BONECAS TROPEÇAM NA BÍBLIA
Janer Cristaldo
Que época, esta nossa! Chegamos a um ponto
em que urge defender um pastor evangélico picareta e analfabeto. Os tempos
andam tão bicudos que Silas Malafaia já se considera um paladino das liberdades
democráticas. Leio na agência Estado que o pai do vocalista do Mamonas
Assassinas, Hildebrando Alves, vai entrar na Justiça contra o deputado e pastor
Marco Feliciano (PSC-SP) por danos morais.
Na semana passada, Feliciano afirmou durante um culto que sabia o que havia causado o acidente de avião na Serra da Cantareira, em 1996, que matou todos os integrantes da banda. "O avião estava no céu, região do ministro do juízo de Deus. Lá na Serra da Cantareira, ao invés de virar para um lado, o manche tocou pra outro. Um anjo pôs o dedo no manche e Deus fulminou aqueles que tentaram colocar palavras torpes na boca das nossas crianças", disse o pastor.
Para começar, o pai do desmiolado – tão desmiolado quanto o filho - não é parte competente para processar o pastor. Se alguém sofreu danos morais foi o defunto e defunto não processa. Se alguém foi caluniado, foi Deus. E o tal de deus tem outras instâncias que não as dos mortais. Uma suprema instância na qual só ele é juiz. Uma espécie de Joaquim Barbosa das esferas celestes.
É obviamente estúpido o que disse pastor. Mas estupidez semelhante foi repetida durante décadas pela Igreja Católica, a respeito do Titanic. Em meus dias de guri, li em meu livrinho de religião – Luz do Céu – que o naufrágio era a resposta divina à humana arrogância. Alguém teria dito: “este navio nem Deus afunda”. E mesmo que ninguém tivesse dito, era preciso encontrar a frase. O bom Deus teria se sentido desafiado e posto um iceberg na rota do barco. Até hoje, certamente, tanto padres como pastores devem andar repetindo a história por aí.
Nenhuma religião resolveu satisfatoriamente a relação entre a existência de Deus e a do mal. Onde estava Deus durante o holocausto? – esta pergunta perpassou a segunda metade do século passado. Até mesmo um vice-deus, o Bento XVI, andou acusando o chefe. A pergunta ganhou até mesmo uma versão bem recente: onde estava Deus durante a tragédia de Santa Maria? O fato é que Deus estava onde sempre esteve, seja qual for o lugar que isto queira dizer.
O Deus judaico é punitivo. Fustiga seu próprio povo, quando este dele se afasta. E o recompensa quando os judeus voltam ao redil. O Velho Testamento está recheado de castigos divinos: desde o dilúvio universal até a transformação de um milionário, o fiel Jó, em um mendigo, como um teste para sua fé.
Mais estúpidos ainda são os argumentos do pai do inútil: "Ele (Feliciano) é louco. Deus não mata ninguém, Deus é amor. O acidente que aconteceu foi uma fatalidade, eles viajavam muito de avião". De que Deus estará falando este senhor? Trata-se de mais um desses pobres diabos que empunham o deus bíblico sem jamais ter lido a Bíblia. Se alguém mata um homem, é um assassino. Se mata milhões, é conquistador. Se mata todos, é Deus - dizia Jean Rostand. Quando me falam de “deus é amor”, saco minha Bíblia do coldre:
É um livro edificante. Começa com um genocídio dos bons, o dilúvio. No Pentateuco, encontramos incitações ao genocídio a toda hora. Javé ordena Israel a matar os amorreus, heteus, ferezeus, cananeus, heveus, jebuseus, mais tribos do que massacrou Maomé. O bom deus dos judeus e cristãos manda massacrar, arrasar, degolar, destruir cidades, matar tudo que respire.
Quanto a ódio aos judeus, só o santo homem Moisés – o interlocutor entre Jeová e os judeus - mandou degolar três mil judeus. No Novo Testamento, no Apocalipse, o Cordeiro volta para exterminar o que sobrou da humanidade.
No Levítico, por exemplo, podemos ler:
E o homem que se deitar com a mulher de seu pai descobriu a nudez de seu pai; ambos certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles. Semelhantemente, quando um homem se deitar com a sua nora, ambos certamente morrerão; fizeram confusão; o seu sangue será sobre eles. Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles. Também a mulher que se chegar a algum animal, para ajuntar-se com ele, aquela mulher matarás bem assim como o animal; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles.
E, quando um homem se deitar com uma mulher no tempo da sua enfermidade, e descobrir a sua nudez, descobrindo a sua fonte, e ela descobrir a fonte do seu sangue, ambos serão extirpados do meio do seu povo.
A Bíblia é livro que justifica a escravidão, o incesto, a poligamia, assassinatos e massacres. Josué aprisiona os filhos e as filhas de Acam, seu gado e ovelhas e os apedreja até a morte. Ora, se Acam esconde o tesouro pilhado na cidade de Ai, seus filhos e filhas não cometeram crime algum.
Em Juízes, o levita de Efraim pega um cutelo, corta sua concubina em doze pedaços e os remete a todo território de Israel. Quando moleques chamam o profeta Eliseu de careca em Bethel, este os amaldiçoa em nome do Senhor. Duas ursas saem do mato e devoram 42 crianças.
Nos Salmos, lemos: “Feliz quem agarrar e esmagar teus bebês contra a rocha”.
Ao morrer, o sábio rei Davi pede a seu filho, Salomão, para matar Joab. Antes do último suspiro, manda o filho trazer a cabeça de Shimei para o túmulo com sangue. Só então consegue morrer em paz. No livro de Ester, Haman prepara uma forca para Mordecai, mas Ester faz com que Haman e seus dez filhos fossem enforcados na forca construída por Haman. Os judeus foram então autorizados a assassinar mais de 75 mil súditos do rei. A Bíblia está encharcada de sangue, do Gênesis ao Apocalipse.
Não por acaso, Tácito via os cristãos como pessoas que odiavam a humanidade. Difícil saber quem diz mais bobagens, se o pastor Feliciano ou seus acusadores. No fundo, o pecado mortal do pastor não foi proferir sandices, mas acusar – em coerência com sua fé – a aguerrida máfia das bonecas.
Há horas venho afirmando que a bicharada iria tropeçar na Bíblia. Tropeçou.
Na semana passada, Feliciano afirmou durante um culto que sabia o que havia causado o acidente de avião na Serra da Cantareira, em 1996, que matou todos os integrantes da banda. "O avião estava no céu, região do ministro do juízo de Deus. Lá na Serra da Cantareira, ao invés de virar para um lado, o manche tocou pra outro. Um anjo pôs o dedo no manche e Deus fulminou aqueles que tentaram colocar palavras torpes na boca das nossas crianças", disse o pastor.
Para começar, o pai do desmiolado – tão desmiolado quanto o filho - não é parte competente para processar o pastor. Se alguém sofreu danos morais foi o defunto e defunto não processa. Se alguém foi caluniado, foi Deus. E o tal de deus tem outras instâncias que não as dos mortais. Uma suprema instância na qual só ele é juiz. Uma espécie de Joaquim Barbosa das esferas celestes.
É obviamente estúpido o que disse pastor. Mas estupidez semelhante foi repetida durante décadas pela Igreja Católica, a respeito do Titanic. Em meus dias de guri, li em meu livrinho de religião – Luz do Céu – que o naufrágio era a resposta divina à humana arrogância. Alguém teria dito: “este navio nem Deus afunda”. E mesmo que ninguém tivesse dito, era preciso encontrar a frase. O bom Deus teria se sentido desafiado e posto um iceberg na rota do barco. Até hoje, certamente, tanto padres como pastores devem andar repetindo a história por aí.
Nenhuma religião resolveu satisfatoriamente a relação entre a existência de Deus e a do mal. Onde estava Deus durante o holocausto? – esta pergunta perpassou a segunda metade do século passado. Até mesmo um vice-deus, o Bento XVI, andou acusando o chefe. A pergunta ganhou até mesmo uma versão bem recente: onde estava Deus durante a tragédia de Santa Maria? O fato é que Deus estava onde sempre esteve, seja qual for o lugar que isto queira dizer.
O Deus judaico é punitivo. Fustiga seu próprio povo, quando este dele se afasta. E o recompensa quando os judeus voltam ao redil. O Velho Testamento está recheado de castigos divinos: desde o dilúvio universal até a transformação de um milionário, o fiel Jó, em um mendigo, como um teste para sua fé.
Mais estúpidos ainda são os argumentos do pai do inútil: "Ele (Feliciano) é louco. Deus não mata ninguém, Deus é amor. O acidente que aconteceu foi uma fatalidade, eles viajavam muito de avião". De que Deus estará falando este senhor? Trata-se de mais um desses pobres diabos que empunham o deus bíblico sem jamais ter lido a Bíblia. Se alguém mata um homem, é um assassino. Se mata milhões, é conquistador. Se mata todos, é Deus - dizia Jean Rostand. Quando me falam de “deus é amor”, saco minha Bíblia do coldre:
É um livro edificante. Começa com um genocídio dos bons, o dilúvio. No Pentateuco, encontramos incitações ao genocídio a toda hora. Javé ordena Israel a matar os amorreus, heteus, ferezeus, cananeus, heveus, jebuseus, mais tribos do que massacrou Maomé. O bom deus dos judeus e cristãos manda massacrar, arrasar, degolar, destruir cidades, matar tudo que respire.
Quanto a ódio aos judeus, só o santo homem Moisés – o interlocutor entre Jeová e os judeus - mandou degolar três mil judeus. No Novo Testamento, no Apocalipse, o Cordeiro volta para exterminar o que sobrou da humanidade.
No Levítico, por exemplo, podemos ler:
E o homem que se deitar com a mulher de seu pai descobriu a nudez de seu pai; ambos certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles. Semelhantemente, quando um homem se deitar com a sua nora, ambos certamente morrerão; fizeram confusão; o seu sangue será sobre eles. Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles. Também a mulher que se chegar a algum animal, para ajuntar-se com ele, aquela mulher matarás bem assim como o animal; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles.
E, quando um homem se deitar com uma mulher no tempo da sua enfermidade, e descobrir a sua nudez, descobrindo a sua fonte, e ela descobrir a fonte do seu sangue, ambos serão extirpados do meio do seu povo.
A Bíblia é livro que justifica a escravidão, o incesto, a poligamia, assassinatos e massacres. Josué aprisiona os filhos e as filhas de Acam, seu gado e ovelhas e os apedreja até a morte. Ora, se Acam esconde o tesouro pilhado na cidade de Ai, seus filhos e filhas não cometeram crime algum.
Em Juízes, o levita de Efraim pega um cutelo, corta sua concubina em doze pedaços e os remete a todo território de Israel. Quando moleques chamam o profeta Eliseu de careca em Bethel, este os amaldiçoa em nome do Senhor. Duas ursas saem do mato e devoram 42 crianças.
Nos Salmos, lemos: “Feliz quem agarrar e esmagar teus bebês contra a rocha”.
Ao morrer, o sábio rei Davi pede a seu filho, Salomão, para matar Joab. Antes do último suspiro, manda o filho trazer a cabeça de Shimei para o túmulo com sangue. Só então consegue morrer em paz. No livro de Ester, Haman prepara uma forca para Mordecai, mas Ester faz com que Haman e seus dez filhos fossem enforcados na forca construída por Haman. Os judeus foram então autorizados a assassinar mais de 75 mil súditos do rei. A Bíblia está encharcada de sangue, do Gênesis ao Apocalipse.
Não por acaso, Tácito via os cristãos como pessoas que odiavam a humanidade. Difícil saber quem diz mais bobagens, se o pastor Feliciano ou seus acusadores. No fundo, o pecado mortal do pastor não foi proferir sandices, mas acusar – em coerência com sua fé – a aguerrida máfia das bonecas.
Há horas venho afirmando que a bicharada iria tropeçar na Bíblia. Tropeçou.
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