quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013


A RENÚNCIA

João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com

Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, deu aviso prévio para Deus. Não quer mais ser papa. Pediu as contas, deu os "trinta". Está abrindo mão das pompas, das mordomias, do único reinado que, com jurisdição sobre o mundo inteiro, capitaliza um respeito contra o qual ficam ladrando, sem eco, opositores isolados. E com a indefectível disciplina alemã marcou dia e hora para depor a tiara papal: 28.02.13, às 20:00.
Antes dele, outros três tiveram que renunciar. O primeiro foi Ponticiano, no ano 235. Enfrentando uma crise desencadeada pelo teólogo Hipólito, que não se conformava com o afrouxamento das penitências para os cristãos egressos do paganismo, Ponticiano a venceu, pondo cobro ao chamado “cisma de Hipólito”. Mas, ambos, Ponticiano e Hipólito, acabaram se dando mal com Maximino Trácio, o bárbaro que se tornou imperador romano, sem nunca ter botado os pés em Roma. O “porralouca” expulsou os dois, exilando-os na Sardenha. O exílio obrigou Ponticiano a renunciar ao trono papal.
Mais de mil anos depois, ocorreu a segunda renúncia na história do papado. Como saída para driblar a disputa de duas famílias pelo trono de Pedro, vago com a morte de Nicolau IV, foi chamado a ocupar a sede pontifícia de Roma um pobre coitado, chamado Pietro Angeleri, que vivia como eremita, entregue a orações. Simplório e sem malícia, Pietro Angeleri, que adotou o nome de Celestino V, não tinha pulso, e servia de instrumento para outros interesseiros. Acabou sendo convencido pelo cardeal Benedicto Caetani a renunciar.
 Gregório XII foi o nome usado por Angelo Correr, numa página negra da história da Igreja, quando reinavam três papas ao mesmo tempo: Gregório XII, João XXIII, o ex-corsário Baldassare Cossa, conhecido como “antipapa”, e Bento XIII. Foram muitas as escaramuças, as disputas, os proveitos pessoais, tendo Gregório XII arrumado muitos parentes em cargos chaves da Igreja, marcando os tempos áureos do nepotismo, tão praticado no Brasil ainda hoje. Evidentemente, era pouco trono para muita gente e, depois de muitas rusgas, promessas não cumpridas, negociatas e acordos, renunciaram o antipapa e Gregório XII.
Nenhuma dessas renúncias papais foi espontânea, numa boa. Todas foram arrancadas por pressão, vinganças, mesquinharias, interesses inconfessáveis.
A renúncia de Bento XVI, porém, foi exigência dele próprio. Escravo das restrições da idade, agredido pelas dores reumáticas, pela artrite, com uma agenda estressante de audiências e encontros diplomáticos, exigindo um trabalho mental extraordinário (quantos idiomas e cerimoniais diferentes no mesmo dia!), sente-se invadido pela certeza de que privará seu trabalho da perfeição alemã. Enfrentando escândalos sexuais de padres e bispos, moções em busca de mudanças na Igreja, com os homens querendo sexo, ops, querendo o fim do celibato, e as mulheres querendo subir ao altar, não só de véu e grinalda, mas de alva, estola e casula, para rezarem missa também, além de ficarem por dentro das fofocas através das confissões, Ratzinger foi se debilitando física e psicologicamente.
Antecessores seus, mesmo vencidos pelas urgências, jamais cogitaram de renunciar aos faustos e ao poder. Mas não conseguiam esconder as mãos trêmulas e se deixavam trair pelo balbucio inaudível das palavras rituais. 
A disciplina de um alemão, porém, seu compromisso com os objetivos assumidos, não o dobram para as conveniências. Ratzinger foi pressionado, sim, por ele próprio, por seu apego ao dever. Não renunciou esperneando, mas por ordem da própria consciência. E deixou uma lição de humildade, que muitos “santos” ficaram devendo.







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