AS AUTORIDADES
DE TERCEIRO MUNDO
João
Eichbaum
Todo mundo sabe da mortandade na boate Kiss,
em Santa Maria, A boate pegou fogo. Uns morreram queimados, outros asfixiados.
Outros, sem sentidos, foram pisoteados pelos que fugiam do fogo e da fumaça. Duzentos
e trinta e nove os mortos.
Um horror! Do ponto de vista humano, um
horror, mesmo. Todos jovens, os que morreram. Estudantes, festejando a superação
do vestibular, Ou, simplesmente, curtindo a vida.
Mas, havia também gente que trabalhava na
boate: copeiras, garçons, garçonetes, recepcionistas, seguranças. Gente que ali
estava, na hora em que chegou a morte, trabalhando, lutando para sobreviver.
Do ponto de vista social e sentimental esse
quadro produz revolta, causa emoção, arranca lágrimas. Mas, do ponto de vista
jurídico é diferente. Uma casa com uma só porta, sem saídas de emergência, com
calafetação até na janela do banheiro, liberada pelas autoridades competentes,
os bombeiros, para funcionar, causa espécie. Com a circunstância agravante de
que tinha um revestimento anti-som, imposto por acordo perante o Ministério Público.para evitar incômodos à
vizinhança.
No auge da festa, uma das bandas que se
apresentavam, a Gurizada Fandangueira, ou coisa que o valha, para abrilhantar o
espetáculo usou um “sinalizador”. Sinalizador é um troço que solta faíscas, que
se transformam em fumaça colorida – pelo que vi em campos de futebol. As
faíscas atingiram a espuma comburente, e deu no que deu: fumaceira, fogo,
atropelo e morte.
Então, dizia eu, do ponto de vista
jurídico, nada mais fácil. Pegou fogo, são responsáveis os donos da boate, os
bombeiros que liberaram aquela arapuca e quem deu início ao fogo.
Uma coisa simples. Mas já está fazendo um
mês e a polícia ainda não terminou o inquérito. E sabem por quê? Porque está
rendendo notícia. A polícia está aparecendo na televisão e nos jornais, para
mostrar a todo mundo que ela existe. Se não fosse isso, ela seria ignorada: ninguém
mais acredita nela. Todo mundo sabe que não adiante registrar ocorrência,
porque a polícia só existe no papel. Os casos difíceis ela não resolve, e os casos fáceis, ela complica.
Agora, para culminar, trouxeram dos
Estados Unidos, um procurador, que aqui veio para dar “palpites” sobre a
investigação.
Precisava? Precisava vir de fora alguém,
para ensinar o que todo mundo sabe, que fumaça asfixia, que fogo queima?
Não é
triste isso. É humilhante.
Quer dizer que nem a polícia, nem o
Ministério Público do Rio Grande do Sul sabiam que o fogo queima, que a fumaça
asfixia, e que havendo uma só saída, haverá mortes, na fuga para a vida.
Coisa simples. Inquérito para ser
concluído em menos de uma semana: quem liberou aquela armadilha para funcionar,
quem a calafetou, impedindo a respiração, quem deu causa ao fogo?
Nada mais simples. Mas as autoridades de
Santa Maria, para constatar o óbvio,
tiveram que trazer um “procurador” dos Estados Unidos,
E aí eu pergunto: aprenderam alguma coisa
nova com a visita do americano?
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