LECTIO BREVIS
(III)
João Eichbaum
Na Zero Hora do último dia
quatro, David Medina da Silva subscreve um artigo intitulado “O Direito Penal e
a Tragédia”, no qual, falando sobre a tragédia de Santa Maria, afirma que “está correta a atuação preliminar
dos profissionais tratando o fato como doloso. Não há nisso qualquer
prejulgamento, mas um critério técnico baseado na teoria que orienta a
aplicação da lei brasileira e na jurisprudência do STF e do STJ, segundo a qual
o dolo deve ser verificado a partir das circunstâncias do fato”.
O articulista diz isso, depois de
ter afirmado que a teoria finalista da
ação, estruturada por Hans Welzel e adotada pelo Código Penal brasileiro desde
1984, que adota o “princípio da excepcionalidade do crime culposo”, dizendo que
ninguém será punido por culpa, salvo expressa disposição legal. Assim, no
Direito brasileiro, o crime doloso (intencional) é a regra, enquanto o crime
culposo (não intencional, praticado por descuido ou erro) é exceção. (A
transcrição está em caracteres diferenciados, para mostrar as dificuldades do
articulista na arte de escrever)
Bom. Em primeiro lugar, as autoridades policiais e
judiciárias e o Ministério Público, quando chegar a sua vez, devem obediência à
lei e não a teorias alemãs. É a lei que rege o procedimento da investigação
(estamos, por ora, na fase de investigação em Santa Maria).
Se o promotor, professor e, provavelmente, doutor,
David Medina da Silva conhecesse na íntegra a “finale Handlungslehere”, ele a
não teria invocado para cimentar a sua opinião.
No caso de Santa Maria o que as autoridades, botando
os pés pelas mãos, estão procurando provar, é que houve dolo eventual. E o dolo
eventual é justamente um dos pontos fracos da teoria de Hans Welzel.
Tal deficiência não passou em branco aos olhos dos
críticos de Welzel, segundo os quais “Defizite weist die finale Handlungslehre bei der Begründung
von Fahrlässigkeitsdelikten und in Bezug auf (unbewusste)
Unterlassungsdelikte auf.” Tradução livre: a deficiência de fundamentação
da teoria da ação finalísta reside nos crimes de incúria e em relação aos
crimes involuntários.
E têm razão os críticos. É que a teoria de
Welzel se ocupa, inteiramente, dos delitos intencionais: “willensgetragenes,
bewusst vom Ziel her gelenktes (zweckgerichtetes) menschliches Verhalten” (
ações conscientes, voltadas para a finalidade criminosa).
Por outro lado, existe uma abissal
diferença entre a “finale Handlungslehre” e a Lei 7960, que instituiu a “prisão
temporária”, aplaudida, indiretamente, pelo articulista de Zero Hora. Se, para
o sistema penal brasileiro, todo o fato delituoso devesse ser tratado, “prima
facie” como doloso, não haveria necessidade de fazer a distinção entre crime
doloso e culposo na fase de investigação, que é exatamente o caso de Santa
Maria. A qualquer fato criminoso poderia ser aplicada a medieval medida da
“prisão temporária”, sem ser necessário que a odiosa lei explicitasse que ela
só pode ser aplicada aos crimes dolosos, ali especificados. Se tudo é doloso,
como diz o promotor e professor, por que faz a lei a distinção?
Então, só para lembrar ao professor: a
investigação criminal é regida pela lei e não pela teoria do alemão Hans Welzel
que, como se viu, não é unanimidade na Alemanha.
POST SCRIPTUM:
Até depois do carnaval, meus amigos. Não.
Não pensem que estarei na avenida como “mestre sala”, ou me encantando com os
traseiros das mulatas. É que, no carnaval, ninguém quer nada com nada, mesmo.
Todo mundo quer curtir a diversão ou o descanso.
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