sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013


LECTIO BREVIS (III)

João Eichbaum


Na Zero Hora do último dia quatro, David Medina da Silva subscreve um artigo intitulado “O Direito Penal e a Tragédia”, no qual, falando sobre a tragédia de Santa Maria, afirma que “está correta a atuação preliminar dos profissionais tratando o fato como doloso. Não há nisso qualquer prejulgamento, mas um critério técnico baseado na teoria que orienta a aplicação da lei brasileira e na jurisprudência do STF e do STJ, segundo a qual o dolo deve ser verificado a partir das circunstâncias do fato”.
O articulista diz isso, depois de ter afirmado que a teoria finalista da ação, estruturada por Hans Welzel e adotada pelo Código Penal brasileiro desde 1984, que adota o “princípio da excepcionalidade do crime culposo”, dizendo que ninguém será punido por culpa, salvo expressa disposição legal. Assim, no Direito brasileiro, o crime doloso (intencional) é a regra, enquanto o crime culposo (não intencional, praticado por descuido ou erro) é exceção. (A transcrição está em caracteres diferenciados, para mostrar as dificuldades do articulista na arte de escrever)
Bom. Em primeiro lugar, as autoridades policiais e judiciárias e o Ministério Público, quando chegar a sua vez, devem obediência à lei e não a teorias alemãs. É a lei que rege o procedimento da investigação (estamos, por ora, na fase de investigação em Santa Maria).
Se o promotor, professor e, provavelmente, doutor, David Medina da Silva conhecesse na íntegra a “finale Handlungslehere”, ele a não teria invocado para cimentar a sua opinião.
No caso de Santa Maria o que as autoridades, botando os pés pelas mãos, estão procurando provar, é que houve dolo eventual. E o dolo eventual é justamente um dos pontos fracos da teoria de Hans Welzel.
Tal deficiência não passou em branco aos olhos dos críticos de Welzel, segundo os quais “Defizite weist die finale Handlungslehre bei der Begründung von Fahrlässigkeitsdelikten und in Bezug auf (unbewusste) Unterlassungsdelikte auf.”  Tradução livre: a deficiência de fundamentação da teoria da ação finalísta reside nos crimes de incúria e em relação aos crimes involuntários.
E têm razão os críticos. É que a teoria de Welzel se ocupa, inteiramente, dos delitos intencionais: “willensgetragenes, bewusst vom Ziel her gelenktes (zweckgerichtetes) menschliches Verhalten” ( ações conscientes, voltadas para a finalidade criminosa).
Por outro lado, existe uma abissal diferença entre a “finale Handlungslehre” e a Lei 7960, que instituiu a “prisão temporária”, aplaudida, indiretamente, pelo articulista de Zero Hora. Se, para o sistema penal brasileiro, todo o fato delituoso devesse ser tratado, “prima facie” como doloso, não haveria necessidade de fazer a distinção entre crime doloso e culposo na fase de investigação, que é exatamente o caso de Santa Maria. A qualquer fato criminoso poderia ser aplicada a medieval medida da “prisão temporária”, sem ser necessário que a odiosa lei explicitasse que ela só pode ser aplicada aos crimes dolosos, ali especificados. Se tudo é doloso, como diz o promotor e professor, por que faz a lei a distinção?
Então, só para lembrar ao professor: a investigação criminal é regida pela lei e não pela teoria do alemão Hans Welzel que, como se viu, não é unanimidade na Alemanha.
POST SCRIPTUM:
Até depois do carnaval, meus amigos. Não. Não pensem que estarei na avenida como “mestre sala”, ou me encantando com os traseiros das mulatas. É que, no carnaval, ninguém quer nada com nada, mesmo. Todo mundo quer curtir a diversão ou o descanso.

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