quarta-feira, 3 de abril de 2013


NOVELA JUDICIÁRIA

João Eichbaum
joaoeichbau@gmail. Com

O José e a Maria se casaram em Itaqui. Como todo mundo, casaram por paixão, dominados ambos pelo desejo ardente, achando que aquele fogo iria durar toda a vida.
Depois de casados, com o passar do tempo, o José viu que não tinha mais necessidade de viver agarrado com a Maria, que agarrá-la ou agarrar o travesseiro era a mesma coisa, sem sal, sem tempero, sem tesão. Então ele preferia ir para o bar com os amigos, ou tomar aquela cervejinha depois do futsal, ou passar dois ou três dias fora de casa, pescando.
A Maria, por seu turno, também foi notando a diferença entre a vida a dois, sob o mesmo teto, e os encontros furtivos em motel, de vez quando. Mas, como não jogava futebol, não tomava cerveja, nem gostava de pescaria, sua vida foi se tornando igual ao material de excreção do intestino animal. Ao lado do marido, era uma rotina, sem graça. Longe dele, um vazio, um negócio mais insosso que comida de hospital.
Para aplacar a solidão dela, quem aparecia, de vez em quando, era o sogro, viúvo, bem falante e feliz. Mas, sobretudo, envolvente.
Tudo começou com um flamante buquê de rosas. E aí, deu. O resto do romance nem preciso contar para vocês, né?
Claro que o casamento do José com a Maria foi pro beléu, para evitar que o sogro, numa hora dessas,  fosse havido na sociedade como avô do próprio filho.
Como já estivesse mais pra lá do que pra cá, o bom vovô e amante, para garantir o futuro de sua amada, resolveu lavrar no tabelionato uma escritura de união estável com a ex-mulher de seu filho. Pouco tempo depois, bateu as botas.
A viúva nova, munida de escritura, foi ao Fundo de Pensões e Aposentadorias do Município, pedindo seu direito. Não levou. Foi ao juiz, também não ganhou. Recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado e não teve provimento. Os desembagadores disseram que o artigo 1521, inc.V do Código Civil, impede o casamento “dos afins em linha reta” e que “a dissolução do casamento não extingue o parentesco por afinidade.”
Quer dizer, ele, homem, viúvo, não podia viver em união estável com ela, mulher, livre e desimpedida, graças ao fim do matrimônio com o atual enteado.
Mas, olha aqui, ó, se  fôssem dois biologicamente machos, ou duas biologicamente fêmeas, não haveria problema, apesar do Código Civil, porque o Fux disse que homem com homem e mulher com mulher pode. Se a mulher fosse amante de  um homem casado, teria direito à metade da pensão. Tudo de acordo com a lei.
Já disse mil vezes que, se for para aplicar friamente a lei, podemos colocar estagiários no lugar dos juízes: é só clicar no computador. Aplicar a lei não é o mesmo que julgar.
Será que os desembargadores da Sétima Câmara do Tribunal de Justiça do Estado ainda não se deram conta de que o mundo mudou; que  os juízes devem julgar e não apenas aplicar a lei; que agora ninguém mais pode chamar ninguém de bicha; que o Código Civil, por ordem do STF, na parte de Direito de Família, já não vale a mesma coisa; que o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal, mesmo que o STF o tenha colocado no lixo, não retira da proteção do Estado qualquer transa a longo prazo, e que o Fux disse - e ninguém foi louco de ser contra - que o valor maior é o sexo? Ou alguém aí vai dizer que não é bom?


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