco
trono para muita gente e, depois de muitas rusgas, promessas não cumpridas,
negociatas e acordos, renunciaram o antipapa e Gregório XII.
Nenhuma dessas renúncias
papais foi espontânea, numa boa. Todas foram arrancadas por pressão, vinganças,
mesquinharias, interesses inconfessáveis.
A renúncia de Bento XVI,
porém, foi exigência dele próprio. Escravo das restrições da idade, agredido
pelas dores reumáticas, pela artrite, com uma agenda estressante de audiências
e encontros diplomáticos, exigindo um trabalho mental extraordinário (quantos
idiomas e cerimoniais diferentes no mesmo dia!), sente-se invadido pela certeza
de que privará seu trabalho da perfeição alemã. Enfrentando escândalos sexuais
de padres e bispos, moções em busca de mudanças na Igreja, com os homens querendo
sexo, ops, querendo o fim do celibato, e as mulheres querendo subir ao altar,
não só de véu e grinalda, mas de alva, estola e casula, para rezarem missa também, além de ficarem por dentro das fofocas através das confissões, Ratzinger foi se
debilitando física e psicologicamente.
Antecessores seus, mesmo
vencidos pelas urgências, jamais cogitaram de renunciar aos faustos e ao poder.
Mas não conseguiam esconder as mãos trêmulas e se deixavam trair pelo balbucio
inaudível das palavras rituais.
A disciplina de um alemão, porém, seu
compromisso com os objetivos assumidos, não o dobram para as conveniências.
Ratzinger foi pressionado, sim, por ele próprio, por seu apego ao dever. Não
renunciou esperneando, mas por ordem da própria consciência. E deixou uma lição
de humildade, que muitos “santos” ficaram devendo.
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