terça-feira, 26 de fevereiro de 2013


AS AUTORIDADES  DE TERCEIRO MUNDO


João Eichbaum

Todo mundo sabe da mortandade na boate Kiss, em Santa Maria, A boate pegou fogo. Uns morreram queimados, outros asfixiados. Outros, sem sentidos, foram pisoteados pelos que fugiam do fogo e da fumaça. Duzentos e trinta e nove os mortos.
Um horror! Do ponto de vista humano, um horror, mesmo. Todos jovens, os que morreram. Estudantes, festejando a superação do vestibular, Ou, simplesmente, curtindo a vida.
Mas, havia também gente que trabalhava na boate: copeiras, garçons, garçonetes, recepcionistas, seguranças. Gente que ali estava, na hora em que chegou a morte, trabalhando, lutando para sobreviver.
Do ponto de vista social e sentimental esse quadro produz revolta, causa emoção, arranca lágrimas. Mas, do ponto de vista jurídico é diferente. Uma casa com uma só porta, sem saídas de emergência, com calafetação até na janela do banheiro, liberada pelas autoridades competentes, os bombeiros, para funcionar, causa espécie. Com a circunstância agravante de que tinha um revestimento anti-som, imposto por acordo perante o  Ministério Público.para evitar incômodos à vizinhança.
No auge da festa, uma das bandas que se apresentavam, a Gurizada Fandangueira, ou coisa que o valha, para abrilhantar o espetáculo usou um “sinalizador”. Sinalizador é um troço que solta faíscas, que se transformam em fumaça colorida – pelo que vi em campos de futebol. As faíscas atingiram a espuma comburente, e deu no que deu: fumaceira, fogo, atropelo e morte.
Então, dizia eu, do ponto de vista jurídico, nada mais fácil. Pegou fogo, são responsáveis os donos da boate, os bombeiros que liberaram aquela arapuca e quem deu início ao fogo.
Uma coisa simples. Mas já está fazendo  um mês e a polícia ainda não terminou o inquérito. E sabem por quê? Porque está rendendo notícia. A polícia está aparecendo na televisão e nos jornais, para mostrar a todo mundo que ela existe. Se não fosse isso, ela seria ignorada: ninguém mais acredita nela. Todo mundo sabe que não adiante registrar ocorrência, porque a polícia só existe no papel. Os casos difíceis ela não resolve, e  os casos fáceis, ela complica.
Agora, para culminar, trouxeram dos Estados Unidos, um procurador, que aqui veio para dar “palpites” sobre a investigação.
Precisava? Precisava vir de fora alguém, para ensinar o que todo mundo sabe, que fumaça asfixia, que fogo queima? 
Não é triste isso. É humilhante.
Quer dizer que nem a polícia, nem o Ministério Público do Rio Grande do Sul sabiam que o fogo queima, que a fumaça asfixia, e que havendo uma só saída, haverá mortes, na fuga para a vida.
Coisa simples. Inquérito para ser concluído em menos de uma semana: quem liberou aquela armadilha para funcionar, quem a calafetou, impedindo a respiração, quem deu causa ao fogo?
Nada mais simples. Mas as autoridades de Santa Maria, para  constatar o óbvio, tiveram que trazer um “procurador” dos Estados Unidos,
E aí eu pergunto: aprenderam alguma coisa nova com a visita do americano?



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