NOVELA JUDICIÁRIA
João
Eichbaum
joaoeichbau@gmail.
Com
O José e
a Maria se casaram em Itaqui. Como todo mundo, casaram por paixão, dominados
ambos pelo desejo ardente, achando que aquele fogo iria durar toda a vida.
Depois de
casados, com o passar do tempo, o José viu que não tinha mais necessidade de
viver agarrado com a Maria, que agarrá-la ou agarrar o travesseiro era a mesma
coisa, sem sal, sem tempero, sem tesão. Então ele preferia ir para o bar com os
amigos, ou tomar aquela cervejinha depois do futsal, ou passar dois ou três
dias fora de casa, pescando.
A Maria,
por seu turno, também foi notando a diferença entre a vida a dois, sob o mesmo
teto, e os encontros furtivos em motel, de vez quando. Mas, como não jogava
futebol, não tomava cerveja, nem gostava de pescaria, sua vida foi se tornando
igual ao material de excreção do intestino animal. Ao lado do marido, era uma
rotina, sem graça. Longe dele, um vazio, um negócio mais insosso que comida de
hospital.
Para
aplacar a solidão dela, quem aparecia, de vez em quando, era o sogro, viúvo,
bem falante e feliz. Mas, sobretudo, envolvente.
Tudo
começou com um flamante buquê de rosas. E aí, deu. O resto do romance nem
preciso contar para vocês, né?
Claro que
o casamento do José com a Maria foi pro beléu, para evitar que o sogro, numa
hora dessas, fosse havido na sociedade
como avô do próprio filho.
Como já
estivesse mais pra lá do que pra cá, o bom vovô e amante, para garantir o
futuro de sua amada, resolveu lavrar no tabelionato uma escritura de união estável
com a ex-mulher de seu filho. Pouco tempo depois, bateu as botas.
A viúva
nova, munida de escritura, foi ao Fundo de Pensões e Aposentadorias do
Município, pedindo seu direito. Não levou. Foi ao juiz, também não ganhou.
Recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado e não teve provimento. Os
desembagadores disseram que o artigo 1521, inc.V do Código Civil, impede o
casamento “dos afins em linha reta” e que “a dissolução do casamento não
extingue o parentesco por afinidade.”
Quer
dizer, ele, homem, viúvo, não podia viver em união estável com ela, mulher, livre
e desimpedida, graças ao fim do matrimônio com o atual enteado.
Mas, olha
aqui, ó, se fôssem dois biologicamente
machos, ou duas biologicamente fêmeas, não haveria problema, apesar do Código
Civil, porque o Fux disse que homem com homem e mulher com mulher pode. Se a
mulher fosse amante de um homem casado,
teria direito à metade da pensão. Tudo de acordo com a lei.
Já disse
mil vezes que, se for para aplicar friamente a lei, podemos colocar estagiários
no lugar dos juízes: é só clicar no computador. Aplicar a lei não é o mesmo que
julgar.
Será que
os desembargadores da Sétima Câmara do Tribunal de Justiça do Estado ainda não
se deram conta de que o mundo mudou; que
os juízes devem julgar e não apenas aplicar a lei; que agora ninguém
mais pode chamar ninguém de bicha; que o Código Civil, por ordem do STF, na
parte de Direito de Família, já não vale a mesma coisa; que o § 3º do artigo
226 da Constituição Federal, mesmo que o STF o tenha colocado no lixo, não
retira da proteção do Estado qualquer transa a longo prazo, e que o Fux disse -
e ninguém foi louco de ser contra - que o valor maior é o sexo? Ou alguém aí
vai dizer que não é bom?
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